domingo, 18 de maio de 2025

Bastava tão somente… - Míriam Leitão

O Globo

Novos detalhes do planejamento do golpe de Bolsonaro revelam que o país esteve a um triz de uma nova tragédia autoritária

O triz que estivemos de uma nova tragédia autoritária se vê nas conversas do policial federal Wladimir Matos Soares com o advogado Luciano Diniz. O advogado diz: “Bastava tão somente para dar um susto, dissolver o STF… Puf, acabou meu irmão. Como faz falta um Figueiredo. O Médici, o Médici.” O agente responde que o plano estava pronto, mas Bolsonaro foi “traído” pelo Exército. “A gente ia empurrar meio mundo de gente, pô. Matar meio mundo. Estava nem aí cara.” E acrescenta, “o Alexandre de Moraes realmente tinha que ter tido a cabeça cortada”.

A certeza da impunidade de Wladimir Matos se vê num detalhe revelado. Ele guardava todas essas informações tórridas, mensagens escritas e em áudio, provas de crime, no notebook da Polícia Federal. As provas estavam com ele quando foi preso, em novembro de 2024, no Rio. Wladimir Matos havia sido deslocado para a cidade porque 80% do efetivo da PF participava da segurança do G20, mas foi deixado em uma posição periférica, pois já estava sendo monitorado.

A importância do que foi divulgado agora se vê através do tempo. A Polícia Federal investigou e reconstituiu os fatos que haviam acontecido em 2022. Quando Wladimir Matos Soares foi preso, seus diálogos confirmaram tudo: houve uma tentativa de golpe; a Marinha apoiava; o Exército recuou. E o então presidente desistiu na última hora por falta de respaldo do Exército. Em 2022, ele enviou mensagens a um assessor do então presidente Jair Bolsonaro, Sérgio Rocha Cordeiro, fornecendo os dados e as coordenadas de duas pessoas que estavam na segurança do presidente Lula. O agente havia trabalhado com Alexandre Ramagem, em 2018, na segurança de Jair Bolsonaro. Tudo se encaixa tão perfeitamente.

— Nesta interlocução dele com o capitão da reserva Sérgio Cordeiro, assessor especial do então presidente, ele valida o que a investigação havia visto. Seus diálogos são da época dos fatos em dezembro de 2022 e demonstram o que a investigação concluiu. Que houve uma mobilização para tentar uma virada institucional. Os áudios chancelam as conclusões a que a equipe de investigação chegou — diz um investigador.

Nem todo o material apreendido pela Polícia Federal foi analisado. Há muita coisa ainda sendo vista. Quando o coronel Flávio Peregrino, assessor de Braga Netto, foi preso, a Polícia Federal pegou pen drives, HDs, computadores, “mídias”, como os policiais dizem. Muito do conteúdo ainda nem foi analisado. Há telefones celulares cujas senhas ainda não foram quebradas. Isso muda alguma coisa? A avaliação que ouvi é que a cada novo material avaliado está se confirmando a mesma conclusão, de que havia um golpe de Estado em andamento no Brasil, com a intenção de impedir a posse do presidente eleito e com planos de assassinatos políticos.

Essas evidências que ainda estão sendo analisadas podem ser objeto de relatórios da Polícia Federal. Não cabem mais indiciamentos, mas a PF pode agregar novas provas, enviar para o ministro relator, que envia à Procuradoria Geral da República, para fazer aditamentos à denúncia. Os novos elementos de prova reforçam a acusação contra este núcleo golpista, cuja denúncia deve ser julgada essa semana. Confirmam a linha da acusação que já foi recebida pelo STF.

Luciano Diniz, um dos interlocutores de Wladimir Matos Soares, é advogado em Salvador e não está indiciado. O valor do diálogo é que nele o agente da PF revela todos os detalhes do que se preparava. “Nós fazíamos parte de uma equipe de operações especiais que estava pronta para defender o presidente (Bolsonaro), armada e com poder de fogo elevado para empurrar quem viesse à frente. Esperávamos uma canetada para agir. Na véspera que a gente ia agir, o presidente foi traído dentro do Exército. Os generais foram lá e deram a última forma e disseram que não iam mais apoiar ele”, relata o policial. Ele diz que Alexandre de Moraes deveria ter sido eliminado quando impediu que o delegado Alexandre Ramagem assumisse a Polícia Federal. “Tinha que ter cortado a cabeça dele ali”.

Que estivemos muito perto de um golpe sangrento se vê na maneira aberta como se conversava no governo Bolsonaro sobre o atentado à democracia. Os documentos mostram que o policial frequentava o acampamento em frente ao Exército. “Não ia ter posse, cara, nós não íamos deixar”. Foi por um triz.

 

Nenhum comentário: