O Estado de S. Paulo
Torna-se urgente a formulação de uma política
proativa do Brasil para a região, que promova a intensificação do intercâmbio
regional
As recentes visitas de Lula à Rússia, à China
e a organização dos encontros do Brics e da COP-30 reforçam a presença global
do Brasil, mas colocam crescentes desafios para a política externa.
As grandes transformações que ocorrem no mundo, tanto na economia global quanto na nova ordem internacional, estão acarretando impactos em todos os países. O fortalecimento do regionalismo surge como uma resposta à redução das vulnerabilidades e ao aproveitamento das oportunidades que estão surgindo. A América do Sul, na contramão do que ocorre em outros continentes, continua desunida e fragmentada.
Como potência média regional, o Brasil
deveria exercer de maneira mais efetiva sua liderança em questões estratégicas
que afetam a região, como na interferência externa no Panamá (que poderá se
repetir no Brasil, em locais como Fernando de Noronha e Natal). Por outro lado,
não poderia continuar isolado, como ocorreu recentemente com o resgate pelos
EUA de cinco exilados venezuelanos na embaixada argentina, sob a guarda do
Brasil. A situação poderá tornar-se mais complexa se a Doutrina Monroe for
ressuscitada pelo governo norte-americano, como parece ser o caso pelas
declarações do secretário de Defesa de que “os EUA desejam voltar a controlar
seu quintal” e do presidente Trump, de que “os países da região talvez vão ter
de optar entre os EUA e a China”.
Nas questões econômicas e comerciais, pouca
atenção foi dada por Brasília à integração regional. Em 2023, o comércio entre
países da América Latina e do Caribe correspondeu a menos de 20% das
exportações da região. O Mercosul está estagnado e pouco se aproveitou da
criação, na prática, da Área de Livre Comércio, formada pelos acordos
negociados no âmbito da Aladi. Na recente reunião da Celac, o presidente Lula
esboçou algumas ideias que deveriam ser aprofundadas e ampliadas, em especial o
fortalecimento da integração econômica e regional. Essa visão estratégica é
bem-vinda, levando em conta que nos dois primeiros anos do atual governo a
região foi relegada a um distante segundo plano. A exceção foi a convocação de
reunião de presidentes sulamericanos e da Organização do Tratado de Cooperação
Amazônica, com poucas ações efetivas de seguimento pelo Brasil.
Torna-se urgente a formulação de uma política
proativa do Brasil para a região que promova a intensificação do intercâmbio
regional, coordene medidas para a preservação do meio ambiente e para a mudança
do clima, com o aproveitamento da biodiversidade e das fontes de energias
renováveis, inclusive das reservas de minerais críticos, e da infraestrutura
para facilitar o transporte, a comunicação e o combate ao crime organizado com
os vizinhos. A resposta às decisões unilaterais que se tornaram o novo normal
nas relações internacionais deve ser o estreitamento das relações entre todos
os países da região, como estão fazendo, nas respectivas regiões, a Europa, a
Ásia e a África.
Para avançar nesse sentido, o Brasil teria de
liderar a tomada de medidas, nos fóruns apropriados, a fim de promover o
comércio regional, de bens e serviços, sua diversificação e crescente
facilitação, inclusive com a América Central e o Caribe. O volume de comércio
anual que o Brasil mantém com os países da Celac é de US$ 86 bilhões, maior do
que com os EUA e próximo do que com a União Europeia.
Com o objetivo de facilitar e ampliar o
intercâmbio comercial, deveria ser examinada seriamente a possibilidade de ser
reativado o Convênio de Pagamentos e Créditos Recíprocos da Aladi, a expansão
do Sistema de Pagamentos em Moeda Local e ser estimulada a criação de cadeias
regionais de produção com empresas brasileiras e de outros países para atender
ao mercado regional.
A integração das redes de transporte, energia
e telecomunicações incentivará sinergias entre cadeias produtivas. O Ministério
do Planejamento está impulsionando cinco Rotas de Integração Sul-americana, que
vão unir o Caribe, o Atlântico e o Pacífico, o que deverá permitir o acesso ao
Porto de Chancay, no Peru, e abrir uma porta para o transporte direto dos
produtos brasileiros para a Ásia, que hoje já concentra mais de 50% das
exportações nacionais. Para garantir recursos para esses projetos, instituições
financeiras regionais, como a CAF, o Banco de Desenvolvimento do Caribe e o
Fonplata, além do Novo Banco de Desenvolvimento do Brics, deveriam ser
acionadas. Um plano nacional de hidrovias deveria ser elaborado para modernizar
o aproveitamento desse modal de transporte, inclusive com a criação de
autoridades nacionais e internacionais para operá-las. Além da expansão do
comércio e da infraestrutura, outras áreas, como meio ambiente, defesa e
energia, também deveriam merecer a atenção dos formuladores da política externa
para ampliar a cooperação regional.
Na presidência brasileira do Mercosul, no
segundo semestre, o Brasil deveria liderar os esforços para assinar o acordo
com a União Europeia e abrir negociações comerciais do grupo com o México, o
Canadá e países asiáticos. A exemplo do que já fez o Uruguai, deveria pedir a
adesão ao acordo comercial CPTPP (ex- Trans-Pacific Partnership), que congrega
mais de dez países asiáticos.
O Brasil precisa voltar a fazer política de
sua geografia.
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