domingo, 18 de maio de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

China é o pior exemplo para regular redes sociais

O Globo

Única lição que enviado de Xi Jinping teria a ensinar a Lula é sobre como implantar censura

Encontros entre chefes de Estado levam meses para ser planejados. Detalhes são discutidos à exaustão, e os temas escolhidos de comum acordo. Nesses encontros, arroubos de espontaneidade e improviso são sinônimo de amadorismo — até porque não costumam dar em nada. Para os chineses, em particular, a regra são eventos coreografados por um rígido protocolo. Por isso foi inoportuna a manifestação da primeira-dama Janja Lula da Silva num encontro fechado, durante a visita oficial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Pequim. Como revelou o portal g1, Janja pediu a palavra para criticar os efeitos da rede social chinesa TikTok no Brasil, segundo ela benéfica ao avanço da extrema direita. Não foi a primeira vez em que externou tal preocupação. No encontro do G20 no Rio de Janeiro em novembro passado, usou um palavrão para atacar Elon Musk, dono do X.

De acordo com o relato, o líder chinês, Xi Jinping, respondeu dizendo o óbvio: os brasileiros têm legitimidade para regular ou banir a rede se quiserem. Depois que a notícia veio a público, Lula não desmentiu a intervenção de Janja, mas contou uma versão segundo a qual foi ele quem iniciou a conversa sobre o TikTok, perguntando se Xi poderia enviar ao Brasil “uma pessoa da confiança dele para a gente discutir a questão digital”. A frase de Lula mostra que a quebra de protocolo não é o mais grave. É evidente que o ambiente digital brasileiro precisa de regulação. Tão evidente quanto isso é que, nesse tema, a China — uma ditadura — nada tem a ensinar a democracias como o Brasil. O que existe por lá não é regulação — é censura.

Os chineses só podem servir de exemplo se a ideia de Lula for controlar o discurso ou sufocar vozes divergentes. Na China, até a inteligência artificial aprende a se autocensurar. Questionado por uma repórter do New York Times se o povo chinês apoiara a política draconiana do governo na pandemia, o DeepSeek (resposta chinesa ao ChatGPT) começou a escrever, apagou e produziu a seguinte frase: “Desculpe, isso está além do meu escopo atual. Vamos conversar sobre outra coisa”.

A mesma legião de agentes da Administração do Ciberespaço da China que há anos vigia o que se digita em fóruns e redes sociais, em busca de expressões proibidas para censurar, agora se dedica a garantir que os sistemas de IA “incorporaram os valores socialistas fundamentais”. Tradução: tapam brechas para evitar temas incômodos, como o Massacre da Praça da Paz Celestial. Mais recentemente, os censores chineses passaram a se ocupar da guerra comercial. Em abril, hashtags com a tarifa imposta pelos Estados Unidos resultavam em mensagens de erro. A intenção parece ter sido não provocar mal-estar ou preocupação. Influenciadores locais seguem piamente a linha do partido. Quando não seguem, perdem misteriosamente sua audiência.

Por isso o pedido de ajuda a Pequim acaba por ter efeito contrário ao desejado. Funciona apenas como combustível àqueles que, por ignorância ou com segundas intenções, confundem regulação com censura e fazem de tudo para evitar que as plataformas digitais assumam responsabilidades pelo que veiculam. Regular as redes sociais — de preferência com a aprovação do PL das Redes Sociais, parado no Congresso — continua a ser urgente e essencial. Mas a inspiração para a regulação deve vir de democracias que preservem a liberdade de expressão. Jamais da China.

Ancelotti é nome à altura do cargo de técnico da seleção brasileira

O Globo

CBF fez boa escolha. Agora, apesar da crise interna, precisa garantir ao novo treinador condições de trabalhar

Faltando menos de um ano e um mês para o início da Copa do Mundo de 2026, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) anunciou que o italiano Carlo Ancelotti será o novo técnico da seleção brasileira. Apesar da novela em torno da contratação, foi uma boa escolha. Aos 65 anos, Ancelotti é um dos treinadores mais vitoriosos da atualidade, um nome com nível e competência à altura de comandar a única seleção pentacampeã do mundo.

A opção tem o mérito de pôr fim à ladainha de que a seleção brasileira não poderia ter um treinador estrangeiro. É verdade que ela nunca foi comandada por alguém de fora, a não ser em situações esporádicas. E que técnicos brasileiros nos legaram cinco títulos mundiais. Mas na prática não é o passaporte que conta, e sim currículo e capacidade para exercer o cargo. Nisso, Ancelotti está bem respaldado. Em suas passagens por Real Madrid, Milan, Chelsea, PSG e Bayern de Munique, colecionou taças nas cinco grandes ligas europeias. Apenas no Real conquistou três Ligas dos Campeões, dois mundiais de clubes e dois títulos da liga espanhola (La Liga).

Ancelotti chega num momento conturbado. Desde a saída de Tite, que comandou a seleção no Catar em 2022, três técnicos se sucederam, e o time não engrenou. A despeito de brasileiros serem protagonistas em alguns dos maiores clubes do mundo, o futebol em campo tem sido indigente. Reflexo disso é a participação constrangedora nas eliminatórias da Copa. O Brasil amarga um modesto quarto lugar com 21 pontos, dez atrás da líder Argentina (os seis primeiros se classificam, e o sétimo disputa repescagem). Em meio ao vaivém de treinadores, vexames se acumulam. O último foi a derrota por 4 a 1 para os argentinos, que levou à queda de Dorival Júnior. Ancelotti, que deverá assumir no dia 26, enfrentará jogos pelas eliminatórias em 5 e 10 de junho, contra Equador e Paraguai.

Outro desafio será conseguir trabalhar em meio à usina de crises chamada CBF. Contratar um novo técnico a um ano da Copa já dá a medida do planejamento errático da confederação. O então presidente, Ednaldo Rodrigues, principal fiador da vinda de Ancelotti, foi afastado na quinta-feira por decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, em meio a um processo que questiona o acordo homologado pelo Supremo Tribunal Federal para mantê-lo no comando. O vice Fernando Sarney foi nomeado interventor. Caberá à CBF, independentemente das disputas internas e de quem venha a comandá-la, dar condições de trabalho ao novo técnico.

A despeito das turbulências na CBF e do tempo exíguo para preparar a seleção, Ancelotti pode devolver algum prestígio à equipe canarinho. Apesar da pouca experiência com seleções, conhece boa parte dos jogadores brasileiros que atuam na Europa e não deverá ter dificuldades para formar um time talentoso e competitivo. Se isso será suficiente para trazer o hexa esperado há mais de duas décadas, é outra história. Mas ao menos a seleção terá um treinador à altura de sua tradição.

Redução de partidos é racionalização da política

Folha de S. Paulo

Cláusula de desempenho e federações geram bem-vinda diminuição de siglas no Congresso; emendas são fonte de anomalia

Está em curso, quem diria, um processo de racionalização do ecossistema partidário brasileiro, há muito caracterizado como um cipoal de siglas que fazem pouco ou nenhum sentido na cabeça do eleitor.

Para piorar, o número de agremiações cresceu de forma quase constante ao longo das últimas décadas, de modo que, em 2015, o país ostentava 35 siglas distintas —quantia delirante do ponto de vista da representação política.

De lá para cá, contudo, o Congresso Nacional aprovou reformas capazes de corrigir algumas dessas distorções, e os frutos começam a ser colhidos agora. O total de partidos pode cair em breve para 24, e o Legislativo, que chegou a ver 30 siglas representadas, poderá passar a abrigar 16.

São duas as principais medidas por trás dessa bem-vinda redução, ambas promulgadas em 2017 como emenda constitucional 97.

Uma delas extinguiu a possibilidade de coligação entre os partidos nas eleições proporcionais (deputados e vereadores), mecanismo que constituía uma boia de salvação para legendas nanicas —e que, muitas vezes, levava o eleitor a votar em uma sigla, mas eleger um candidato de outra.

A segunda medida, mais importante, criou a cláusula de desempenho, que estabelece um patamar mínimo de votação para uma agremiação poder se beneficiar do fundo partidário e do tempo de propaganda na TV e no rádio.

Somadas, as duas regras tiraram o sossego das legendas de médio e pequeno porte, forçadas a crescer ou viver na irrelevância. Em 2021, entretanto, elas enxergaram uma luz no fim do túnel quando se permitiu a formação das federações partidárias.

Essa novidade permite que duas ou mais agremiações atuem em conjunto, como se fossem apenas uma. Representando, para todos os efeitos, a prévia de uma fusão, interessa não só a siglas cuja existência esteja ameaçada mas também àquelas que pretendam se robustecer.

Já se constituíram três federações: PT, PC do B e PVPSOL e Rede; PSDB e Cidadania. Agora, com lançamento simbólico realizado no final de abril, anuncia-se uma quarta, com União Brasil e PP, que se tornaria a maior força política do Congresso.

É possível, ou mesmo provável, que a negociação União Brasil-PP induza outros partidos a fazerem o mesmo movimento, de forma que as discussões dentro do Congresso e entre os Poderes se tornem mais proveitosas —vez que se darão entre menos líderes.

Essa tendência, se concretizada, terá efeitos benéficos do ponto de vista da governabilidade, pois o Executivo poderá montar a base de apoio com menos alianças, e do ponto de vista do eleitor, que enxergará com mais clareza o jogo de forças no Congresso.

A racionalização do Poder Legislativo, contudo, ainda ficará muito longe do ideal se não forem resolvidos, de uma vez por todas, os problemas relacionados às emendas parlamentares —atualmente, a maior fonte de anomalia na nossa política.

Governo Lula gostaria de censurar TikTok e outras redes

Folha de S. Paulo

Pedir auxílio à China para regular internet não tem cabimento; PT não se incomodaria se aliados tivessem força nas redes

A viagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à Rússia e à China acumulou desgastes como raramente ocorre nesses périplos em regra soporíferos. Não bastasse o serviço prestado ao autocrata Vladimir Putin, em meio a tiranos de várias procedências, a passagem por Pequim não deixará saudades.

Ficará marcada por um episódio que mistura intrigas no círculo mais próximo de Lula a um tema da agenda pública, a regulação de redes sociais, impropriamente tratado numa mesa de refeições em que se sentava o dirigente máximo de uma das mais repressivas ditaduras do planeta.

Suscitado pela primeira-dama, Rosângela Lula da Silva, ou por seu marido, diante do dirigente Xi Jinping, o incômodo em relação à atuação da rede social chinesa TikTok no Brasil poderia ter sido mais uma dessas conversas ligeiras que ocorrem em jantares apenas para entreter os comensais.

Foi o presidente brasileiro, porém, que levou o tópico à agenda bilateral. Ele disse que perguntou "ao companheiro Xi Jinping se era possível ele enviar para o Brasil uma pessoa de confiança para a gente discutir a questão digital —sobretudo o TikTok".

Mensagens da China logo mostraram que a ditadura comunista se engajou no tema. O TikTok mandou uma carta ao governo brasileiro, devidamente intermediada pelo Itamaraty, na qual se coloca à disposição para dialogar com o Palácio do Planalto.

Nesse episódio chega-se a duvidar da decantada sagacidade de Lula, reconhecida até por oponentes. Qual teria sido a vantagem política para o presidente de conclamar representantes de uma ditadura para dar lições sobre controle das redes sociais na democracia brasileira?

A chegada de um comissário chinês para auxiliar a gestão petista em assuntos de censura, pois é disso que se trata, seria um estimulante apenas para a oposição, que já está explorando, no TikTok inclusive, a derrapagem de Lula. Congresso e Judiciário independentes não existem no país asiático, mas aqui sim.

O desconforto do casal presidencial com as redes sociais decorre de avaliações desapaixonadas sobre os malefícios dessas corporações? Manteria as suas críticas fossem os situacionistas, não os oposicionistas, as forças dominantes nesses meios?

A resposta é negativa. É por essa razão que quem está no governo não tem legitimidade para colocar-se na posição de árbitro da expressão alheia. Por isso as democracias maduras desenvolveram proteções fortes contra quem, como Lula e Janja, desejaria controlar o que é publicado.

Leão XIV e a liberdade que sustenta a paz

O Estado de S. Paulo

O jornalismo profissional, defendeu o papa, deve ser luz no mundo. E a liberdade de expressão, um antídoto contra o medo, a manipulação da realidade factual e o autoritarismo

Em tempos de desinformação massiva, polarização e ataques crescentes à liberdade de expressão, a eleição de Leão XIV, o primeiro papa norte-americano, marcou não apenas uma transição de liderança na Igreja Católica, mas uma reafirmação eloquente dos valores fundacionais da civilização ocidental: verdade, liberdade e responsabilidade.

Em sua primeira audiência com jornalistas, apenas quatro dias após o conclave, Leão XIV escolheu um tema que é, simultaneamente, espiritual e político: a comunicação como ferramenta de paz. E não apenas paz no sentido diplomático, mas paz enraizada na justiça, na dignidade e na verdade. “Somente os povos informados podem fazer escolhas livres”, declarou o pontífice. Essa não é apenas uma afirmação jornalística – é uma defesa inequívoca da liberdade como valor moral.

Com sua ênfase na verdade como precondição da liberdade, Leão XIV retomou a lição de Jesus Cristo: “Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” (João 8:32). Essa afirmação, feita diante de milhares de profissionais da imprensa reunidos no Vaticano, ecoa com força num tempo em que regimes autoritários criminalizam a apuração jornalística e plataformas digitais amplificam vieses com algoritmos opacos.

Não por acaso, o novo papa pediu a libertação de jornalistas presos mundo afora apenas por “terem desejado contar a verdade”. A frase pode parecer simples, mas carrega o peso da tradição cristã e o compromisso histórico da Igreja com os perseguidos. Evocando o espírito dos apóstolos diante do Sinédrio, Leão XIV parece afirmar com eles: “Não podemos deixar de falar sobre o que vimos e ouvimos” (Atos 4:20).

Num mundo saturado de ruído e manipulação, o jornalismo responsável se torna um bem escasso – e, por isso mesmo, precioso. A imprensa livre é como a lâmpada que “não se acende para colocá-la debaixo do cesto” (Mateus 5:15), mas para iluminar o caminho comum. Quando o poder tenta sufocar a verdade, o jornalismo precisa acender sua luz. E quando o medo cala a sociedade, cabe à palavra livre romper o silêncio.

A tradição cristã oferece duas imagens que ajudam a compreender os dilemas atuais da comunicação. A Torre de Babel simboliza o uso arrogante e instrumental da linguagem, que gera confusão e divisão. O Pentecostes, em contraste, representa o dom da palavra que une na diversidade, tornando inteligível o essencial. Leão XIV, ao reafirmar a tradição do Pentecostes, propõe um modelo de comunicação orientado não pela imposição ideológica, mas pela escuta, pela clareza e pela busca do bem comum.

É reconfortante que este novo pontificado comece com uma mensagem tão clara. Em vez de alimentar ressentimentos ou promover narrativas de confronto, Leão XIV está sinalizando um papado de firmeza sem fanatismo, de autoridade moral sem autoritarismo.

A doutrina social da Igreja sempre defendeu que o bem comum depende da circulação livre da verdade. Informação confiável não é um luxo: é o alicerce das escolhas democráticas, da justiça social e da dignidade humana. Não por acaso, os regimes que mais temem a liberdade de imprensa são também os que mais atentam contra a vida, a fé e os direitos de seus cidadãos.

O papa não citou países, mas os números falam por si: centenas de jornalistas estão presos, muitos em países que se dizem democráticos. A mensagem do Vaticano é clara: não há como falar em liberdade, paz ou verdade sem proteger aqueles que se dedicam a revelá-las.

Mas o alerta de Leão XIV também se dirige, de forma sutil, à própria imprensa. “O modo como comunicamos é de importância fundamental”, afirmou. “Devemos dizer ‘não’ à guerra das palavras e das imagens; devemos rejeitar o paradigma da guerra.” Ao defender o jornalismo como ponte, e não como trincheira, o papa propõe uma ética da comunicação fundada na verdade, na escuta e na responsabilidade.

O jornalismo, como este jornal sempre defendeu, deve ter a liberdade de incomodar, denunciar e esclarecer. Não há pacto social legítimo fundado sobre a mentira. Mas, se é legítimo exigir compromisso com a verdade da classe política, é igualmente essencial que a imprensa cultive integridade, rigor e autocrítica.

Diplomacia de excursão

O Estado de S. Paulo

Enquanto em solo doméstico os problemas se avolumam, Lula usa viagens internacionais para adiar discussões incômodas no Congresso e afagar egos que pensam em tudo, menos no Brasil

Para aqueles que, como este jornal, acreditam que nossas lideranças estão cada vez mais distantes da realidade do País, as viagens internacionais do presidente Lula da Silva têm oferecido argumentos suficientes para reforçar tal percepção – literalmente. Como se viu nas últimas agendas, a política externa lulopetista parece ter instituído um novo tipo de diplomacia, que baliza seu sucesso com base nos superlativos das comitivas presidenciais e, de preferência, na taxa de presença das maiores autoridades da República. Enquanto em solo doméstico os problemas se avolumam, Lula tem tirado do País, com frequência preocupante, um número excessivo de integrantes do primeiro escalão do governo, mas não apenas: incluem-se nos bondes governamentais uma dezena de parlamentares, os presidentes da Câmara e do Senado e, em alguns casos, até ministros do Supremo Tribunal Federal.

Há poucos dias, Lula desembarcou em Pequim com a primeira-dama e uma comitiva de cerca de 30 autoridades, incluindo 11 ministros, o chanceler paralelo, Celso Amorim, e integrantes da cúpula do Congresso, como o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, e o 2.º vice-presidente da Câmara, Elmar Nascimento. Para a viagem ao Japão, em março, a comitiva presidencial contava com inacreditáveis 220 pessoas, e Lula tratou de levar não só os recém-empossados presidentes da Câmara e do Senado, Hugo Motta e Davi Alcolumbre, como também os antecessores Arthur Lira e Rodrigo Pacheco. Ao Vaticano, no funeral do papa Francisco, foram 20 autoridades, entre ministros, deputados e senadores.

Tem menor peso o debate sobre os gastos exorbitantes, ainda que, em tempos de dificuldades econômicas, o ideal seria um comportamento mais cauteloso do governo em relação a milionárias despesas com deslocamentos, hospedagens e diárias de viagens de integrantes que estão longe de serem essenciais. Afinal, viagens costumam ser estratégicas na busca pela diversificação de negócios, no impulso a setores prioritários, na abertura de mercados e no fortalecimento das relações internacionais. Embora a ida à Rússia tenha se resumido a um infame beija-mão a um déspota que lidera o massacre de inocentes na Ucrânia, a ampliação de parcerias comerciais deu o tom da visita à Ásia, por exemplo. Mas nos últimos anos o País assistiu a dois tipos de extremos: em encontros no exterior, o ex-presidente Jair Bolsonaro só conseguia conversar com os garçons; já Lula vive da ambição de ser festejado como vedete terceiro-mundista.

O problema aqui é de outra ordem. Que viagens dessa natureza são relevantes poucos duvidam. Mas é o caso de perguntar se exigem tanta gente. É realmente necessário levar, com tanta frequência, quase toda a cúpula da República? Há agenda suficiente capaz de explicar a presença do centro nevrálgico do Estado, deixando-o tantos dias longe dos problemas mais imediatos que atingem o País e clamam por tratamento? Tais perguntas seriam dispensáveis se o Brasil se mostrasse uma prioridade de todos os embarcados nas viagens lulopetistas; se as autoridades estivessem, de fato, discutindo os rumos do País em meio às turbulências globais do momento ou diante dos problemas incontornáveis que afligem a população; se os brasileiros não se deparassem, ao contrário, com um contínuo descasamento entre o poder instituído e suas reais necessidades; e se, por fim, Lula e seus ministros exibissem um plano de voo claro e consistente para o País, com direção e ideias adequadas aos desafios do nosso tempo.

Nada disso ocorre, infelizmente. Com o governo nas cordas, o presidente da República parece ter descoberto que as viagens internacionais podem ser úteis para deixar a cúpula do Congresso fora do País e adiar discussões sobre temas que não lhe interessam. Ou, ainda, servir para gestos simbólicos em favor de supostos aliados, como Davi Alcolumbre, e de contenção de potenciais adversários, como Hugo Motta, que, como um bom quadro do Centrão, age de maneira pendular entre o governo e a oposição. E assim Lula afaga egos que pensam em tudo, menos no Brasil.

O prejuízo bilionário dos Correios

O Estado de S. Paulo

Rombo revela a contradição de um governo que rejeita privatização, mas falha em gestão

Os Correios encerraram o ano de 2024 com um prejuízo de R$ 2,6 bilhões, um valor quatro vezes maior que o registrado no ano anterior, de R$ 597 milhões. A última vez em que a empresa havia tido um resultado tão ruim foi em 2016, quando o rombo foi de cerca de R$ 1,5 bilhão. Embora trágico, o prejuízo não surpreende.

Entre janeiro e setembro do ano passado, o déficit da empresa já alcançava R$ 2,1 bilhões, e não havia expectativa de reversão no curto prazo. À época, o governo alegou que os Correios haviam acabado de fazer investimentos em tecnologia, renovação da frota e infraestrutura, parte de um plano para retirar a empresa da “bacia das almas” e torná-la lucrativa.

Agora, que não há mais como dourar a pílula, a direção dos Correios teve de mudar de estratégia e anunciou um plano para cortar R$ 1,5 bilhão em gastos. Entre as propostas estão a prorrogação de um programa de demissões voluntárias, suspensão temporária de férias, redução da jornada de trabalho associada à diminuição dos salários e corte de cargos comissionados. Os Correios pretendem também convocar todos os empregados a retomarem o trabalho presencial, além de adotar novos formatos de plano de saúde mais baratos.

Não por acaso, o plano anunciado recentemente dedica especial atenção às despesas com pessoal, há anos o ponto mais sensível para as finanças dos Correios, que contam com cerca de 84 mil funcionários. Enquanto a receita total da empresa caiu 0,89% no ano passado, os gastos aumentaram 7,91%.

Do total de agências dos Correios, apenas 15% são superavitárias. E, apesar da capilaridade e da presença em praticamente todos os municípios do País, parece óbvio que a empresa não tem conseguido aproveitar o avanço do comércio eletrônico em seu favor.

Enquanto o e-commerce no Brasil cresceu 10,5% no ano passado, em relação a 2023, a receita líquida com vendas e serviços dos Correios, incluindo encomendas, recuou 1,74%. Já a receita com vendas e serviços internacionais diminuiu 11,98%, culpa, segundo a empresa, da “taxa das blusinhas”, por meio da qual o governo passou a taxar compras internacionais de até US$ 50.

No Senado, a oposição pretende explorar os maus resultados dos Correios destrinchando patrocínios, contratos e eventuais irregularidades que possam causar algum barulho. Bem se sabe que os problemas dos Correios são de outra natureza, como evidenciam o balanço e a direção da empresa por meio do plano de reestruturação apresentado na semana passada.

Mas fica difícil acreditar no sucesso do plano quando se sabe que os Correios realizaram no final do ano passado um concurso público para contratar 3,5 mil empregados. Ainda que se argumente que é preciso substituir funcionários prestes a se aposentar, não parece ser esta a prioridade de uma empresa que acaba de registrar um prejuízo bilionário.

Tendo em vista o horror que tem à privatização de estatais, o mínimo que o governo Lula da Silva deveria fazer era se esforçar para que as empresas públicas ao menos gerassem resultados suficientes para sustentá-las. Mas o desempenho dos Correios é prova de que o PT não aprende.

E nada de regular as redes sociais

Correio Braziliense

Poderia tê-lo feito no início de 2023, quando assumiu o Palácio do Planalto e a interlocução com o Congresso Nacional. Mas já se passaram quase 30 meses, e não se tem conhecimento sequer do posicionamento coeso do governo sobre o tema

Segundo elas relataram nas redes sociais, o telefone celular foi capaz de identificar que ambas estavam envolvidas em uma colisão com outro veículo e logo em seguida alertar os serviços de emergência. - (crédito: William Hook Unsplash)

Frequentemente episódios da crônica política evidenciam o distanciamento de autoridades da República com os reais problemas da população brasileira. O exemplo mais recente está ligado a uma gigantesca lacuna nacional: a regulamentação das redes sociais.

O caso veio à tona por ocasião da trapalhada ocorrida entre a comitiva brasileira e o presidente da China, Xi Jiping. A sugestão feita pelo presidente Lula de trazer alguém "de confiança" a fim de debater a regulamentação das redes sociais no país revela uma enormidade de equívocos. Em primeiro lugar, como assinalou o próprio Xi Jiping, o Brasil reúne todas as condições de disciplinar o uso e a atuação de redes sociais em território nacional. Mais do que ninguém, o governo Lula conhece os riscos inerentes do atual estado de anarquia digital, instrumento catalisador de um movimento político que por pouco não golpeou de morte a democracia brasileira em 2022.

Em segundo lugar, trata-se de contrassenso convidar um país que impõe censura a arbitrar questões ligadas à liberdade de pensamento e à democracia. Equivale chamar o carrasco a participar de um debate sobre direitos humanos. Tal iniciativa do governo Lula ofende, ainda, nossa capacidade de definir as salvaguardas necessárias a uma relação segura e civilizada de todos os brasileiros com as redes sociais.

Ao invés de pedir auxílio à China, faria melhor o governo petista em conduzir um trabalho sério e consistente de regulação das redes sociais. Poderia tê-lo feito no início de 2023, quando assumiu o Palácio do Planalto e a interlocução com o Congresso Nacional. Mas já se passaram quase 30 meses, e não se tem conhecimento sequer do posicionamento coeso do governo sobre o tema. Consta que uma possível proposta repousa na Casa Civil.

Soma-se à inabilidade do governo Lula à resistência do Congresso Nacional, que tem por dever legislar sobre as redes sociais. Tornou-se anedótica a postura de parlamentares mais preocupados em obter likes e selfies do que em discutir as necessidades da sociedade brasileira. Não há interesse do Legislativo em disciplinar as redes sociais, simplesmente porque elas são um instrumento precioso para vencer eleições. E assim o vale-tudo se perpetua.

Forma-se o ambiente perfeito para a ocorrência de toda sorte de crimes, como desinformação em massa, disseminação do ódio, manipulação e os abomináveis "desafios" que provocam profundo sofrimento e até a morte de adolescentes e crianças, como a pequena Sarah, em abril, no Distrito Federal.

O ambiente digital não é um território alheio ao contrato social, que pressupõe normas de convívio e obediência a princípios civilizatórios. Mas as autoridades da República, que dispõem de todos os meios disponíveis para pôr fim à balbúrdia, só assistem a esse espetáculo degradante. Ou pedem socorro a quem, de maneira autoritária, estabeleceu as regras do jogo.

A morte e o legado de Pepe Mujica

O Povo (CE)

"Meu ciclo acabou. Sinceramente, estou morrendo. E o guerreiro tem direito ao seu descanso". Um apelo de tom corajoso para que fosse deixado quieto, registrado na última entrevista dele publicada, já em janeiro deste 2025, que indicava a face mais serena de José "Pepe" Mujica, um líder político uruguaio de esquerda, de alcance e influência global, que teve a morte anunciada na última terça-feira, dia 13, aos 89 anos.

O clima de perda que marcou os dois dias de velório que precederam a cremação do corpo realizada na sexta-feira, dia 16, expõe o tamanho da lacuna que se abre no cenário político contemporâneo. Ao ponto de ser lamentada também em setores da direita uruguaia, de um ponto ideológico que ele nunca frequentou, demonstrando que o peso do seu exemplo vai além das diferenças que dividem o mundo em ideologias.

Mujica nunca balançou em suas convicções. Um tempo da sua vida, inclusive, foi dedicado à luta armada, quando acreditava que era possível implantar sua ideologia através da violência e da força. Algo que lhe custou 15 anos de encarceramento, em quatro prisões, boa parte do tempo em condições consideradas desumanas, sem contar os registros no corpo de seis balas após confrontos dos quais participou como integrante do grupo guerrilheiro Tupamaros.

Desde sua libertação em 1985, como resultado de um reencontro do Uruguai com a democracia, passou a atuar dentro da institucionalidade e ajudou a fundar o Movimento de Participação Popular (MPP), partido ao qual ainda estava vinculado quando da morte. Livre dos radicalismos, se integrou à Frente Ampla, coalizão de centro-esquerda pela qual se elegeria deputado, depois senador, com experiência de ministro pelo caminho, até que, em 2010, assumiu a presidência daquele país para um mandato de cinco anos.

Mujica, feito o balanço completo de sua trajetória terrena recém-finda, passa a oferecer em memória um legado que a política global deveria honrar. De alguém que lutou sempre pelas suas convicções, em momentos até no sentido literal do verbo, mas que abandona o plano terreno oferecendo a força do exemplo de quem não deixou que o fato de ter alcançado seus maiores sonhos - no caso dele a presidência do seu país - transformasse sua personalidade.

Chegava a ser espantoso, para muitos, o grau de simplicidade que Mujica oferecia na sua reclusão. A partir da chácara simples onde passou a morar, próxima a Montevidéu, recebia jornalistas e líderes regionais importantes que o procuravam com frequência cada vez maior, ao ponto de obrigá-lo a fazer o apelo do início deste texto. A política mundial sentirá a falta dele, especialmente na América do Sul, mas, como efeito atenuante, aponte-se aquilo que expressou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, seu amigo pessoal há pelo menos 40 anos: "Pessoas como Pepe Mujica não morrem". A ver.

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