Prevalece a democracia e a institucionalidade
O Povo (CE)
O que alguns críticos da atuação do STF e os negacionistas do golpe querem é que as instituições abdiquem de agir em defesa da democracia
O Supremo Tribunal Federal (STF), em julgamento de sua Primeira Turma, tornou réus mais 10 acusados de uma tentativa de golpe de Estado, que tinha o objetivo de manter o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no poder, depois da vitória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em outubro de 2023.
Entre os dez participantes do chamado núcleo 3, havia nove militares e um policial federal. Dos denunciados, dois são cearenses, o general Estevam Cals Theóphilo Gaspar de Oliveira e o tenente-coronel Rodrigo Bezerra de Azevedo. Dois militares tiveram a denúncia rejeitada por falta de evidências de participação na trama golpista.
Assim, fecha-se uma importante etapa do processo criminal, com o STF aceitando as 34 denúncias propostas pela Procuradoria-Geral da República (PGR), à exceção de uma, até agora: o empresário Paulo Figueiredo, que mora no exterior e não foi localizado para receber a notificação.
O grupo vai responder pelos crimes de participação de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça e deterioração de patrimônio tombado.
A aceitação da denúncia abre mais uma importante fase no processo criminal. Agora, com os acusados na condição de réus, segue-se a etapa da instrução processual, para coleta e análise de provas, para que os ministros da Primeira Turma do STF decidam se condenam ou absolvem os acusados.
É importante ressaltar que todos os parâmetros legais vêm sendo respeitados no andamento dos processos, apesar das queixas recorrentes dos advogados de que estaria havendo um suposto cerceamento da defesa e dificuldade em acessar as provas, o que já era esperado da parte da defesa.
Na verdade, o que alguns críticos da atuação do STF e os negacionistas do golpe querem é que as instituições abdiquem de agir em defesa da democracia, deixando o campo aberto para a ação dos que querem demolir o Estado Democrático de Direito. Não é por outro motivo que deputados bolsonaristas estão propondo que o Congresso exclua do Código Penal o crime de golpe de Estado.
O fato é que a cada depoimento e a cada evidência apresentados, ficam cada vez mais fortes as evidências de que foi tramado, dentro do Palácio do Planalto, um plano para impedir a posse do presidente eleito. Lula foi vencedor de uma eleição que transcorreu normalmente, de maneira democrática e justa, como reconhecem todos os países democráticos do mundo.
Para alívio de todos os que rejeitam governos autoritários, essa importante etapa da aceitação das denúncias pelo STF, que ocorreu sem sobressaltos, demonstra que a democracia e a institucionalidade estão prevalecendo.
O Globo
Diante da restrição de suprimentos para o
enclave, pressão tem vindo até de aliados históricos
De acordo com o sistema de monitoramento das
Nações Unidas (IPC), nos últimos 20 anos foram confirmadas quatro catástrofes
de fome no planeta — Somália (2011), Sudão do Sul (2017 e 2020) e Sudão (2024).
Trata-se da situação em que ao menos 20% das casas estão sem comida, 30% das
crianças sofrem desnutrição aguda e duas pessoas (ou quatro crianças) em cada
10 mil morrem de fome todo dia. Não é o que ocorre na Faixa de Gaza.
Mas o último informe do IPC lançou um alerta sobre o risco de que a população
do enclave palestino em estado crítico de insegurança alimentar salte de 12%
para 22% até setembro (ou 500 mil pessoas). Segundo o alerta, 93% já passam por
crise em sua alimentação ou situação pior. Israel tem de
evitar isso a todo custo.
As cenas desesperadoras dos últimos dias mostram que a nova investida contra o grupo terrorista Hamas agravou o problema. Ao longo de 11 semanas, foi vedada a entrada de caminhões com auxílio humanitário em Gaza. Apenas na segunda-feira, diante da pressão internacional, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, autorizou a passagem de poucas dezenas, carregados com alimentação infantil e produtos médicos, mas bem menos que os 600 anteriores à ruptura do acordo de cessar-fogo há dois meses. “Não podemos atingir o ponto de fome, por razões práticas e diplomáticas”, afirmou. É pouco.
Israel alega que foi necessário reter o fluxo
de suprimentos para impedir furtos, desvios e o controle dos recursos pelos
terroristas do Hamas — responsáveis pelo maior ataque contra judeus desde o
Holocausto. A proposta israelense é criar um mecanismo próprio de distribuição,
mas ONU e
organizações humanitárias resistem à ideia. “A pressão externa não desviará
Israel de seu caminho ao defender sua existência e segurança contra inimigos
que buscam sua destruição”, disse o porta-voz Oren Marmorstein. Israel e ONU
têm de entrar num acordo imediatamente. Se a segurança de Israel não pode estar
em risco, também tem de estar assegurada a nutrição dos civis palestinos.
Já há consequências. Um comunicado conjunto
de Reino Unido, França e Canadá classifica como “intolerável” o sofrimento
humano em Gaza e ameaça retaliação. Os britânicos anunciaram suspensão da
negociação de um acordo de livre-comércio e impuseram sanções a colonos
israelenses acusados de atacar palestinos. Os chanceleres da União Europeia,
maior parceiro comercial de Israel, também decidiram rever acordos. Mesmo
Donald Trump, aliado próximo de Netanyahu, evitou Israel em seu giro recente
pelo Oriente Médio, começou a negociar um tratado nuclear com o Irã e tem feito
pressão por cessar-fogo em Gaza. Líderes da própria oposição israelense não têm
poupado críticas ao governo.
No início do ano passado, editorial do GLOBO criticou Israel por negligenciar a proteção dos civis palestinos nos ataques a Gaza. Na mesma época surgiram preocupações com a fome. Quando analisou os fatos meses depois, o Comitê de Revisão da Fome (FRC) da ONU concluiu ter havido progresso, e durante o cessar-fogo o fornecimento de víveres parecia normalizado. Nas últimas semanas, porém, a deterioração é visível. Mais uma vez, Israel precisa fazer mais para convencer a comunidade internacional de que não viola direitos humanos em sua busca legítima por justiça. É urgente liberar comida para quem passa fome.
Ao desmascarar espiões russos no Brasil, PF expôs brechas em cartórios
O Globo
Investigação exemplar revelou nove agentes
que usavam documentos brasileiros autênticos
Foi exemplar o trabalho da Polícia
Federal (PF) na repressão a agentes russos no Brasil. Com a ajuda de
serviços de inteligência, pelo menos nove espiões usando documentos brasileiros
foram desmascarados ou presos nos últimos seis anos. O jornal New York Times
resumiu no título o que se passou por aqui: “A fábrica de espiões”.
Desde quando trabalhava na extinta KGB, Vladimir
Putin tem predileção por agentes que adotam nova identidade em país
estrangeiro, muitas vezes tendo sido criados neles — os “ilegais”. São
diferentes dos “legais”, que espionam disfarçados de diplomatas. Os “ilegais”
vivem longos anos no exterior, renunciam à própria família e não têm imunidade.
Quando pegos, são presos, não expulsos. Um exemplo conhecido foi o casal
Mikhail Vesenkov e Vicky Pelaez, que emigrou do Peru para os Estados Unidos em
1985 e viveu como casal americano até a prisão, em 2010. Eram parte de uma rede
de “ilegais” que incluía de empresária do setor imobiliário a aspirante a
socialite em Nova York (a descoberta do FBI inspirou a série “The Americans”).
A proliferação de celulares, câmeras de
vigilância e ferramentas de biometria dificultou a vida dos “legais”. Diante
disso, os “ilegais” se tornaram mais atraentes, embora exijam tempo e dinheiro.
Tradicionalmente, as Américas são o continente preferencial dos russos para
incubá-los. Nos países multiétnicos da região, aparência e sotaque passam
despercebidos. Por décadas, o Canadá era o predileto. Não havia registro
centralizado de nascimentos, e não era difícil assumir a identidade de um bebê
morto. Demorou, mas os canadenses melhoraram a vigilância. Foi então que os
russos aumentaram a presença na América Latina.
“Buenas noches”, disse Putin ao receber
na Rússia no
ano passado uma família de “ilegais” presos pela Eslovênia. Até o avião decolar
para Moscou, nem os filhos de 9 e 12 anos sabiam do vínculo dos pais com a
Rússia. Para eles, eram argentinos. Aqui no Brasil, os agentes desmascarados
pela PF também tinham como objetivo atuar no exterior. Em abril de 2022, Victor
Müller Ferreira decolou para a Europa para fazer estágio no Tribunal Penal
Internacional, bem quando a Corte começava a investigar crimes de guerra na
Ucrânia. Avisadas pela CIA de que Ferreira era, na verdade, Sergey
Vladimirovich Cherkasov, as autoridades holandesas negaram entrada no país. De
volta ao Brasil, ele acabou preso.
A investigação da PF começou a partir da
prisão de Cherkasov. Policiais examinaram milhões de registros de identidade em
busca de “fantasmas”, pessoas com certidões de nascimento legítimas, mas sem
trajetória no Brasil, cujos rastros só apareciam na vida adulta. Os russos
conseguiam certidões de nascimento fraudadas. A partir daí, obtinham o resto da
documentação.
O trabalho da PF também expõe as brechas que facilitam a atuação dos “ilegais” no Brasil. A principal é um sistema descentralizado que permite a emissão de certidões para quem nasceu do outro lado do mundo. No mínimo, é preciso haver melhor controle sobre os cartórios.
Governo e oposição têm culpa por fraude no
INSS
Valor Econômico
Os dois lados devem medir forças em uma CPMI
que, como várias outras, produzirão fogos de artifício e nenhum resultado, ou,
se forem a fundo nas investigações, distribuirão a responsabilidade não só
entre os partidos que a convocaram como com o governo
As investigações sobre como foi possível
roubar dinheiro dos aposentados e pensionistas por meio de descontos
fraudulentos em favor de associações - grande parte delas obscuras, fictícias
ou raramente fiscalizadas - não apontam um culpado, mas vários. Deputados
agiram para alongar ou evitar a necessidade de revalidar acordos que permitiram
a transferência dos recursos - a maioria do PT, com apoio de membros do PL e do
Centrão. As brechas que permitiram isso foram abertas no governo de Jair
Bolsonaro, que extinguiu o Ministério da Previdência para colocá-lo sob o
comando do Ministério da Economia até reativá-lo em 2022, vinculado ao
Ministério do Trabalho, também recriado. A progressão geométrica dos desvios
ocorreu no governo Lula, na gestão do pedetista Carlos Lupi, que já havia sido
exonerado do governo petista de Dilma Rousseff por suspeitas de se beneficiar
de convênios com ONGs quando ocupava a pasta do Trabalho.
Governo e oposição bolsonarista tentam
atribuir culpa um ao outro pelo escândalo. A oposição conseguiu reunir
assinaturas para a criação de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito
(CPMI) para investigar as irregularidades. O Planalto tentou impedi-la, mas
parece ter mudado de ideia e se resignado a aceitá-la, se conseguir controlar
alguns dos principais postos da comissão. A decisão está nas mãos do presidente
do Senado, Davi Alcolumbre, que tem uma lista de demandas que pretende ver
aceitas por Lula - cargos nas agências reguladoras, por exemplo.
Trabalho sério da CPMI poderia rastrear a
ação longeva de quadrilhas no INSS, muitas vezes acobertadas politicamente pelo
loteamento de cargos no Ministério da Previdência, prática comum nos governos
da Nova República e nas gestões petistas. Como ministério da “área social”, a
Previdência passou com Lula às mãos de aliados de “esquerda” do PT ou do
próprio partido. Ambos foram lenientes em relação à probidade ou à eficiência
dos órgãos previdenciários.
O terceiro governo Lula segue a rota dos dois
anteriores, em que o maior orçamento da União - de R$ 1,03 trilhão em 2025,
praticamente metade das despesas executadas - foi colocado nas mãos de nomeados
por conveniência política. Romero Jucá, senador emedebista alvejado pela
Lava-Jato, foi um deles na primeira gestão do petista. Os mais longevos foram
Luiz Marinho, petista hoje na pasta do Trabalho, e Carlos Eduardo Gabas,
ministro de Lula e depois de Dilma. Não houve escândalos de monta como agora em
suas administrações.
O dinheiro passou a sumir com mais frequência
dos pagamentos dos aposentados no governo Bolsonaro, que teve aprovadas duas
MPs que envolviam o assunto, lateralmente. A primeira, a 871, de 2019, obrigava
a revalidação do acordo com associações para desconto a cada ano. Na
tramitação, deputados petistas e do Centrão esticaram o prazo para três anos.
Na segunda, a 1107, de 2022, que tratava do microcrédito digital para
empreendedores, o resultado final foi a revogação da obrigatoriedade da
revalidação. Em 2021, o roubo dos aposentados, segundo a Polícia Federal,
chegou a R$ 536,6 milhões. Ele dobrou para R$ 1,3 bilhão no primeiro ano do
governo Lula e dobrou de novo, para R$ 2,6 bilhões, no segundo, sob a gestão de
Lupi.
O governo Lula demorou demais a reagir aos
alertas da Controladoria Geral da União (CGU), que havia apontado o crescimento
das contestações dos aposentados sobre dinheiro retirado de seus pagamentos sem
autorização. Quando os primeiros resultados da Operação Sem Desconto, da
Polícia Federal e da CGU, vieram à tona, ficou patente a falta total de
controle sobre a ação de associações, algumas fantasmas, e suspeitas fortes de
que seu trabalho havia sido facilitado por membros de direção e gerência do
INSS. Lupi resistiu à demissão de Alessandro Stefanutto, então presidente do
INSS, a quem elogiou, e o PDT ameaçou deixar a base governista se um novo chefe
do órgão fosse nomeado sem a anuência de Lupi. O governo Lula, cada vez mais
isolado no Congresso, aquiesceu e colocou no cargo o braço direito de Lupi no
ministério, Gilberto Waller Júnior.
O tratamento dado ao roubo dos aposentados
pelo governo não teve a seriedade que o caso merece. Politicamente, o Planalto
titubeou diante da oposição bolsonarista, que também tem culpa a expiar no
escândalo. Vão provavelmente medir forças em uma CPMI que, como várias outras,
produzirão fogos de artifício e nenhum resultado, ou, se forem a fundo nas
investigações, distribuirão a responsabilidade não só entre os partidos que a
convocaram como com o governo, omisso e conivente com as fraudes para preservar
alianças políticas que se revelaram espúrias e comprometedoras.
O governo Lula demorou a reagir - as
pesquisas mostrarão que isso lhe custará caro - e quer retomar a iniciativa
política. Lula insiste em anunciar um populista “ressarcimento” antecipado aos
aposentados sem que se saiba quem ou quantos foram roubados, qual a magnitude
dos desvios e sem que haja recursos sobrando no orçamento para isso.
Judiciário deve ser pressionado a rever
privilégios
Folha de S. Paulo
CNJ veta novos benefícios sem decisão
transitada em julgado; regra precisa ser início da moralização dos
supersalários
Num gesto de razoabilidade, o Conselho
Nacional de Justiça (CNJ)
baixou uma resolução que impede órgãos do Poder Judiciário de reconhecer e
pagar novos benefícios ou vantagens a seus membros por medida administrativa.
A partir de agora, esses desembolsos só
poderão ser definidos a partir de decisões judiciais transitadas em
julgado. O pagamento de retroativos, assim, dependerá de autorização da
Corregedoria Nacional de Justiça.
A deliberação do CNJ, presidido pelo
ministro Luís
Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), é tardia e
parcial (não
afeta "penduricalhos" consagrados), mas espera-se que seja o
marco de uma mudança de atitude.
A tônica nos últimos anos vinha sendo a de
facilitar a cornucópia de vantagens que as carreiras jurídicas do Estado
brasileiro criam para si mesmas, num movimento duplamente perverso, já que
contribui para erodir tanto as finanças públicas como a própria credibilidade
da Justiça.
Entre 2020 e 2024, juízes federais receberam
em média R$ 145 mil mensais, entre salários, licenças, gratificações, auxílios
e pagamentos retroativos. O teto salarial estabelecido pela Constituição é
de R$ 46,4 mil.
E a sangria de recursos não fica restrita aos
juízes federais. O chamado efeito cascata faz com que as vantagens
"descobertas" pelos grupos mais criativos rapidamente se espalhem
tanto para as Justiças estaduais como para outras carreiras, como ministérios
públicos e defensorias.
Como muitos desses penduricalhos são pagos a
título de indenização, servidores que recebem essas verbas ficam livres até do
recolhimento do Imposto de
Renda, o que cria camada adicional de desigualdade republicana.
Num país mais afeito ao império da lei, o
teto seria teto, e o recebimento de indenizações seria expediente excepcional
para de fato indenizar o servidor por despesas em que tenha eventualmente
incorrido por necessidades do cargo —jamais algo quase regular que pode
multiplicar em várias vezes o que deveria ser o vencimento máximo.
Uma das consequências desse tipo de esperteza
é a perda de confiança no Judiciário. Se os membros das carreiras jurídicas não
hesitam em torcer a letra da lei para extrair benefícios para si mesmos, como
confiar na justeza das sentenças e acórdãos?
Somem-se a isso participação em eventos
luxuosos no exterior patrocinados por lobistas, abuso de decisões monocráticas,
pouco caso para com as decisões anteriores (estabilidade jurídica) e o não
reconhecimento de conflitos de interesse mais ou menos óbvios —e temos uma
receita infalível para crises de credibilidade.
O Judiciário, apesar de ser um Poder não
eleito, não é invulnerável à opinião pública. Resta torcer para que a cúpula da
Justiça perceba a armadilha que está criando para si mesma e faça as correções
necessárias. Moralizar a questão dos penduricalhos seria um primeiro passo.
Florestas em chamas
Folha de S. Paulo
Incêndios elevam devastação no mundo e no
Brasil; governos devem conter degradação das matas e criar plano de adaptação
Após dez anos da negociação do Acordo de
Paris, o tratado da ONU para
mitigar a crise do clima, a
devastação das florestas, que contribui para o efeito estufa, não
só não diminuiu como aumentou.
Além disso, revela-se um círculo vicioso:
temperaturas elevadas e estiagens oriundas da mudança
climática impulsionam a destruição. E o Brasil é um dos países que tem
sofrido com o fenômeno.
Segundo o relatório da plataforma Global
Forest Watch (GFW), em 2024 o planeta perdeu cerca de 30 milhões de hectares de
cobertura arbórea, alta de 5% em relação a 2023 e o maior número desde o início
da série histórica, em 2002 — isso considerando todos os níveis de densidade de
copas das árvores.
Os incêndios puxaram a alta e foram
responsáveis pela emissão de 4,1 gigatoneladas (Gt) de gases de efeito estufa
(4 vezes mais do que as viagens aéreas em 2023). Nas regiões temperadas,
florestas boreais queimam mais fácil; em 2024, a extensão das chamas foi muito
acima dos padrões.
Já nos trópicos, a devastação da cobertura
arbórea com mais de 30% de densidade de copa foi de 6,7 milhões de hectares,
80% acima do registrado no ano anterior (3,7 milhões). O fogo também elevou as
taxas. Em 2023, ele causou 18,5% do deflorestamento (0,7 milhões de hectares),
ante 48,2% (3,2 milhões) em 2024.
Com 2,8 milhões de hectares, o Brasil possui
42% da área destruída nos trópicos, alta de 154,5% em relação a 2023 (1,1
milhão). Incêndios geraram 66% da perda de cobertura arbórea, 41 pontos
percentuais a mais do que em 2023.
Levantamento do MapBiomas divulgado no dia 15
aponta queda do desmatamento no
país durante o mesmo período, de
1,8 milhões de hectares para 1,2 milhões. A diferença se dá porque a GFW
considera destruições parciais da mata, enquanto o MapBiomas registra só a
supressão completa da vegetação nativa.
A junção da mudança climática com o El Niño
produziu seca severa no Brasil em 2024, o que impulsionou incêndios florestais,
principalmente na amazônia.
Fenômeno similar se deu em 2016, quando 2,8 milhões de hectares de cobertura
florestal foram destruídos, sendo que 57,4% deles pelo fogo, ainda segundo a
GFW.
Dada a realidade de longo prazo da crise do
clima, e as experiências de 2016 e 2024, governos nas três esferas precisam
conter a degradação florestal, que torna as matas mais inflamáveis, e instituir
planos de adaptação para eventos extremos. Caso contrário, os números
continuarão a mostrar a falta de comprometimento com o Acordo de Paris.
O Congresso acorda para o escândalo do INSS
O Estado de S. Paulo
Legislativo reage à crise do INSS tentando
apagar um incêndio que ajudou a acender, mas se esquiva da CPMI que deveria
apurar as responsabilidades sistêmicas no roubo dos aposentados
A decisão da Câmara dos Deputados de votar a
urgência de uma proposta que proíbe os descontos automáticos de mensalidades
associativas na folha de pagamento de aposentados e pensionistas do INSS é
bem-vinda – ainda que tardia. O fim do instrumento legal que viabilizou um dos
maiores escândalos de corrupção da história do País é medida necessária para
conter novos abusos, mas não suficiente. O Congresso precisa reconhecer que,
mais do que omisso, foi cúmplice – ainda que “culposamente” – de um esquema que,
entre 2019 e 2024, saqueou pelo menos R$ 6,3 bilhões de milhões de brasileiros
vulneráveis. É hora de apurar, punir e reformar.
Entre 2019 e 2022, o Congresso trabalhou
ativamente para enfraquecer os mecanismos de fiscalização dos descontos. A
obrigatoriedade de recadastramento anual, proposta por medida provisória para
coibir fraudes, foi diluída até ser extinta, com apoio amplo e decisivo de
parlamentares de esquerda, então na oposição. Esse afrouxamento permitiu a
proliferação de associações de fachada, muitas ligadas a sindicalistas e
entidades simpáticas ao atual governo. Desde então, a arrecadação disparou: de
R$ 536 milhões em 2021 para R$ 1,3 bilhão em 2023, até R$ 2,8 bilhões em 2024,
portanto, já no governo de Lula da Silva.
Um esquema dessa magnitude não é mera obra de
uma quadrilha oportunista, mas o produto de um sistema permissivo, capturado
por uma miríade de interesses político-corporativistas. Trata-se de omissões
reiteradas de servidores do INSS, negligência de governantes, conivência de
parlamentares e ausência de controles efetivos. A responsabilidade é
compartilhada entre diferentes governos e partidos, mas isso não exime o
lulopetismo de um papel agravado. Não só porque o montante dos descontos
explodiu sob a gestão de Lula, mas porque o PT e seus satélites foram
protagonistas de iniciativas legislativas que facilitaram a burla.
A tentativa do atual governo de reescrever os
fatos – apresentando-se como “salvador do INSS” – é um acinte à inteligência
nacional. A operação da Polícia Federal não surgiu por iniciativa do Palácio do
Planalto. Em 2023, as denúncias chegaram formalmente ao Conselho Nacional de
Previdência Social. Carlos Lupi, então ministro da Previdência Social, ignorou
olimpicamente os avisos. Seu braço direito e substituto no ministério, Wolney
Queiroz, participou das mesmas reuniões e tampouco agiu. O governo só se moveu
quando o escândalo ganhou contornos eleitorais e ameaçou respingar diretamente
no presidente.
Enquanto as vítimas esperam por ressarcimento
– mais de 1,7 milhão já o solicitaram – o Executivo parece mais empenhado em
preservar os seus. O Sindnapi, entidade cujos repasses do INSS aumentaram de R$
41 milhões em 2021 para R$ 149 milhões em 2023, tem como vice-presidente o
irmão de Lula. O Planalto age para frustrar a instalação de uma Comissão
Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI). Alega-se que a PF e a
Controladoria-Geral da União (CGU) já investigam o caso, como se as atribuições
de uma CPMI fossem redundantes. Não são. A função do Parlamento é apurar
responsabilidades políticas e propor mecanismos de controle. Se as instituições
tivessem funcionado, o escândalo não teria ganhado a escala que ganhou.
Por isso, este jornal reitera seu apoio à
instalação de uma CPMI séria, ampla, com poderes de investigação e foco na
prevenção de novos crimes. O risco de manipulação política existe – como em
toda CPI –, mas a alternativa seria a omissão. E o País já sabe aonde a omissão
nos levou.
Um escândalo com ramificações que atravessam
partidos, governos e esferas do Estado é terreno fértil para a operação abafa.
Há setores no Congresso, tanto da base quanto da oposição, que temem o que uma
CPMI republicana possa revelar. Cabe à imprensa, ao Judiciário e à sociedade
civil impedir que se repita o velho script da impunidade.
A crise do INSS é mais que uma sucessão de
fraudes: é o retrato de um Estado que falha sistematicamente em proteger os
mais frágeis e frequentemente age para proteger os mais fortes. Cabe ao
Congresso, em vez de se lançar à politicagem autoindulgente, demonstrar que
aprendeu com os próprios erros. O primeiro passo é acabar com os mecanismos que
permitiram os roubos. O segundo, mais difícil, é enfrentar seus próprios
fantasmas.
O Ibama, enfim, cede ao bom senso
O Estado de S. Paulo
Aprovação do ‘conceito’ do plano de
contingência apresentado pela Petrobras é um avanço na direção da concessão de
licenciamento ambiental para a exploração segura da Margem Equatorial
O Ibama, finalmente, aprovou o “conceito” do
Plano de Proteção e Atendimento à Fauna Oleada apresentado pela Petrobras como
passo indispensável à exploração de petróleo na bacia da Foz do Amazonas, na
Margem Equatorial. Embora tardio, trata-se de um avanço na direção de um acordo
técnico entre o órgão ambiental e a empresa que viabilize a exploração segura
naquela área. Da concertação em torno do melhor interesse nacional poderão
advir vultosos recursos financeiros que não só promoverão o desenvolvimento do
País como um todo, como também, se bem empregados, poderão melhorar as
condições de vida dos milhões de brasileiros que vivem nos Estados entre o
Amapá e o Rio Grande do Norte.
A bem da verdade, a Petrobras ainda não
obteve a licença para perfurar o chamado “poço piloto”, o que, de fato,
determinará a existência ou não de um reservatório de petróleo na bacia da Foz
do Amazonas capaz de ensejar a exploração comercial. Mas, à luz da rinha em que
se tornou o debate sobre a Margem Equatorial, fortemente marcada pela gritaria
dos ambientalistas radicais, não deixa de ser um alívio a autorização do Ibama
para que a Petrobras ao menos realize um simulado de vazamento de óleo na região,
pondo à prova suas medidas de contenção e de proteção à fauna local.
Esse foi o penúltimo passo até que o Ibama
conceda o licenciamento ambiental. Na prática, isso significa que o projeto
apresentado pela Petrobras, “em seus aspectos teóricos e metodológicos”,
atendeu às exigências do órgão ambiental. A próxima etapa testará a capacidade
de resposta da petroleira em caso de acidentes com derramamento de óleo, marco
que pode encerrar um processo de licenciamento que se arrasta desde 2014, um
ano depois de o bloco 59 da bacia da Foz do Amazonas, no litoral do Amapá, ter
sido arrematado em leilão – e, diga-se, com parecer prévio favorável emitido
pelo Ibama.
Obviamente, há uma ambição política por trás
do interesse do presidente Lula da Silva em explorar a Margem Equatorial. E não
haveria por que ser diferente. Afinal, é legítimo que o País busque se
beneficiar de suas reservas de petróleo sabendo-se que, por mais velozes que
sejam os planos de transição energética, estima-se que 57 milhões de barris de
petróleo ainda serão consumidos no mundo por dia em 2050. A vizinha Guiana, que
já extrai óleo na Margem Equatorial, registrou um PIB per capita de US$ 23 mil
em 2023, o que a alçou à liderança na América Latina nesse quesito. O PIB
daquele país aumentou 63,3% em 2022 e o Fundo Monetário Internacional (FMI)
projeta expansão de 10,3% em 2025 em razão dessa atividade econômica.
Não bastassem esses dados, é forçoso dizer
que ao Ibama, ora vejam, não é dado decidir se o Brasil irá ou não explorar
petróleo onde quer que seja. Essa é uma decisão do Estado brasileiro a ser
tomada por governantes legitimamente eleitos pelo voto popular. Cabe ao Ibama,
isso sim, garantir que a execução da exploração e produção de petróleo, uma vez
concedidas pelo poder público, seja realizada com absoluta responsabilidade
técnica e ambiental – algo que a Petrobras já demonstrou ter –, além de vir acompanhada
por um meticuloso planejamento de contingência.
A Petrobras, como já dissemos neste espaço, é
referência mundial em exploração e produção de petróleo em águas profundas e
ultraprofundas. A esta altura, não restam dúvidas quanto à responsabilidade com
que a empresa realiza seus projetos. Depois da descoberta do pré-sal, na década
de 2000, marco que representou um salto de produção para a companhia, as
reservas de petróleo começaram a entrar na fase de declínio e agora precisam do
reforço de novas descobertas, em novas fronteiras. É bom para o País que esse
processo avance, sem prejuízo da consolidação de fontes renováveis de energia.
A transição energética é um imperativo
global, e o Brasil ocupa posição privilegiada nessa iniciativa. Mas é consenso
entre especialistas que o mundo ainda demandará petróleo por muito tempo.
Renunciar à exploração segura da Margem Equatorial seria, na prática, condenar
o País a importar óleo e derivados ao invés de garantir a autossuficiência da
qual, ao fim e ao cabo, virão os recursos para financiar o dispendioso processo
de transição para matrizes menos poluentes.
A diversidade genética dos brasileiros
O Estado de S. Paulo
Pesquisa liderada pela USP revela a riqueza
da miscigenação e a força da ciência nacional
Um estudo liderado pela Universidade de São
Paulo (USP) mapeou a miscigenação do Brasil e apontou um grau de diversidade
genética sem igual no mundo. A pesquisa revelou as marcas das ancestralidades
europeia, africana e indígena na população brasileira, com a identificação de
nada menos do que 8,7 milhões de variantes genéticas inéditas.
Publicado na revista Science, o trabalho
põe a produção científica nacional ao lado de pesquisas de mesma envergadura
realizadas em países desenvolvidos. Após o sequenciamento do genoma humano, em
2003, cientistas de todo o mundo começaram a esmiuçar as informações. Porém,
80% da população mapeada era formada apenas por europeus e norte-americanos
brancos.
Agora, o material analisado inclui genomas de
2.723 brasileiros de comunidades urbanas, rurais e ribeirinhas das cinco
regiões do País. Segundo essa amostra, 60% da ancestralidade brasileira é
europeia, 27% africana e 13% nativa. Como afirmou a geneticista Lygia da Veiga
Pereira, uma das coordenadoras da pesquisa, “conhecer o nosso DNA é desvendar a
biologia e a história por trás da maravilhosa diversidade do brasileiro e
aprender que essa diversidade é a nossa maior força”.
Fruto de anos de conhecimentos acumulados, o
trabalho é mais uma evidência da importância da valorização da ciência para o
progresso de qualquer nação. O mapeamento da diversidade genética dos
brasileiros prova que, com boas políticas públicas de incentivo e
investimentos, públicos e privados, o Brasil tem tudo para se destacar no
cenário internacional da produção acadêmica. Ademais, o estudo capitaneado pela
USP, que integra o projeto “DNA do Brasil”, do Ministério da Saúde, atesta que
há, sim, pesquisadores brasileiros extremamente qualificados que produzem
ciência de ponta no Brasil.
É em razão disso que agora pesquisadores de
todo o mundo têm em mãos um estudo que aponta variantes genéticas
potencialmente patogênicas em 450 genes ligados a doenças cardíacas e
obesidade. Além disso, outros 815 genes relacionados a doenças infecciosas,
como malária, hepatite e gripe, entre outras, também foram identificados na
pesquisa.
Conhecer e estudar essas variações genéticas,
como afirmou a pesquisadora Kelly Nunes, coautora do trabalho, “pode nos ajudar
a entender por que algumas pessoas têm mais chances de desenvolver algumas
doenças do que outras”. Mas não só isso, haja vista que, além de identificar
genes relacionados a doenças e mapear a diversidade genética dos brasileiros em
seu vasto território, o recente estudo projeta um futuro de esperança.
Seus achados poderão abrir novas frentes para
o desenvolvimento de mais pesquisas científicas que, oxalá, poderão
revolucionar a medicina. Será a chance para a produção de estudos que venham a
aprimorar diagnósticos de doenças e propor tratamentos personalizados. E novas
pesquisas poderão contribuir para a saúde pública no Brasil e em outros países.
Além de mostrar que parte da força do Brasil
vem de sua diversidade genômica, a pesquisa revela que, com a devida
valorização, o País tem condições de figurar no primeiro escalão da produção
científica mundial.
Racismo sem limites mostra atraso do país
Correio Braziliense
Para a ministra Vera Lúcia, o racismo
persiste por inépcia do Estado brasileiro, uma vez que a abolição da
escravatura em 1888 nunca existiu
Pelo menos 85% dos negros (pretos e pardos)
foram vítimas de racismo no Brasil, onde 56,1% da população é afro-brasileira —
o equivalente a 92,1 milhões de pessoas —, segundo pesquisa do Ministério da
Igualdade Racial. Na última sexta-feira, a ministra substituta do Tribunal
Superior Eleitoral (TSE), Vera Lúcia Santana de Araújo, foi mais uma vítima
desse crime imprescritível e inafiançável. Ela foi impedida, mesmo apresentando
seus documentos e sendo uma das palestrantes convidadas, de ingressar no 25º
Seminário Ética na Gestão, promovido pela Comissão de Ética Pública da
Presidência da República, que trataria do tema "Prevenção e Enfrentamento
do Assédio e Discriminação".
A magistrada é uma mulher negra, nascida na
Bahia e fez carreira na capital da República. Estava entre as três mulheres
afrodescendentes indicadas para uma cadeira no Supremo Tribunal Federal (STF),
mas acabou sendo aprovada para o TSE, presidido pela ministra Cármen Lúcia, a
única mulher na Suprema Corte. Cármen Lúcia tornou pública a agressão racista
praticada contra Vera Lúcia e denunciou o episódio ao presidente da Comissão de
Ética, Manoel Ferreira, lembrando que o ocorrido "pode configurar até
mesmo crime". Para a ministra do STF, o fato "agride cada brasileiro,
além de atingir a Justiça como um todo".
Em entrevista ao Correio, a ministra
Vera Lúcia antecipou que denunciará judicialmente a empresa terceirizada, os
funcionários que sequer olharam o documento que ela apresentou e a Confederação
Nacional do Comercial (CNC), proprietária do prédio onde ocorreu o evento. Para
ela, o racismo persiste por inépcia do Estado brasileiro, uma vez que a
abolição da escravatura em 1888 nunca existiu.
Se uma magistrada, com carteira que comprova
a sua atividade em tribunal superior, é desrespeitada, vítima de racismo, o que
não ocorre com a maior parcela da população (pretos e pardos)? Desde que
nascem, os afro-brasileiros são alvo do preconceito, da discriminação,
ingredientes do racismo secular. O racismo é nódoa que não se apaga no tecido
demográfico do país. Desde o século 16, os negros sequestrados na África para
serem escravos são seres humanos depreciados e humilhados. A suposta abolição
da escravidão, em 1888, pouco alterou a visão dos não negros em relação aos
pretos e pardos. O avanço na legislação brasileira, agravando a punição aos
racistas, também não produziu o efeito desejado.
Sobram dados oficiais para ilustrar tamanha
chaga. No campo da segurança pública, o racismo é escancarado. Estudo divulgado
pela Rede de Observatório da Segurança mostra que, em 2023, 4.025 pessoas foram
mortas por policiais. Desse total, 87,8% (2.782 vítimas) eram pessoas negras.
Um dado como esse passa a ideia de que só negros cometem crimes e, portanto,
são merecedores da pena capital.
As mulheres e meninas adolescentes negras
ainda sofrem com a misoginia. Nas estatísticas são as mais molestadas
sexualmente, vítimas de todos os tipos de violência. De acordo com o mais
recente Atlas da Violência, uma mulher negra no Brasil tem 1,7 vezes mais risco
de ser assassinada. Crianças e adolescentes negros são 83% das vítimas de
mortes violentas, também de acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Diante de tantas desigualdades e afrontas que atingem o povo negro, os governos federal, estadual e municipal deveriam investir seriamente na educação antirracista, em todos os setores da sociedade. É inadmissível que, em pleno século 21, o racismo e a barbárie que ele produz sejam banalizados pelo Estado brasileiro e cometido, cada vez mais, sem qualquer tipo de constrangimento. Um atraso para um país que se diz moderno, mas ainda está algemado no período colonial.
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