Valor Econômico
A atuação conjunta entre Executivo e STF
tornou-se o arranjo institucional dos tempos de guerra
O objetivo de Donald Trump é derrotar o
presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2026 e colocar no seu lugar um aliado
como Jair Bolsonaro com quem possa contar para agregar o Brasil ao “grande
Panamá” no qual pretende transformar seu quintal para melhor enfrentar a China.
Este “antiamericanismo” já não causa as cizânias de tempos atrás no Itamaraty,
na Esplanada e até em setores do empresariado.
Até 1º de agosto, quando os tarifaços americanos começarão a valer no mundo todo, a adesão em maior ou menor grau a este consenso move o Brasil não bolsonarista. Depois disso, conte-se, pelo menos, mais um mês. A articulação esbarra no verão do Hemisfério Norte durante o qual nada que é sólido se move. Chega-se, então a setembro, quando deve se iniciar o julgamento do ex-presidente.
Por mais que a política externa e comercial
brasileiras façam, nenhuma frente é mais importante do que aquela conduzida
pelo Supremo Tribunal Federal. Se Trump aposta na desmoralização institucional
do país, esta é, de fato, a única maneira de derrotá-lo.
A indissolubilidade entre Executivo e STF
tornou-se o arranjo institucional dos tempos de guerra. Todo esse salamaleque
do PL na Câmara dos Deputados com a exibição da tornozeleira de Bolsonaro é
revelador de um Congresso a reboque dos dois Poderes. É bom mas é ruim. E tem
como prazo de validade o fim da guerra, de Trump ou de Lula.
Ser derrotado por uma conspiração do gênero
colocaria o presidente Luiz Inácio Lula da Silva no panteão dos heróis da
pátria. Sim, há quem o tema em conversa de pé de ouvido se o apelo patriótico
começar a pesar no bolso. Para todos os efeitos, vale o grito de guerra de Lula
ao saber da derrota no IOF: “Vamos para o embate, não vou sair daqui
desmoralizado”. Dias depois, o embate rompeu as fronteiras do Rio Grande e Lula
ganhou uma chance de sair vitorioso.
Cada uma das alternativas comporta
potencialidades e limitações. E nenhuma delas tem um desfecho tão previsível
quanto a tornozeleira eletrônica de Jair Bolsonaro. A primeira é a aposta na
reação interna nos EUA, desde os grandes grupos importadores, até a inflação do
café da manhã. No aglutinador de pesquisas do “The New York Times”, a
desaprovação (54%) de Trump já se afasta da aprovação (44%).
É a pior taxa para os primeiros seis meses de
governo dos últimos 25 anos, à exceção de seu primeiro mandato, quando colheu
uma reprovação ainda mais precoce e não foi reconduzido. A disputa pelo
Congresso americano, tradicional plebiscito sobre o presidente de plantão,
coincidirá com as eleições gerais brasileiras. O Brasil depende mais daquela
eleição do que os EUA da nossa.
A segunda frente é a dos acordos
internacionais. Uma delegação de deputados da Comissão de Comércio
Internacional do Parlamento Europeu chegou ao Brasil nesta segunda para
discutir o acordo com o Mercosul. O acordo já teria votos para ser aprovado sem
a França, grande frente de resistência, mas ao Brasil não interessa derrotar
Emmanuel Macron. A ordem é somar aliados e não excluí-los. Pela tangente, tem o
Canadá de Mark Carney, eleito graças à ameaça trumpista de anexação, e que
agora quer fechar acordo com o Mercosul.
E sempre tem a Ásia, mas avançar quando todos
estão procurando mercados alternativos não será fácil. A China já está
desovando em todo lugar o que deixou de vender aos EUA. O tarifaço de Trump
poderia ter sido bem pior se o Brasil já não exportasse mais para cinco países
asiáticos (Singapura, Malásia, Tailândia, Indonésia e Vietnã) do que para
parceiros como Japão, Alemanha, Reino Unido, França e Itália.
O pacto pela democracia com três parceiros
sul-americanos (Chile, Uruguai, Colômbia) e a Espanha não fechou uma moção de
apoio ao Brasil pelos temores de retaliação. Os mesmos que já tinham levado a
presidente mexicana, Claudia Sheinbaum, a avisar, desde o Brics, que não
poderia se somar a convescotes do gênero pelo risco de deportação de dezenas de
milhares de compatriotas.
Tem ainda a busca de convergências por uma
taxação digital. Não há, porém, uma articulação madura para isso. Na avaliação
de um negociador brasileiro do tema, Bruxelas tem agido com condescendência com
Trump, à exceção de Portugal. Há mais convergência do que diálogo com governos
como o do trabalhista Anthony Albanese, da Austrália. Antes disso, porém, é
preciso vencer as batalhas domésticas no tema.
E, finalmente, o Brasil conta com um mercado
interno que pode absorver, por exemplo, aviões da Embraer, desde, claro, que os
planos de contingência passem pelo BNDES. Hoje o financiamento está concentrado
na exportação das aeronaves para companhias estrangeiras. Entre as locais
apenas a Azul usa aviões da Embraer.
Nessa guerra, todo açodamento é arriscado.
Dar conta de uma exploração apressada da segunda maior reserva mundial de
terras raras e aumentar o poder de barganha do Brasil frente aos EUA, como fez
a China, não sensibiliza o governo. Por isso, o licenciamento ambiental açodado
do Congresso não deve ser chancelado. Com uma COP pela frente, seria jogar a
criança fora com a água do balde.
Nessa guerra, não há bala de prata. A tornozeleira eletrônica de Bolsonaro, por enquanto, ainda é a arma mais eficaz.
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