Folha de S. Paulo
A questão principal é por que a crise se
agudizou agora se não houve mudança nas regras institucionais
Há duas posições rivais na interpretação da atual crise nas relações Executivo-Legislativo. A primeira sustenta que o presidencialismo de coalizão se esgotou e perdeu sua funcionalidade devido ao enfraquecimento do Executivo. O resultado é a fragmentação da coalizão de apoio ao Executivo, incapacitando-o de implementar sua agenda. Esta dinâmica é vista como produto de uma usurpação de poderes do Executivo progressista pelo Legislativo conservador.
A alternativa rival é superior. Argumenta que
nosso presidencialismo tem se transformado, sim, o presidente efetivamente tem
perdido poder, o Congresso aumentado suas prerrogativas, sobretudo,
orçamentárias. E o Legislativo tem conquistado autonomia após a criação do
fundo de campanha e controle de emendas. Mas defende que o problema de fundo é
o gerenciamento monopolista da coalizão de governo e escasso compartilhamento
de poder. Já escrevi inúmeras colunas sobre o tema em que
defendo este último argumento. Mas ela não dá conta da crise em curso. Uma
crise conjuntural não é explicável apenas em termos do macro funcionamento
institucional do país.
A questão fundamental é por que esta crise se
agudizou no momento atual? Afinal, não houve mudança institucional nas regras
que presidem as relações Executivo e Legislativo desde 2023. Tampouco inflexão
na forma de gestão da coalizão. Ou mudança nas preferências ideológicas dos
atores. E mais: a primeira metade do mandato presidencial foi marcada por
cooperação (ex. PEC da Transição, do arcabouço fiscal e da reforma tributária).
O que ocorreu então?
Houve, sim, mudanças, mas nos poderes não
constitucionais do presidente e de seus poderes partidários, para utilizar o
jargão. O desempenho do PT foi péssimo nas eleições municipais de 2024, mesmo
sendo incumbente. Por outro lado, a aprovação o governo despencou, segundo o Datafolha, de 35% (12/2024), para 24% (02/2025)
e 28% (06/25), com a reprovação se mantendo acima de
40%. Mas a variável explicativa decisiva é a eleição de 2026. A teoria aponta
que o imperativo eleitoral impacta mais os partidos de centro e centro-direita.
As evidências são eloquentes. Segundo pesquisa Quaest com parlamentares, o favorito
para ganhar as eleições passou a ser o candidato da oposição.
Lula é o favorito para apenas 35% deles (em maio de
2024 era 43%). É percebido como potencial perdedor. Um pato manco. Este fator
deflagrou a debandada da coalizão e o apoio a candidaturas rivais. O que
implica uma disputa de recursos cruciais em ano eleitoral, convertendo o
orçamento em jogo de soma zero, como analisei aqui.
A debandada é causa e consequência da piora
na avaliação do governo: 51% dos deputados a consideram negativa, contra apenas
18% que a julgam positiva. Esse cenário não decorre das posições de governistas
ou oposicionistas, cujas avaliações permanecem estáveis —96% dos opositores
avaliam negativamente, enquanto 71% dos governistas têm visão positiva. A
inflexão deve-se aos deputados autodeclarados independentes, que representam
27% da Câmara.
O Executivo voltará a ser protagonista quando contar com mais
poderes partidários, maior congruência de preferências entre a coalizão de
governo e mediana do Congresso; maior proporcionalidade na alocação de
ministérios e maior popularidade presidencial.
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