O Globo
É muito difícil fazer desconexão de uma
quantidade imensa de satélites de um país do tamanho do nosso
Os dois boatos que tomaram as redes bolsonaristas nos últimos dias, de novas sanções que o governo Donald Trump poderia impor ao Brasil, não têm pé nem cabeça. Um sugere que o Brasil poderia ser cortado do sistema GPS, aquele que faz nossos mapas de celular funcionar. O outro determina que o Brasil poderia ser cortado do Swift, o protocolo adotado internacionalmente para transferências monetárias internacionais. O primeiro deixaria o país incapaz de ter sistemas internos para localização. O outro impediria toda transação financeira para fora. As ideias são absurdas por motivos técnicos e por motivos políticos.
Quando falamos de GPS, em verdade deveríamos
usar outra sigla: GNSS. É a sigla, em inglês, para Sistema Global de Navegação
por Satélite. Originalmente, era uma rede de satélites americanos espalhados
por todo o globo que mandam um sinal para a Terra. Aparelhos captam esses
sinais, fazem a triangulação e conseguem botar sua posição precisa no mapa. Só
que, faz tempo, os satélites não são mais apenas americanos. Além do sistema
GPS, existem na rede GNSS os sistemas Galileo (União Europeia), Glonass (Rússia),
BeiDou (China), além dos dois regionais de Índia e Japão. Quase todos os
celulares capazes de conexão 4G se conectam a essas redes. Caso os Estados
Unidos desconectassem o GPS do território brasileiro, as outras redes seguiriam
funcionando.
Ainda assim, tecnicamente é muito difícil
fazer essa desconexão de uma quantidade imensa de satélites de um país do
tamanho do Brasil. E a desconexão não afetaria só nossos guias de trânsito.
Afetaria todos os aviões americanos, todos os navios americanos que passassem
pela região. Afetaria, igualmente, todos os países vizinhos ao Brasil.
O corte do sistema Swift foi uma hipótese
levantada pelo deputado federal não mais licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP),
em uma de suas muitas lives. Ele — que parece estar numa crise maníaca não
tratada e agrava sua situação a cada vez que encara uma câmera ligada à
internet — está desinformado. Também há uma alternativa ao Swift, embora seja
mais complexa. É o Cips chinês. A Rússia foi cortada do sistema Swift durante o
governo Joe Biden como parte das muitas sanções econômicas impostas após a
invasão da Ucrânia. Moscou fez a conversão de todo o seu sistema bancário para
a opção chinesa. Demorou pouco mais de um ano. Com a tecnologia do sistema
financeiro brasileiro, seria possível que demorasse menos para nós. Mas
certamente seriam meses duros, com o Brasil tendo dificuldades de fazer
negócios para fora.
Ainda assim, há um detalhe político
importante: o Swift não é apenas americano. Trata-se de uma joint venture com a
União Europeia que tem sede em Bruxelas. Ou seja, não basta que a Casa Branca
deseje desconectar um país do mundo. É preciso que a União Europeia queira o
mesmo. Não há qualquer sinal de que a hipótese seja razoável.
O ponto é o seguinte: esses sistemas como
GPS, Swift e tantos outros dependem de confiança internacional. A Rússia foi
cortada do Swift por decisão conjunta de Washington e União Europeia porque
decidiu sair para uma guerra de anexação de território. Algo assim não ocorria
no mundo desde a Alemanha nazista. Foi por causa da gravidade do ocorrido que a
punição foi escolhida. Não foi porque um presidente americano acordou de mau
humor ou encontrou um líder político estrangeiro com o qual não simpatizava.
Se os americanos começam a usar a
infraestrutura mundial que inventaram ou controlam para punir outros países, o
resultado é um alerta mundial. Um alerta para o qual só há uma resposta: criar
uma infraestrutura substituta que não dependa dos humores de Washington. Muitos
consórcios internacionais assim existem, mais surgiriam.
Se boa parte do problema americano é não
perder uma guerra comercial, diplomática ou o que for para a China, a pior
coisa que os Estados Unidos poderiam fazer é informar a todo mundo: é inseguro
usar sistemas americanos. Donald Trump pode ser impulsivo, mas seu maior
problema ainda é a China, e gente o suficiente, inclusive no movimento radical
Maga, compreende o que não dá para saber.
Isso não quer dizer que outras sanções para o
Brasil não possam ser levantadas. Podem. Só que essas, técnicas, seriam um
contratempo para o Brasil e um suicídio em nível mundial para os Estados
Unidos. Afinal, seu resultado seria ceder mais espaço para Pequim.
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