O Globo
Novos detalhes do planejamento do golpe de
Bolsonaro revelam que o país esteve a um triz de uma nova tragédia autoritária
O triz que estivemos de uma nova tragédia
autoritária se vê nas conversas do policial federal Wladimir Matos Soares com o
advogado Luciano Diniz. O advogado diz: “Bastava tão somente para dar um susto,
dissolver o STF… Puf, acabou meu irmão. Como faz falta um Figueiredo. O Médici,
o Médici.” O agente responde que o plano estava pronto, mas Bolsonaro foi
“traído” pelo Exército. “A gente ia empurrar meio mundo de gente, pô. Matar
meio mundo. Estava nem aí cara.” E acrescenta, “o Alexandre de Moraes realmente
tinha que ter tido a cabeça cortada”.
A certeza da impunidade de Wladimir Matos se vê num detalhe revelado. Ele guardava todas essas informações tórridas, mensagens escritas e em áudio, provas de crime, no notebook da Polícia Federal. As provas estavam com ele quando foi preso, em novembro de 2024, no Rio. Wladimir Matos havia sido deslocado para a cidade porque 80% do efetivo da PF participava da segurança do G20, mas foi deixado em uma posição periférica, pois já estava sendo monitorado.
A importância do que foi divulgado agora se
vê através do tempo. A Polícia Federal investigou e reconstituiu os fatos que
haviam acontecido em 2022. Quando Wladimir Matos Soares foi preso, seus
diálogos confirmaram tudo: houve uma tentativa de golpe; a Marinha apoiava; o
Exército recuou. E o então presidente desistiu na última hora por falta de
respaldo do Exército. Em 2022, ele enviou mensagens a um assessor do então
presidente Jair Bolsonaro, Sérgio Rocha Cordeiro, fornecendo os dados e as
coordenadas de duas pessoas que estavam na segurança do presidente Lula. O
agente havia trabalhado com Alexandre Ramagem, em 2018, na segurança de Jair
Bolsonaro. Tudo se encaixa tão perfeitamente.
— Nesta interlocução dele com o capitão da
reserva Sérgio Cordeiro, assessor especial do então presidente, ele valida o
que a investigação havia visto. Seus diálogos são da época dos fatos em
dezembro de 2022 e demonstram o que a investigação concluiu. Que houve uma
mobilização para tentar uma virada institucional. Os áudios chancelam as
conclusões a que a equipe de investigação chegou — diz um investigador.
Nem todo o material apreendido pela Polícia
Federal foi analisado. Há muita coisa ainda sendo vista. Quando o coronel
Flávio Peregrino, assessor de Braga Netto, foi preso, a Polícia Federal pegou
pen drives, HDs, computadores, “mídias”, como os policiais dizem. Muito do
conteúdo ainda nem foi analisado. Há telefones celulares cujas senhas ainda não
foram quebradas. Isso muda alguma coisa? A avaliação que ouvi é que a cada novo
material avaliado está se confirmando a mesma conclusão, de que havia um golpe
de Estado em andamento no Brasil, com a intenção de impedir a posse do
presidente eleito e com planos de assassinatos políticos.
Essas evidências que ainda estão sendo
analisadas podem ser objeto de relatórios da Polícia Federal. Não cabem mais
indiciamentos, mas a PF pode agregar novas provas, enviar para o ministro
relator, que envia à Procuradoria Geral da República, para fazer aditamentos à
denúncia. Os novos elementos de prova reforçam a acusação contra este núcleo
golpista, cuja denúncia deve ser julgada essa semana. Confirmam a linha da
acusação que já foi recebida pelo STF.
Luciano Diniz, um dos interlocutores de
Wladimir Matos Soares, é advogado em Salvador e não está indiciado. O valor do
diálogo é que nele o agente da PF revela todos os detalhes do que se preparava.
“Nós fazíamos parte de uma equipe de operações especiais que estava pronta para
defender o presidente (Bolsonaro), armada e com poder de fogo elevado para
empurrar quem viesse à frente. Esperávamos uma canetada para agir. Na véspera
que a gente ia agir, o presidente foi traído dentro do Exército. Os generais
foram lá e deram a última forma e disseram que não iam mais apoiar ele”, relata
o policial. Ele diz que Alexandre de Moraes deveria ter sido eliminado quando
impediu que o delegado Alexandre Ramagem assumisse a Polícia Federal. “Tinha
que ter cortado a cabeça dele ali”.
Que estivemos muito perto de um golpe
sangrento se vê na maneira aberta como se conversava no governo Bolsonaro sobre
o atentado à democracia. Os documentos mostram que o policial frequentava o
acampamento em frente ao Exército. “Não ia ter posse, cara, nós não íamos
deixar”. Foi por um triz.
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