O Globo
Não foi necessariamente o modelo que
fracassou, mas sua implementação atual, marcada por falhas em aspectos cruciais
da articulação política
No debate público, tornou-se recorrente a
ideia de que o presidencialismo de coalizão está esgotado — “morreu” — e de
que, para ser compreendido, precisa ser rebatizado. Esse argumento ganhou força
recentemente, depois de o deputado Pedro Lucas Fernandes (União-MA) recusar o
convite para assumir o Ministério das Comunicações no governo Lula.
Comentou-se que, hoje, vale mais a pena permanecer como deputado que aceitar um
cargo ministerial.
No entanto essa leitura simplifica demais a dinâmica institucional. A relação entre Executivo e Legislativo pode ser avaliada com base em três parâmetros fundamentais — e o governo Lula enfrenta dificuldades em dois deles. A percepção de crise no presidencialismo de coalizão, portanto, precisa ser qualificada: não foi necessariamente o modelo que fracassou, mas sim sua implementação atual, marcada por falhas em aspectos cruciais da articulação política.
O primeiro parâmetro é institucional e diz
respeito à gestão da coalizão. Lula montou uma aliança ampla (16 dos 19
partidos do Congresso), ideologicamente heterogênea (do PSOL ao União Brasil),
mas concentrou poder no PT, que ficou com 22 ministérios, enquanto os
principais aliados receberam apenas três pastas cada. Essa configuração elevou
os custos de coordenação e intensificou a pressão por emendas orçamentárias —
instrumento que, desde as reformas iniciadas em 2014, o governo já não pode
mobilizar da mesma forma para construir sua base legislativa.
O segundo parâmetro combina dimensões
institucionais e políticas e se refere à articulação do governo em contexto de
crescente fortalecimento do Congresso desde meados dos anos 2000. Com
parlamentares cada vez mais engajados na formulação de políticas públicas, o
Executivo deveria adotar uma estratégia proativa — e não reativa, como tem sido
a regra, sendo frequentemente surpreendido no processo legislativo. No caso da
anistia aos acusados de golpe, reportagens revelam que o Supremo Tribunal
Federal (STF) precisou intervir, cobrando do governo uma atuação mais incisiva
para barrar o avanço da proposta.
O terceiro parâmetro é contextual e trata da
disposição das lideranças do Congresso ao diálogo com o Executivo. A saída de
Arthur Lira da presidência da Câmara e a ascensão de Hugo Motta, somada à
influência de Davi Alcolumbre no Senado, poderiam facilitar a vida do governo,
mas esse movimento ainda não se concretizou totalmente. Soma-se a isso a baixa
popularidade do presidente, que reduz seu capital político nas negociações com
o Legislativo.
Esses três parâmetros mostram que ainda há
margem para ação por parte do governo. É possível reconfigurar a coalizão,
mesmo com um Congresso majoritariamente à direita. Para isso, seria necessário
reduzir o peso do PT na distribuição de cargos e espaços. Também é viável
construir uma articulação mais proativa, com maior presença em comissões e no
plenário, assumindo o protagonismo do processo legislativo. Sem testar mudanças
nesses dois parâmetros — a configuração da coalizão e a estratégia de articulação
política —, é precipitado decretar o fim do presidencialismo de coalizão.
*Beatriz Rey é pós-doutoranda na Universidade de São Paulo e pesquisadora associada à Fundação POPVOX, nos EUA
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