Correio Braziliense
A epidemia de apostas esportivas virou doença
social responsável por grande parte do endividamento da população. O termo
“bets” virou sinônimo de uma cultura esportiva
Movido pelo sonho de ganhar dinheiro fácil, o
jogo de azar vicia. Logo no começo de O Andar do Bêbado: como o acaso determina
nossas vidas (Zahar), de Leonard Mlodinow, sobre a teoria das probabilidades,
há um exemplo de como abstrair a realidade em prol da nossa percepção dos
fatos: um homem ganhou na loteria nacional espanhola com um bilhete que
terminava com o número 48. Orgulhoso, revelou a tese que o levou à fortuna.
“Sonhei com o número 7 por 7 noites consecutivas”, disse, “e 7 vezes 7 são 48”.
Ou seja, se a pessoa acha que uma coisa é, então ela será, não importa que não
seja.
A esmagadora maioria das pessoas não conhece
a teoria das probabilidades, muito menos calculá-las. Sabe apenas que as
chances de ganhar na Mega-Sena são maiores quando se forma um grupo de
apostadores, embora se ganhe menos, do que quando se faz uma aposta de R$ 15
sozinho. Por isso, milhões fazem as duas coisas simultaneamente. E perdem. A
probabilidade de acerto sempre é maior para o maior número de dezenas, mas
existe a aleatoriedade…
Compreender o papel da aleatoriedade na vida é difícil. Embora seus princípios básicos surjam do cotidiano, as consequências são contraintuitivas. Em qualquer série de eventos aleatórios, há grande probabilidade de que um acontecimento extraordinário (bom ou ruim), em virtude puramente do acaso, seja seguido de um acontecimento mais corriqueiro, como fazer uma aposta simples na Mega-Sena e não ganhar. Ninguém ganha se não jogar, o acaso tem sua lógica.
Segundo a teoria da probabilidade: “Se um
time for 55% melhor que o outro, ainda assim o time mais fraco vencerá uma
melhor de sete jogos cerca de 40% das vezes. E se o time superior for capaz de
vencer seu oponente em dois de cada três partidas, em média, o time inferior
ainda vencerá uma melhor de sete cerca de uma vez a cada cinco disputas”. Por
isso, nem sempre o melhor time é o campeão. O fascínio das bets vem do fetiche
de que os que jogam melhor ganharão sempre. Não é bem assim.
De autoria do deputado federal Chico Alencar
(PSol-RJ), que o protocolou na Câmara na quinta-feira, o PL nº 2312/2025 propõe
a regulamentação da publicidade das bets. A epidemia de apostas esportivas
virou doença social responsável por grande parte do endividamento da população.
O termo “bets” (apostas, em inglês) virou sinônimo de uma cultura esportiva
digital, ligada a plataformas como Betano, Blaze, Pixbet, Bet365, Esportes da
Sorte, entre outras. É uma febre entre jovens e até adolescentes.
Empréstimos consignados
Chico Alencar mira o poder dos
influenciadores na disseminação das apostas, nas quais a relação entre número
de apostadores e acertos aparece nos contratos de forma perversa: quanto mais
erros nas apostas, mais o influenciador recebe. “O PL partiu da constatação do
poder viciante de geração de dependência e de degradação na vida das pessoas
que essa propaganda da bet tem”. Segundo o projeto, posts pagos que divulguem
sites de apostas terão que deixar claro que se trata de publicidade.
Os influenciadores também deverão informar se
ganham algum tipo de comissão — direta ou indireta — com as perdas dos
apostadores. Outras diretrizes também determinam que os anúncios sobre apostas
tragam alertas visuais e sonoros sobre os riscos financeiros e a possibilidade
de vício. O projeto obriga as plataformas de apostas a adotarem verificação de
idade, autoexclusão e limites de gastos.
Prevê que 1% da receita bruta das empresas
seja destinado a ações de prevenção e tratamento da dependência e, igualmente,
multas de até 10% do faturamento anual da empresa, a suspensão das atividades
por até 90 dias, a cassação da licença de operação em casos de reincidência, e
multas variáveis entre os valores de R$ 100 mil e R$ 20 milhões, caso a
infração seja cometida por influenciadores.
O endividamento das famílias brasileiras
voltou a crescer em abril, atingindo 77,6% dos lares — o maior nível desde
agosto de 2024. Esse aumento marca o terceiro mês consecutivo de alta, segundo
a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), da
Confederação Nacional do Comércio (CNC). As famílias inadimplentes (com dívidas
em atraso) chegam a 29,1%, sendo que 12%,4% não têm mais condições de pagar. O
comprometimento médio da receita das famílias com renda de até três mínimos
chega a 81,1%.
As apostas são uma das principais causas de
inadimplência. E o crescimento do uso de crédito consignado está diretamente
relacionado à rolagem das dívidas. As principais dívidas são com cartão de
crédito (83,8%); carnês (17,4%); e crédito pessoal (17,4%). Financiamento de
veículos e imobiliários, que são considerados dívidas saudáveis, porque
representam formação de patrimônio, são apenas 9,0% e 8,8%, respectivamente.
O crédito consignado do INSS representa 40%
do total do saldo de consignados no país, operando mais de R$ 268 bilhões. O
limite de comprometimento da renda com crédito consignado permanece em 45% do
benefício mensal. Desde janeiro, novos aposentados e pensionistas do INSS
deixaram de aguardar o período de 90 dias para pedir esse tipo de empréstimo no
banco onde recebem o benefício. Um efeito colateral dessa expansão, ainda não
devidamente mensurado, são as fraudes.
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