quinta-feira, 22 de maio de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Prevalece a democracia e a institucionalidade

O Povo (CE)

O que alguns críticos da atuação do STF e os negacionistas do golpe querem é que as instituições abdiquem de agir em defesa da democracia

O Supremo Tribunal Federal (STF), em julgamento de sua Primeira Turma, tornou réus mais 10 acusados de uma tentativa de golpe de Estado, que tinha o objetivo de manter o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no poder, depois da vitória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em outubro de 2023.

Entre os dez participantes do chamado núcleo 3, havia nove militares e um policial federal. Dos denunciados, dois são cearenses, o general Estevam Cals Theóphilo Gaspar de Oliveira e o tenente-coronel Rodrigo Bezerra de Azevedo. Dois militares tiveram a denúncia rejeitada por falta de evidências de participação na trama golpista.

Assim, fecha-se uma importante etapa do processo criminal, com o STF aceitando as 34 denúncias propostas pela Procuradoria-Geral da República (PGR), à exceção de uma, até agora: o empresário Paulo Figueiredo, que mora no exterior e não foi localizado para receber a notificação.

O grupo vai responder pelos crimes de participação de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça e deterioração de patrimônio tombado.

A aceitação da denúncia abre mais uma importante fase no processo criminal. Agora, com os acusados na condição de réus, segue-se a etapa da instrução processual, para coleta e análise de provas, para que os ministros da Primeira Turma do STF decidam se condenam ou absolvem os acusados.

É importante ressaltar que todos os parâmetros legais vêm sendo respeitados no andamento dos processos, apesar das queixas recorrentes dos advogados de que estaria havendo um suposto cerceamento da defesa e dificuldade em acessar as provas, o que já era esperado da parte da defesa.

Na verdade, o que alguns críticos da atuação do STF e os negacionistas do golpe querem é que as instituições abdiquem de agir em defesa da democracia, deixando o campo aberto para a ação dos que querem demolir o Estado Democrático de Direito. Não é por outro motivo que deputados bolsonaristas estão propondo que o Congresso exclua do Código Penal o crime de golpe de Estado.

O fato é que a cada depoimento e a cada evidência apresentados, ficam cada vez mais fortes as evidências de que foi tramado, dentro do Palácio do Planalto, um plano para impedir a posse do presidente eleito. Lula foi vencedor de uma eleição que transcorreu normalmente, de maneira democrática e justa, como reconhecem todos os países democráticos do mundo.

Para alívio de todos os que rejeitam governos autoritários, essa importante etapa da aceitação das denúncias pelo STF, que ocorreu sem sobressaltos, demonstra que a democracia e a institucionalidade estão prevalecendo.

Israel precisa fazer mais para evitar fome em Gaza

O Globo

Diante da restrição de suprimentos para o enclave, pressão tem vindo até de aliados históricos

De acordo com o sistema de monitoramento das Nações Unidas (IPC), nos últimos 20 anos foram confirmadas quatro catástrofes de fome no planeta — Somália (2011), Sudão do Sul (2017 e 2020) e Sudão (2024). Trata-se da situação em que ao menos 20% das casas estão sem comida, 30% das crianças sofrem desnutrição aguda e duas pessoas (ou quatro crianças) em cada 10 mil morrem de fome todo dia. Não é o que ocorre na Faixa de Gaza. Mas o último informe do IPC lançou um alerta sobre o risco de que a população do enclave palestino em estado crítico de insegurança alimentar salte de 12% para 22% até setembro (ou 500 mil pessoas). Segundo o alerta, 93% já passam por crise em sua alimentação ou situação pior. Israel tem de evitar isso a todo custo.

As cenas desesperadoras dos últimos dias mostram que a nova investida contra o grupo terrorista Hamas agravou o problema. Ao longo de 11 semanas, foi vedada a entrada de caminhões com auxílio humanitário em Gaza. Apenas na segunda-feira, diante da pressão internacional, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, autorizou a passagem de poucas dezenas, carregados com alimentação infantil e produtos médicos, mas bem menos que os 600 anteriores à ruptura do acordo de cessar-fogo há dois meses. “Não podemos atingir o ponto de fome, por razões práticas e diplomáticas”, afirmou. É pouco.

Israel alega que foi necessário reter o fluxo de suprimentos para impedir furtos, desvios e o controle dos recursos pelos terroristas do Hamas — responsáveis pelo maior ataque contra judeus desde o Holocausto. A proposta israelense é criar um mecanismo próprio de distribuição, mas ONU e organizações humanitárias resistem à ideia. “A pressão externa não desviará Israel de seu caminho ao defender sua existência e segurança contra inimigos que buscam sua destruição”, disse o porta-voz Oren Marmorstein. Israel e ONU têm de entrar num acordo imediatamente. Se a segurança de Israel não pode estar em risco, também tem de estar assegurada a nutrição dos civis palestinos.

Já há consequências. Um comunicado conjunto de Reino Unido, França e Canadá classifica como “intolerável” o sofrimento humano em Gaza e ameaça retaliação. Os britânicos anunciaram suspensão da negociação de um acordo de livre-comércio e impuseram sanções a colonos israelenses acusados de atacar palestinos. Os chanceleres da União Europeia, maior parceiro comercial de Israel, também decidiram rever acordos. Mesmo Donald Trump, aliado próximo de Netanyahu, evitou Israel em seu giro recente pelo Oriente Médio, começou a negociar um tratado nuclear com o Irã e tem feito pressão por cessar-fogo em Gaza. Líderes da própria oposição israelense não têm poupado críticas ao governo.

No início do ano passado, editorial do GLOBO criticou Israel por negligenciar a proteção dos civis palestinos nos ataques a Gaza. Na mesma época surgiram preocupações com a fome. Quando analisou os fatos meses depois, o Comitê de Revisão da Fome (FRC) da ONU concluiu ter havido progresso, e durante o cessar-fogo o fornecimento de víveres parecia normalizado. Nas últimas semanas, porém, a deterioração é visível. Mais uma vez, Israel precisa fazer mais para convencer a comunidade internacional de que não viola direitos humanos em sua busca legítima por justiça. É urgente liberar comida para quem passa fome.

Ao desmascarar espiões russos no Brasil, PF expôs brechas em cartórios

O Globo

Investigação exemplar revelou nove agentes que usavam documentos brasileiros autênticos

Foi exemplar o trabalho da Polícia Federal (PF) na repressão a agentes russos no Brasil. Com a ajuda de serviços de inteligência, pelo menos nove espiões usando documentos brasileiros foram desmascarados ou presos nos últimos seis anos. O jornal New York Times resumiu no título o que se passou por aqui: “A fábrica de espiões”.

Desde quando trabalhava na extinta KGB, Vladimir Putin tem predileção por agentes que adotam nova identidade em país estrangeiro, muitas vezes tendo sido criados neles — os “ilegais”. São diferentes dos “legais”, que espionam disfarçados de diplomatas. Os “ilegais” vivem longos anos no exterior, renunciam à própria família e não têm imunidade. Quando pegos, são presos, não expulsos. Um exemplo conhecido foi o casal Mikhail Vesenkov e Vicky Pelaez, que emigrou do Peru para os Estados Unidos em 1985 e viveu como casal americano até a prisão, em 2010. Eram parte de uma rede de “ilegais” que incluía de empresária do setor imobiliário a aspirante a socialite em Nova York (a descoberta do FBI inspirou a série “The Americans”).

A proliferação de celulares, câmeras de vigilância e ferramentas de biometria dificultou a vida dos “legais”. Diante disso, os “ilegais” se tornaram mais atraentes, embora exijam tempo e dinheiro. Tradicionalmente, as Américas são o continente preferencial dos russos para incubá-los. Nos países multiétnicos da região, aparência e sotaque passam despercebidos. Por décadas, o Canadá era o predileto. Não havia registro centralizado de nascimentos, e não era difícil assumir a identidade de um bebê morto. Demorou, mas os canadenses melhoraram a vigilância. Foi então que os russos aumentaram a presença na América Latina.

“Buenas noches”, disse Putin ao receber na Rússia no ano passado uma família de “ilegais” presos pela Eslovênia. Até o avião decolar para Moscou, nem os filhos de 9 e 12 anos sabiam do vínculo dos pais com a Rússia. Para eles, eram argentinos. Aqui no Brasil, os agentes desmascarados pela PF também tinham como objetivo atuar no exterior. Em abril de 2022, Victor Müller Ferreira decolou para a Europa para fazer estágio no Tribunal Penal Internacional, bem quando a Corte começava a investigar crimes de guerra na Ucrânia. Avisadas pela CIA de que Ferreira era, na verdade, Sergey Vladimirovich Cherkasov, as autoridades holandesas negaram entrada no país. De volta ao Brasil, ele acabou preso.

A investigação da PF começou a partir da prisão de Cherkasov. Policiais examinaram milhões de registros de identidade em busca de “fantasmas”, pessoas com certidões de nascimento legítimas, mas sem trajetória no Brasil, cujos rastros só apareciam na vida adulta. Os russos conseguiam certidões de nascimento fraudadas. A partir daí, obtinham o resto da documentação.

O trabalho da PF também expõe as brechas que facilitam a atuação dos “ilegais” no Brasil. A principal é um sistema descentralizado que permite a emissão de certidões para quem nasceu do outro lado do mundo. No mínimo, é preciso haver melhor controle sobre os cartórios.

Governo e oposição têm culpa por fraude no INSS

Valor Econômico

Os dois lados devem medir forças em uma CPMI que, como várias outras, produzirão fogos de artifício e nenhum resultado, ou, se forem a fundo nas investigações, distribuirão a responsabilidade não só entre os partidos que a convocaram como com o governo

As investigações sobre como foi possível roubar dinheiro dos aposentados e pensionistas por meio de descontos fraudulentos em favor de associações - grande parte delas obscuras, fictícias ou raramente fiscalizadas - não apontam um culpado, mas vários. Deputados agiram para alongar ou evitar a necessidade de revalidar acordos que permitiram a transferência dos recursos - a maioria do PT, com apoio de membros do PL e do Centrão. As brechas que permitiram isso foram abertas no governo de Jair Bolsonaro, que extinguiu o Ministério da Previdência para colocá-lo sob o comando do Ministério da Economia até reativá-lo em 2022, vinculado ao Ministério do Trabalho, também recriado. A progressão geométrica dos desvios ocorreu no governo Lula, na gestão do pedetista Carlos Lupi, que já havia sido exonerado do governo petista de Dilma Rousseff por suspeitas de se beneficiar de convênios com ONGs quando ocupava a pasta do Trabalho.

Governo e oposição bolsonarista tentam atribuir culpa um ao outro pelo escândalo. A oposição conseguiu reunir assinaturas para a criação de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) para investigar as irregularidades. O Planalto tentou impedi-la, mas parece ter mudado de ideia e se resignado a aceitá-la, se conseguir controlar alguns dos principais postos da comissão. A decisão está nas mãos do presidente do Senado, Davi Alcolumbre, que tem uma lista de demandas que pretende ver aceitas por Lula - cargos nas agências reguladoras, por exemplo.

Trabalho sério da CPMI poderia rastrear a ação longeva de quadrilhas no INSS, muitas vezes acobertadas politicamente pelo loteamento de cargos no Ministério da Previdência, prática comum nos governos da Nova República e nas gestões petistas. Como ministério da “área social”, a Previdência passou com Lula às mãos de aliados de “esquerda” do PT ou do próprio partido. Ambos foram lenientes em relação à probidade ou à eficiência dos órgãos previdenciários.

O terceiro governo Lula segue a rota dos dois anteriores, em que o maior orçamento da União - de R$ 1,03 trilhão em 2025, praticamente metade das despesas executadas - foi colocado nas mãos de nomeados por conveniência política. Romero Jucá, senador emedebista alvejado pela Lava-Jato, foi um deles na primeira gestão do petista. Os mais longevos foram Luiz Marinho, petista hoje na pasta do Trabalho, e Carlos Eduardo Gabas, ministro de Lula e depois de Dilma. Não houve escândalos de monta como agora em suas administrações.

O dinheiro passou a sumir com mais frequência dos pagamentos dos aposentados no governo Bolsonaro, que teve aprovadas duas MPs que envolviam o assunto, lateralmente. A primeira, a 871, de 2019, obrigava a revalidação do acordo com associações para desconto a cada ano. Na tramitação, deputados petistas e do Centrão esticaram o prazo para três anos. Na segunda, a 1107, de 2022, que tratava do microcrédito digital para empreendedores, o resultado final foi a revogação da obrigatoriedade da revalidação. Em 2021, o roubo dos aposentados, segundo a Polícia Federal, chegou a R$ 536,6 milhões. Ele dobrou para R$ 1,3 bilhão no primeiro ano do governo Lula e dobrou de novo, para R$ 2,6 bilhões, no segundo, sob a gestão de Lupi.

O governo Lula demorou demais a reagir aos alertas da Controladoria Geral da União (CGU), que havia apontado o crescimento das contestações dos aposentados sobre dinheiro retirado de seus pagamentos sem autorização. Quando os primeiros resultados da Operação Sem Desconto, da Polícia Federal e da CGU, vieram à tona, ficou patente a falta total de controle sobre a ação de associações, algumas fantasmas, e suspeitas fortes de que seu trabalho havia sido facilitado por membros de direção e gerência do INSS. Lupi resistiu à demissão de Alessandro Stefanutto, então presidente do INSS, a quem elogiou, e o PDT ameaçou deixar a base governista se um novo chefe do órgão fosse nomeado sem a anuência de Lupi. O governo Lula, cada vez mais isolado no Congresso, aquiesceu e colocou no cargo o braço direito de Lupi no ministério, Gilberto Waller Júnior.

O tratamento dado ao roubo dos aposentados pelo governo não teve a seriedade que o caso merece. Politicamente, o Planalto titubeou diante da oposição bolsonarista, que também tem culpa a expiar no escândalo. Vão provavelmente medir forças em uma CPMI que, como várias outras, produzirão fogos de artifício e nenhum resultado, ou, se forem a fundo nas investigações, distribuirão a responsabilidade não só entre os partidos que a convocaram como com o governo, omisso e conivente com as fraudes para preservar alianças políticas que se revelaram espúrias e comprometedoras.

O governo Lula demorou a reagir - as pesquisas mostrarão que isso lhe custará caro - e quer retomar a iniciativa política. Lula insiste em anunciar um populista “ressarcimento” antecipado aos aposentados sem que se saiba quem ou quantos foram roubados, qual a magnitude dos desvios e sem que haja recursos sobrando no orçamento para isso.

Judiciário deve ser pressionado a rever privilégios

Folha de S. Paulo

CNJ veta novos benefícios sem decisão transitada em julgado; regra precisa ser início da moralização dos supersalários

Num gesto de razoabilidade, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) baixou uma resolução que impede órgãos do Poder Judiciário de reconhecer e pagar novos benefícios ou vantagens a seus membros por medida administrativa.

A partir de agora, esses desembolsos só poderão ser definidos a partir de decisões judiciais transitadas em julgado. O pagamento de retroativos, assim, dependerá de autorização da Corregedoria Nacional de Justiça.

A deliberação do CNJ, presidido pelo ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), é tardia e parcial (não afeta "penduricalhos" consagrados), mas espera-se que seja o marco de uma mudança de atitude.

A tônica nos últimos anos vinha sendo a de facilitar a cornucópia de vantagens que as carreiras jurídicas do Estado brasileiro criam para si mesmas, num movimento duplamente perverso, já que contribui para erodir tanto as finanças públicas como a própria credibilidade da Justiça.

Entre 2020 e 2024, juízes federais receberam em média R$ 145 mil mensais, entre salários, licenças, gratificações, auxílios e pagamentos retroativos. O teto salarial estabelecido pela Constituição é de R$ 46,4 mil.

E a sangria de recursos não fica restrita aos juízes federais. O chamado efeito cascata faz com que as vantagens "descobertas" pelos grupos mais criativos rapidamente se espalhem tanto para as Justiças estaduais como para outras carreiras, como ministérios públicos e defensorias.

Como muitos desses penduricalhos são pagos a título de indenização, servidores que recebem essas verbas ficam livres até do recolhimento do Imposto de Renda, o que cria camada adicional de desigualdade republicana.

Num país mais afeito ao império da lei, o teto seria teto, e o recebimento de indenizações seria expediente excepcional para de fato indenizar o servidor por despesas em que tenha eventualmente incorrido por necessidades do cargo —jamais algo quase regular que pode multiplicar em várias vezes o que deveria ser o vencimento máximo.

Uma das consequências desse tipo de esperteza é a perda de confiança no Judiciário. Se os membros das carreiras jurídicas não hesitam em torcer a letra da lei para extrair benefícios para si mesmos, como confiar na justeza das sentenças e acórdãos?

Somem-se a isso participação em eventos luxuosos no exterior patrocinados por lobistas, abuso de decisões monocráticas, pouco caso para com as decisões anteriores (estabilidade jurídica) e o não reconhecimento de conflitos de interesse mais ou menos óbvios —e temos uma receita infalível para crises de credibilidade.

O Judiciário, apesar de ser um Poder não eleito, não é invulnerável à opinião pública. Resta torcer para que a cúpula da Justiça perceba a armadilha que está criando para si mesma e faça as correções necessárias. Moralizar a questão dos penduricalhos seria um primeiro passo.

Florestas em chamas

Folha de S. Paulo

Incêndios elevam devastação no mundo e no Brasil; governos devem conter degradação das matas e criar plano de adaptação

Após dez anos da negociação do Acordo de Paris, o tratado da ONU para mitigar a crise do clima, a devastação das florestas, que contribui para o efeito estufa, não só não diminuiu como aumentou.

Além disso, revela-se um círculo vicioso: temperaturas elevadas e estiagens oriundas da mudança climática impulsionam a destruição. E o Brasil é um dos países que tem sofrido com o fenômeno.

Segundo o relatório da plataforma Global Forest Watch (GFW), em 2024 o planeta perdeu cerca de 30 milhões de hectares de cobertura arbórea, alta de 5% em relação a 2023 e o maior número desde o início da série histórica, em 2002 — isso considerando todos os níveis de densidade de copas das árvores.

Os incêndios puxaram a alta e foram responsáveis pela emissão de 4,1 gigatoneladas (Gt) de gases de efeito estufa (4 vezes mais do que as viagens aéreas em 2023). Nas regiões temperadas, florestas boreais queimam mais fácil; em 2024, a extensão das chamas foi muito acima dos padrões.

Já nos trópicos, a devastação da cobertura arbórea com mais de 30% de densidade de copa foi de 6,7 milhões de hectares, 80% acima do registrado no ano anterior (3,7 milhões). O fogo também elevou as taxas. Em 2023, ele causou 18,5% do deflorestamento (0,7 milhões de hectares), ante 48,2% (3,2 milhões) em 2024.

Com 2,8 milhões de hectares, o Brasil possui 42% da área destruída nos trópicos, alta de 154,5% em relação a 2023 (1,1 milhão). Incêndios geraram 66% da perda de cobertura arbórea, 41 pontos percentuais a mais do que em 2023.

Levantamento do MapBiomas divulgado no dia 15 aponta queda do desmatamento no país durante o mesmo período, de 1,8 milhões de hectares para 1,2 milhões. A diferença se dá porque a GFW considera destruições parciais da mata, enquanto o MapBiomas registra só a supressão completa da vegetação nativa.

A junção da mudança climática com o El Niño produziu seca severa no Brasil em 2024, o que impulsionou incêndios florestais, principalmente na amazônia. Fenômeno similar se deu em 2016, quando 2,8 milhões de hectares de cobertura florestal foram destruídos, sendo que 57,4% deles pelo fogo, ainda segundo a GFW.

Dada a realidade de longo prazo da crise do clima, e as experiências de 2016 e 2024, governos nas três esferas precisam conter a degradação florestal, que torna as matas mais inflamáveis, e instituir planos de adaptação para eventos extremos. Caso contrário, os números continuarão a mostrar a falta de comprometimento com o Acordo de Paris.

O Congresso acorda para o escândalo do INSS

O Estado de S. Paulo

Legislativo reage à crise do INSS tentando apagar um incêndio que ajudou a acender, mas se esquiva da CPMI que deveria apurar as responsabilidades sistêmicas no roubo dos aposentados

A decisão da Câmara dos Deputados de votar a urgência de uma proposta que proíbe os descontos automáticos de mensalidades associativas na folha de pagamento de aposentados e pensionistas do INSS é bem-vinda – ainda que tardia. O fim do instrumento legal que viabilizou um dos maiores escândalos de corrupção da história do País é medida necessária para conter novos abusos, mas não suficiente. O Congresso precisa reconhecer que, mais do que omisso, foi cúmplice – ainda que “culposamente” – de um esquema que, entre 2019 e 2024, saqueou pelo menos R$ 6,3 bilhões de milhões de brasileiros vulneráveis. É hora de apurar, punir e reformar.

Entre 2019 e 2022, o Congresso trabalhou ativamente para enfraquecer os mecanismos de fiscalização dos descontos. A obrigatoriedade de recadastramento anual, proposta por medida provisória para coibir fraudes, foi diluída até ser extinta, com apoio amplo e decisivo de parlamentares de esquerda, então na oposição. Esse afrouxamento permitiu a proliferação de associações de fachada, muitas ligadas a sindicalistas e entidades simpáticas ao atual governo. Desde então, a arrecadação disparou: de R$ 536 milhões em 2021 para R$ 1,3 bilhão em 2023, até R$ 2,8 bilhões em 2024, portanto, já no governo de Lula da Silva.

Um esquema dessa magnitude não é mera obra de uma quadrilha oportunista, mas o produto de um sistema permissivo, capturado por uma miríade de interesses político-corporativistas. Trata-se de omissões reiteradas de servidores do INSS, negligência de governantes, conivência de parlamentares e ausência de controles efetivos. A responsabilidade é compartilhada entre diferentes governos e partidos, mas isso não exime o lulopetismo de um papel agravado. Não só porque o montante dos descontos explodiu sob a gestão de Lula, mas porque o PT e seus satélites foram protagonistas de iniciativas legislativas que facilitaram a burla.

A tentativa do atual governo de reescrever os fatos – apresentando-se como “salvador do INSS” – é um acinte à inteligência nacional. A operação da Polícia Federal não surgiu por iniciativa do Palácio do Planalto. Em 2023, as denúncias chegaram formalmente ao Conselho Nacional de Previdência Social. Carlos Lupi, então ministro da Previdência Social, ignorou olimpicamente os avisos. Seu braço direito e substituto no ministério, Wolney Queiroz, participou das mesmas reuniões e tampouco agiu. O governo só se moveu quando o escândalo ganhou contornos eleitorais e ameaçou respingar diretamente no presidente.

Enquanto as vítimas esperam por ressarcimento – mais de 1,7 milhão já o solicitaram – o Executivo parece mais empenhado em preservar os seus. O Sindnapi, entidade cujos repasses do INSS aumentaram de R$ 41 milhões em 2021 para R$ 149 milhões em 2023, tem como vice-presidente o irmão de Lula. O Planalto age para frustrar a instalação de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI). Alega-se que a PF e a Controladoria-Geral da União (CGU) já investigam o caso, como se as atribuições de uma CPMI fossem redundantes. Não são. A função do Parlamento é apurar responsabilidades políticas e propor mecanismos de controle. Se as instituições tivessem funcionado, o escândalo não teria ganhado a escala que ganhou.

Por isso, este jornal reitera seu apoio à instalação de uma CPMI séria, ampla, com poderes de investigação e foco na prevenção de novos crimes. O risco de manipulação política existe – como em toda CPI –, mas a alternativa seria a omissão. E o País já sabe aonde a omissão nos levou.

Um escândalo com ramificações que atravessam partidos, governos e esferas do Estado é terreno fértil para a operação abafa. Há setores no Congresso, tanto da base quanto da oposição, que temem o que uma CPMI republicana possa revelar. Cabe à imprensa, ao Judiciário e à sociedade civil impedir que se repita o velho script da impunidade.

A crise do INSS é mais que uma sucessão de fraudes: é o retrato de um Estado que falha sistematicamente em proteger os mais frágeis e frequentemente age para proteger os mais fortes. Cabe ao Congresso, em vez de se lançar à politicagem autoindulgente, demonstrar que aprendeu com os próprios erros. O primeiro passo é acabar com os mecanismos que permitiram os roubos. O segundo, mais difícil, é enfrentar seus próprios fantasmas.

O Ibama, enfim, cede ao bom senso

O Estado de S. Paulo

Aprovação do ‘conceito’ do plano de contingência apresentado pela Petrobras é um avanço na direção da concessão de licenciamento ambiental para a exploração segura da Margem Equatorial

O Ibama, finalmente, aprovou o “conceito” do Plano de Proteção e Atendimento à Fauna Oleada apresentado pela Petrobras como passo indispensável à exploração de petróleo na bacia da Foz do Amazonas, na Margem Equatorial. Embora tardio, trata-se de um avanço na direção de um acordo técnico entre o órgão ambiental e a empresa que viabilize a exploração segura naquela área. Da concertação em torno do melhor interesse nacional poderão advir vultosos recursos financeiros que não só promoverão o desenvolvimento do País como um todo, como também, se bem empregados, poderão melhorar as condições de vida dos milhões de brasileiros que vivem nos Estados entre o Amapá e o Rio Grande do Norte.

A bem da verdade, a Petrobras ainda não obteve a licença para perfurar o chamado “poço piloto”, o que, de fato, determinará a existência ou não de um reservatório de petróleo na bacia da Foz do Amazonas capaz de ensejar a exploração comercial. Mas, à luz da rinha em que se tornou o debate sobre a Margem Equatorial, fortemente marcada pela gritaria dos ambientalistas radicais, não deixa de ser um alívio a autorização do Ibama para que a Petrobras ao menos realize um simulado de vazamento de óleo na região, pondo à prova suas medidas de contenção e de proteção à fauna local.

Esse foi o penúltimo passo até que o Ibama conceda o licenciamento ambiental. Na prática, isso significa que o projeto apresentado pela Petrobras, “em seus aspectos teóricos e metodológicos”, atendeu às exigências do órgão ambiental. A próxima etapa testará a capacidade de resposta da petroleira em caso de acidentes com derramamento de óleo, marco que pode encerrar um processo de licenciamento que se arrasta desde 2014, um ano depois de o bloco 59 da bacia da Foz do Amazonas, no litoral do Amapá, ter sido arrematado em leilão – e, diga-se, com parecer prévio favorável emitido pelo Ibama.

Obviamente, há uma ambição política por trás do interesse do presidente Lula da Silva em explorar a Margem Equatorial. E não haveria por que ser diferente. Afinal, é legítimo que o País busque se beneficiar de suas reservas de petróleo sabendo-se que, por mais velozes que sejam os planos de transição energética, estima-se que 57 milhões de barris de petróleo ainda serão consumidos no mundo por dia em 2050. A vizinha Guiana, que já extrai óleo na Margem Equatorial, registrou um PIB per capita de US$ 23 mil em 2023, o que a alçou à liderança na América Latina nesse quesito. O PIB daquele país aumentou 63,3% em 2022 e o Fundo Monetário Internacional (FMI) projeta expansão de 10,3% em 2025 em razão dessa atividade econômica.

Não bastassem esses dados, é forçoso dizer que ao Ibama, ora vejam, não é dado decidir se o Brasil irá ou não explorar petróleo onde quer que seja. Essa é uma decisão do Estado brasileiro a ser tomada por governantes legitimamente eleitos pelo voto popular. Cabe ao Ibama, isso sim, garantir que a execução da exploração e produção de petróleo, uma vez concedidas pelo poder público, seja realizada com absoluta responsabilidade técnica e ambiental – algo que a Petrobras já demonstrou ter –, além de vir acompanhada por um meticuloso planejamento de contingência.

A Petrobras, como já dissemos neste espaço, é referência mundial em exploração e produção de petróleo em águas profundas e ultraprofundas. A esta altura, não restam dúvidas quanto à responsabilidade com que a empresa realiza seus projetos. Depois da descoberta do pré-sal, na década de 2000, marco que representou um salto de produção para a companhia, as reservas de petróleo começaram a entrar na fase de declínio e agora precisam do reforço de novas descobertas, em novas fronteiras. É bom para o País que esse processo avance, sem prejuízo da consolidação de fontes renováveis de energia.

A transição energética é um imperativo global, e o Brasil ocupa posição privilegiada nessa iniciativa. Mas é consenso entre especialistas que o mundo ainda demandará petróleo por muito tempo. Renunciar à exploração segura da Margem Equatorial seria, na prática, condenar o País a importar óleo e derivados ao invés de garantir a autossuficiência da qual, ao fim e ao cabo, virão os recursos para financiar o dispendioso processo de transição para matrizes menos poluentes.

A diversidade genética dos brasileiros

O Estado de S. Paulo

Pesquisa liderada pela USP revela a riqueza da miscigenação e a força da ciência nacional

Um estudo liderado pela Universidade de São Paulo (USP) mapeou a miscigenação do Brasil e apontou um grau de diversidade genética sem igual no mundo. A pesquisa revelou as marcas das ancestralidades europeia, africana e indígena na população brasileira, com a identificação de nada menos do que 8,7 milhões de variantes genéticas inéditas.

Publicado na revista Science, o trabalho põe a produção científica nacional ao lado de pesquisas de mesma envergadura realizadas em países desenvolvidos. Após o sequenciamento do genoma humano, em 2003, cientistas de todo o mundo começaram a esmiuçar as informações. Porém, 80% da população mapeada era formada apenas por europeus e norte-americanos brancos.

Agora, o material analisado inclui genomas de 2.723 brasileiros de comunidades urbanas, rurais e ribeirinhas das cinco regiões do País. Segundo essa amostra, 60% da ancestralidade brasileira é europeia, 27% africana e 13% nativa. Como afirmou a geneticista Lygia da Veiga Pereira, uma das coordenadoras da pesquisa, “conhecer o nosso DNA é desvendar a biologia e a história por trás da maravilhosa diversidade do brasileiro e aprender que essa diversidade é a nossa maior força”.

Fruto de anos de conhecimentos acumulados, o trabalho é mais uma evidência da importância da valorização da ciência para o progresso de qualquer nação. O mapeamento da diversidade genética dos brasileiros prova que, com boas políticas públicas de incentivo e investimentos, públicos e privados, o Brasil tem tudo para se destacar no cenário internacional da produção acadêmica. Ademais, o estudo capitaneado pela USP, que integra o projeto “DNA do Brasil”, do Ministério da Saúde, atesta que há, sim, pesquisadores brasileiros extremamente qualificados que produzem ciência de ponta no Brasil.

É em razão disso que agora pesquisadores de todo o mundo têm em mãos um estudo que aponta variantes genéticas potencialmente patogênicas em 450 genes ligados a doenças cardíacas e obesidade. Além disso, outros 815 genes relacionados a doenças infecciosas, como malária, hepatite e gripe, entre outras, também foram identificados na pesquisa.

Conhecer e estudar essas variações genéticas, como afirmou a pesquisadora Kelly Nunes, coautora do trabalho, “pode nos ajudar a entender por que algumas pessoas têm mais chances de desenvolver algumas doenças do que outras”. Mas não só isso, haja vista que, além de identificar genes relacionados a doenças e mapear a diversidade genética dos brasileiros em seu vasto território, o recente estudo projeta um futuro de esperança.

Seus achados poderão abrir novas frentes para o desenvolvimento de mais pesquisas científicas que, oxalá, poderão revolucionar a medicina. Será a chance para a produção de estudos que venham a aprimorar diagnósticos de doenças e propor tratamentos personalizados. E novas pesquisas poderão contribuir para a saúde pública no Brasil e em outros países.

Além de mostrar que parte da força do Brasil vem de sua diversidade genômica, a pesquisa revela que, com a devida valorização, o País tem condições de figurar no primeiro escalão da produção científica mundial.

Racismo sem limites mostra atraso do país

Correio Braziliense

Para a ministra Vera Lúcia, o racismo persiste por inépcia do Estado brasileiro, uma vez que a abolição da escravatura em 1888 nunca existiu

Pelo menos 85% dos negros (pretos e pardos) foram vítimas de racismo no Brasil, onde 56,1% da população é afro-brasileira — o equivalente a 92,1 milhões de pessoas —, segundo pesquisa do Ministério da Igualdade Racial. Na última sexta-feira, a ministra substituta do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Vera Lúcia Santana de Araújo, foi mais uma vítima desse crime imprescritível e inafiançável. Ela foi impedida, mesmo apresentando seus documentos e sendo uma das palestrantes convidadas, de ingressar no 25º Seminário Ética na Gestão, promovido pela Comissão de Ética Pública da Presidência da República, que trataria do tema "Prevenção e Enfrentamento do Assédio e Discriminação".

A magistrada é uma mulher negra, nascida na Bahia e fez carreira na capital da República. Estava entre as três mulheres afrodescendentes indicadas para uma cadeira no Supremo Tribunal Federal (STF), mas acabou sendo aprovada para o TSE, presidido pela ministra Cármen Lúcia, a única mulher na Suprema Corte. Cármen Lúcia tornou pública a agressão racista praticada contra Vera Lúcia e denunciou o episódio ao presidente da Comissão de Ética, Manoel Ferreira, lembrando que o ocorrido "pode configurar até mesmo crime". Para a ministra do STF, o fato "agride cada brasileiro, além de atingir a Justiça como um todo".

Em entrevista ao Correio, a ministra Vera Lúcia antecipou que denunciará judicialmente a empresa terceirizada, os funcionários que sequer olharam o documento que ela apresentou e a Confederação Nacional do Comercial (CNC), proprietária do prédio onde ocorreu o evento. Para ela, o racismo persiste por inépcia do Estado brasileiro, uma vez que a abolição da escravatura em 1888 nunca existiu.

Se uma magistrada, com carteira que comprova a sua atividade em tribunal superior, é desrespeitada, vítima de racismo, o que não ocorre com a maior parcela da população (pretos e pardos)? Desde que nascem, os afro-brasileiros são alvo do preconceito, da discriminação, ingredientes do racismo secular. O racismo é nódoa que não se apaga no tecido demográfico do país. Desde o século 16, os negros sequestrados na África para serem escravos são seres humanos depreciados e humilhados. A suposta abolição da escravidão, em 1888, pouco alterou a visão dos não negros em relação aos pretos e pardos. O avanço na legislação brasileira, agravando a punição aos racistas, também não produziu o efeito desejado.

Sobram dados oficiais para ilustrar tamanha chaga. No campo da segurança pública, o racismo é escancarado. Estudo divulgado pela Rede de Observatório da Segurança mostra que, em 2023, 4.025 pessoas foram mortas por policiais. Desse total, 87,8% (2.782 vítimas) eram pessoas negras. Um dado como esse passa a ideia de que só negros cometem crimes e, portanto, são merecedores da pena capital.

As mulheres e meninas adolescentes negras ainda sofrem com a misoginia. Nas estatísticas são as mais molestadas sexualmente, vítimas de todos os tipos de violência. De acordo com o mais recente Atlas da Violência, uma mulher negra no Brasil tem 1,7 vezes mais risco de ser assassinada. Crianças e adolescentes negros são 83% das vítimas de mortes violentas, também de acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Diante de tantas desigualdades e afrontas que atingem o povo negro, os governos federal, estadual e municipal deveriam investir seriamente na educação antirracista, em todos os setores da sociedade. É inadmissível que, em pleno século 21, o racismo e a barbárie que ele produz sejam banalizados pelo Estado brasileiro e cometido, cada vez mais, sem qualquer tipo de constrangimento. Um atraso para um país que se diz moderno, mas ainda está algemado no período colonial.

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