COP30 corre risco de frustrar expectativas
O Globo
Reuniões preparatórias obtiveram consenso em
alguns temas, mas resultados foram tidos como ‘mornos’
São pouco promissoras as perspectivas para a
Conferência do Clima da ONU, a COP30, agendada para novembro em Belém. Ainda é
possível reagir, mas vai se estreitando o tempo para que a conferência se torne
um marco com consequências. É grande o risco de ela frustrar as expectativas.
A comunidade internacional tem seguido um roteiro atribulado desde o Acordo de Paris, que assumiu em 2015 o compromisso de evitar alta de mais de 2°C na temperatura global em relação aos níveis anteriores à Revolução Industrial — e, de preferência, inferior a 1,5°C. Desde então, tem havido mais desencontro do que acordo sobre aspectos cruciais relacionados ao objetivo de conter o aquecimento do planeta, causa de desastres climáticos com consequências negativas nos planos social e econômico.
O Brasil espera que a COP30 quebre a sucessão
de frustrações que tem acompanhado as últimas conferências do clima. Mas é
preciso ser realista diante do resultado do encontro diplomático de Bonn, na
Alemanha, fase preparatória para a reunião de novembro. Observadores e
organizações ambientais consideraram “morno” o resultado dos textos aprovados
sobre assuntos prioritários para a COP30. Isso não impediu que representantes
do governo brasileiro comemorassem. “Houve um pouco de dificuldade no início,
mas agora nós temos textos, o que é realmente uma boa notícia”, disse Ana Toni,
secretária de Mudança do Clima do Ministério do Meio Ambiente e CEO da COP30.
O risco é o encontro de que tanto se espera
se tornar mais uma conferência sem conclusões substanciais. Há divergências
sobre o balanço global (global stocktake), previsto no Acordo de Paris para
avaliar se as metas estabelecidas são cumpridas. O primeiro, realizado em 2023,
na COP28 em Dubai, mostrou que o mundo não está mais numa rota em que seja
possível conter o aumento da temperatura no limite de 1,5°C. Todo o resto ainda
depende de os países ricos, os maiores poluidores, darem sua contribuição financeira
para que países pobres consigam promover a transição energética a tempo.
Como no primeiro mandato, Donald Trump
retirou os Estados Unidos do Acordo de Paris. Mas, mesmo sob a administração
democrata de Joe Biden, Washington não abriu os cofres para atender aos pedidos
sucessivos das conferências do clima. Em 2009, na COP15 em Copenhague, os
países ricos assumiram o compromisso de oferecer US$ 100 bilhões anuais para
transição energética e cortes nas emissões de carbono dos países pobres, depois
formalizado no Acordo de Paris. Mas só em 2022, 13 anos depois, a meta foi
cumprida, e não se pode garantir que as contribuições se manterão nesse
patamar. O fluxo financeiro tem oscilado entre US$ 80 bilhões e US$ 90 bilhões
anuais, segundo a OCDE.
Há, é certo, tempo para mudança de rumo. Os
negociadores brasileiros não podem esmorecer diante da tarefa de levar a COP30
a bom termo. Questões intrincadas atravancam a agenda, em particular o
cronograma de transição “para além dos combustíveis fósseis”, como petróleo,
gás e carvão. É preciso empenho para que o encontro de Belém não se transforme
em mais uma montanha de textos irreais e palavrório vazio, que costumam
encontrar terreno fértil para florescer nas conferências do clima.
Fraudes endêmicas na aposentadoria rural
exigem atenção do governo
O Globo
Omissão em recadastramento permite que abusos
se perpetuem, sob vista grossa dos três Poderes
São inúmeras as brechas para irregularidades
e fraudes na aposentadoria rural. Quem trabalha em supermercado ou posto de
gasolina perto de zona rural geralmente consegue. Quem tem oficina ou qualquer
atividade comercial fora do perímetro urbano, também. Muitas vezes é possível
morar bem perto da Prefeitura e obter o benefício. O nome ligado a uma
propriedade rural costuma ser suficiente. A comprovação de ter passado anos
tirando o sustento da terra é abstração. Basta autodeclaração. O
preço, como revelou reportagem do GLOBO, é o aumento no rombo da Previdência.
No campo, as mulheres se aposentam com 55
anos (ante 62 das demais) e os homens com 60 anos (em vez de 65). Com tantas
brechas, não surpreende que a concessão de aposentadorias rurais esteja, desde
2022, no patamar de 400 mil por ano, algo inédito desde 1994, quando a
mecanização da agricultura era muito menor e a parcela da população brasileira
vivendo fora das cidades maior. “Os dados acendem um alerta sobre a qualidade
dos cadastros, a efetividade dos controles e o risco fiscal embutido em cada
aposentadoria irregular”, disse ao GLOBO o economista Rogério Nagamine,
especialista em temas previdenciários.
Desgraçadamente, o governo de Luiz Inácio
Lula da Silva tem mostrado pouco interesse em resolver o problema. A última
reforma da Previdência determinou o cadastramento dos trabalhadores rurais, com
exigência de comprovação da atividade. Pressionado pelos sindicatos rurais, o
Congresso acabou decidindo que a autodeclaração valeria até o novo banco de
dados atingir 50% de cobertura. De lá para cá, primeiro a pandemia, depois um
governo pouco disposto a apertar os controles deixaram tudo como estava.
O caminho tortuoso percorrido pela reportagem
do GLOBO é ilustrativo. O novo cadastro é responsabilidade da Dataprev, estatal
de processamento de dados. Procurada, a empresa disse que o Ministério da
Previdência deveria responder. Questionado, o ministério pouco esclareceu. Em
nota, disse que o cadastro está em implementação, discorreu sobre dificuldades
técnicas e não soube informar a parcela inscrita até o momento. Parece mais que
desleixo.
No Congresso e no Judiciário, é comum ouvir
um discurso enviesado sobre a Previdência rural. Quem trabalha longe dos
grandes centros e fora das cadeias mais dinâmicas do agronegócio é
invariavelmente visto como miserável. Por isso, segue o argumento, o governo
deveria fazer vista grossa diante das irregularidades, e os juízes deveriam ser
benevolentes na concessão de benefícios.
Tal raciocínio é absurdo. O Estado brasileiro conta com vários programas voltados aos mais necessitados. Eles estão disseminados e são de fácil adesão. Fechar os olhos para maracutaias na aposentadoria rural não é o caminho adequado para resolver nenhum problema social. É justo um trabalhador que enfrentou sol e chuva por décadas no campo se aposentar antes dos demais. Quando o mesmo direito é dado a fraudadores, não passa de roubo.
Congresso deve retomar debate sobre regulação
das redes
Valor Econômico
O Supremo cumpriu um papel fundamental ao estabelecer regras mais claras e rigorosas para as plataformas
O Supremo Tribunal Federal (STF) deu um passo
crucial para pôr fim ao vale-tudo instaurado no mundo digital, com claras
consequências sociais e políticas, graças ao salvo-conduto que na prática era
dado às grandes plataformas pelo artigo 19 do Marco Civil da Internet. Ao
declará-lo parcialmente inconstitucional e ampliar a responsabilidade das
empresas pelo conteúdo veiculado em suas redes, o STF estabeleceu um importante
marco para a proteção dos direitos fundamentais dos brasileiros. Agora, cabe
aos parlamentares continuar os debates sobre regulação, mantendo os avanços
construídos ao longo do julgamento.
Por oito votos a três, os ministros decidiram
que as plataformas serão responsabilizadas a partir do momento em que forem
notificadas pelas partes atingidas, e não somente após decisão judicial, como
previa o artigo 19. No sistema conhecido como “notice and take down”, as
plataformas terão a liberdade - e o dever - de manter no ar o que julgarem
estar dentro da lei.
As únicas exceções após a votação do STF são
os crimes contra a honra - calúnia, difamação e injúria -, que continuam sob as
normas antigas. Com as mudanças, passam a valer de forma geral as regras
previstas no artigo 21, antes limitado pela legislação nacional a episódios de
divulgação não consentida de nudez.
Igualmente bem-vindo foi o entendimento dos
magistrados de que era preciso estabelecer a ideia de “dever de cuidado”, para
exigir que as empresas atuem preventivamente para remover conteúdos ilegais
considerados “extremos”. Segundo o STF, a responsabilização das plataformas não
ocorrerá em casos pontuais, mas se houver uma “falha sistêmica”, uma grande
profusão de mensagens sem que medidas eficazes de prevenção e exclusão sejam
implementadas. Foram listados nesta categoria, por exemplo: conspirações antidemocráticas;
instigação ao suicídio; crimes de terrorismo; incitação à discriminação em
razão de raça, cor, etnia, religião, procedência nacional, sexualidade ou
identidade de gênero; pornografia infantil e crimes contra crianças e
adolescentes.
Decidiu-se também que a responsabilização por
postagens promovidas ou anúncios será automática. Pelo entendimento do STF, por
lucrarem com a divulgação deste tipo de conteúdo e o validarem com o
impulsionamento, as empresas deverão analisar antecipadamente se eles são
lícitos ou não.
Ademais, as empresas serão obrigadas a manter
sede e representante legal no país, além de editarem uma autorregulação, que
abranja sistemas de notificação por parte de usuários, canais específicos de
atendimento ao público e relatórios anuais de transparência que incluam, por
exemplo, dados relativos às notificações extrajudiciais recebidas no período.
Diante da omissão do Congresso, da conivência
das plataformas e de um cenário em que as redes sociais se tornaram centrais na
vida dos brasileiros, a decisão do STF é um passo na direção correta. A falta
de regulação do setor transformou as plataformas digitais num escoadouro das
piores características da sociedade moderna e permitiu, de maneira quase
impune, cometimento de um sem-número de crimes. Na prática, o que o STF fez foi
corrigir a assimetria de responsabilidade entre os mundos real e virtual que se
estabeleceu nos últimos anos.
Garantir que as plataformas sejam um espaço
de livre expressão não significa permitir transformá-las em um ambiente sem
lei. Nesse sentido, são falaciosas as críticas de que as regras mais amplas do
STF resultarão em censura privada, sob o argumento de que as empresas removerão
preventivamente conteúdos potencialmente problemáticos.
Não é o que ocorre em locais que já seguiram
este caminho, como a União Europeia, que adota o sistema de “notice and take
down” sem prejuízo à livre circulação de ideias. A decisão também não
inviabiliza a atuação ou os negócios das empresas, que já têm sistemas de
monitoramento e moderação de conteúdo de forma eficaz em outras áreas, como a
violação de direitos autorais.
É mais do que razoável exigir hoje uma maior
responsabilização das plataformas do que quando o Marco Civil foi aprovado. Em
2014, a ideia era de que elas constituiriam uma espécie de fórum neutro para a
discussão de ideias no mundo virtual. Hoje, fazem curadoria de conteúdo, seja
por meio de algoritmos complexos e pouco transparentes, e ainda estão
vulneráveis à manipulação de atores mal-intencionados, com grande influência
sobre os rumos do debate público.
O Supremo cumpriu um papel fundamental ao
estabelecer regras mais claras e rigorosas para as plataformas, isso abriu uma
avenida importante para incentivar o Congresso a agir. Deputados e senadores
devem voltar suas atenções ao tema e retomar as discussões do PL das Redes
Sociais, engavetado desde abril de 2023.
Pressão do Congresso explicita uso
eleitoreiro de emendas
Folha de S. Paulo
Em vez de cortar gastos, parlamentares querem
obrigar governo a liberar recursos para suas bases antes do pleito de 2026
Fonte de graves distorções no arranjo
institucional brasileiro, as emendas parlamentares impositivas enfim parecem
prestar um serviço ao país: fizeram cair a máscara de congressistas que
defendem o controle de gastos apenas da boca para a fora —ou seja, desde que
ninguém controle os gastos destinados ao benefício deles mesmos.
Em sua essência, o discurso é correto. A mais
importante arma na luta contra o déficit fiscal não deveria ser o aumento da já
elevada carga tributária, como sempre propõe o governo de Luiz Inácio Lula da Silva
(PT), e sim a
redução das despesas públicas.
O corolário desse raciocínio é simples:
deputados e senadores que advogam pelo fim da gastança deveriam
ser os primeiros a dar o exemplo, cortando dispêndios ao seu alcance e
barrando novas propostas que provoquem a expansão do Orçamento.
Na teoria, a necessária austeridade conta com
apoio majoritário na Câmara
dos Deputados e no Senado; na
prática, ela se converte em mera ferramenta retórica utilizada de tempos em
tempos para fustigar o Executivo.
Tome-se como exemplo as últimas sessões:
enquanto cobrava do governo iniciativas para cortar gastos, o Congresso
Nacional aprovou projetos que elevam despesas e renúncias fiscais da
União.
Mas nada é mais simbólico que o
caso das emendas parlamentares. Em grande parte de execução obrigatória,
elas devem consumir neste ano assombrosos R$ 50 bilhões, aplicados em
finalidades diversas, definidas a critério de deputados e senadores.
Não fosse pela pulverização de montantes em
empreendimentos paroquiais, pelas dificuldades impostas ao planejamento de
longo prazo e pelos obstáculos à fiscalização do dinheiro público, as emendas
poderiam ser defendidas como canais para o atendimento de demandas que escapam
aos programas estatais.
E, de fato, essa costuma ser a linha de
argumentação dos parlamentares —deixando estrategicamente de lado as inúmeras
denúncias sobre desvios envolvendo essa modalidade de gasto.
A fantasia, entretanto, não resistiu à
aproximação das eleições.
Agora, além de ignorarem a contradição existente entre propugnar o corte de
despesas e distribuir os bilhões das emendas, os congressistas passaram a
articular um cronograma
para executá-las antes da disputa de 2026.
Dito de outra forma, premidos pelo calendário
político, eles se viram forçados a confessar que o verdadeiro interesse nas
emendas está em seu uso eleitoreiro.
Não que o Executivo não recorra a expedientes
dessa natureza. Ocorre que costuma ser mais fácil monitorar o dispêndio
centralizado e, de resto, ele suscita um conjunto menor de distorções.
Líderes do Congresso têm se mostrado
incomodados com os ataques que têm sofrido nas redes. Pois está na mão deles
reagir, mostrando com atos, e não simples palavras, que estão dispostos a
melhorar a qualidade da máquina pública brasileira.
Supremo premia má gestão do Rio
Folha de S. Paulo
Estado escapa de sanções com liminar de Dias
Toffoli; garantia de socorro federal desincentiva responsabilidade fiscal
Em decisão liminar, o ministro Dias Toffoli,
do Supremo Tribunal Federal, manteve até o final deste ano o Rio de
Janeiro no Regime de Recuperação Fiscal (RRF), uma modalidade de
renegociação de dívidas com a União reservada aos estados em situação mais
precária.
Trata-se de mais uma intromissão indevida nas
relações contratuais entre os entes federativos, atualmente comprometidas por
populismo e ativismo judicial que distorcem incentivos e favorecem gestões
perdulárias —na certeza de que governadores e prefeitos serão socorridos pelo
governo federal, ele próprio hoje com finanças combalidas.
Além de garantir a continuidade no RRF por
seis meses e dar mais tempo para que o estado possa optar por aderir a um novo
programa de refinanciamento, o Propag, a liminar mantém o pagamento da
dívida fluminense com a União em R$ 4,9 bilhões neste 2025, evitando um aumento
para R$ 11,5 bilhões.
O valor maior decorreria do contrato assinado
em 2017, que previa, entre outras vantagens ao Rio, um período de carência
nos juros em
troca de uma série de medidas de ajuste nas contas, que não se deram no
montante suficiente para cumprir o acordo.
A decisão prolonga o espaço para negociações,
ao menos até que o Congresso
Nacional finalize a votação dos vetos presidenciais a dispositivos do
Propag, sendo o principal deles o que proíbe o uso do fundo regional criado na
reforma tributária para que os entes possam antecipar recursos e reduzir os
juros a pagar, de 4% anuais acima da inflação para zero.
A queda desse veto interessa aos estados. O
uso de recursos futuros, na prática, não incentivará ajustes e apenas adiará as
reformas necessárias.
Cumpre lembrar que, ao contrario do que
querem fazer crer vários governadores, juros reais de 4% são menores do que
paga hoje a União para se financiar. Não se trata de agiotagem, como dizem, mas
de estados devedores contumazes, que se mostram incapazes de caminhar com as
próprias pernas —o Rio é o exemplo principal, mas também Minas Gerais e Rio
Grande do Sul têm longo histórico de incúria.
O STF, ao intervir
repetidamente em contratos entre União e estados, dá mostras de desconsiderar o
princípio de que acordos bilaterais legalmente celebrados não deveriam ser
alterados unilateralmente por decisões judiciais.
No Brasil, estados e municípios já dispõem de
recursos próprios significativos, mas muitos
optam por gestões irresponsáveis, confiando que o STF ou o governo federal
os socorrerá.
O presidencialismo passa bem
O Estado de S. Paulo
Vaticínio de que o presidencialismo sucumbiu
ante o poder do Congresso é desculpa para o mau desempenho de Lula, que não tem
projeto claro de governo e resiste a dividir o poder
Crescem os rumores de que o presidencialismo
está morto no Brasil, mas, como diria o escritor Mark Twain, cuja morte também
foi anunciada de forma precipitada, esses rumores são claramente exagerados. As
agruras do presidente Lula da Silva em sua relação com o Congresso parecem ter
inspirado alguns comentaristas a escrever o obituário do presidencialismo, como
se o petista fosse um mau presidente não em razão de sua incompetência, mas sim
porque estaria impotente diante de um Congresso cada vez mais dominante. Ora,
isso simplesmente não é verdade.
Lula fez suas escolhas – um governo dominado
pelo PT, avesso a construir um projeto compartilhado com os aliados e cujos
ministros mais importantes e o próprio Lula habitam um olimpo inalcançável para
a maioria dos parlamentares. Não admira que o Congresso tenha dificuldade em
enxergar o governo senão como uma extensão do comitê de campanha lulopetista,
tornando muito mais difícil que haja diálogo.
A lógica dos que anunciaram as exéquias do
presidencialismo é que o Congresso tem esvaziado cada vez mais as funções do
presidente da República pelo acúmulo de poder autoconcedido sobre o Orçamento e
a fragmentação de interesses. O cientista político Sérgio Abranches, por
exemplo, disse em entrevista recente ao jornal Valor que o
Legislativo “deixou de pensar no coletivo” para privilegiar os interesses
paroquiais de deputados e senadores, em particular a reeleição, razão pela
qual, concluiu, “com esse tipo de Congresso, nenhuma reforma estrutural vai
acontecer”.
Para “pensar no coletivo”, contudo, deputados
e senadores precisam que a maior liderança política do País, o presidente da
República, também pense no coletivo. Quando o presidente só pensa em si mesmo e
em seu partido, caso óbvio de Lula, não admira que os parlamentares esqueçam o
tal coletivo. Em nenhum momento desde que tomou posse Lula ofereceu ao
Congresso um projeto claro de governo e de país, para ser negociado com os
representantes do povo.
Portanto, como escreveu o cientista político
Carlos Pereira em sua coluna neste jornal, “se há algo disfuncional no
presidencialismo multipartidário brasileiro atual, esse algo é o Executivo –
não o Legislativo”.
Como já sublinhamos nesta página não poucas
vezes ao comentar a captura de nacos cada vez mais robustos do Orçamento pelos
parlamentares, a progressão das emendas nos últimos dez anos, a bem da verdade,
é mais sintoma do que causa de um regime presidencialista fragilizado não por
fatores externos, mas pela própria tibieza e carência programática de
presidentes como Dilma Rousseff, Jair Bolsonaro e, agora, Lula da Silva. Basta
dizer que Michel Temer, malgrado sua alta impopularidade, conseguiu aprovar não
uma, mas várias reformas fundamentais para o País que, fosse outro o chefe de
Estado e de governo na ocasião, dificilmente teriam passado pelo mesmo
Congresso multipartidário que aí está.
Por que Temer obteve tantas vitórias
legislativas, a despeito de seu apelo quase negativo perante a opinião pública,
e outros não? A resposta é elementar: Temer formalizou uma coalizão de partidos
em torno de um plano estratégico para o País, o “Ponte para o Futuro”. Goste-se
ou não, tratava-se de um plano de governo digno do nome, com ações bem
definidas, cronogramas detalhados e resultados mensuráveis. Ademais, Temer
governou com o Congresso, e não para o Congresso. Seu diálogo permanente com
cada deputado e cada senador foi determinante para a construção de uma maioria
parlamentar segura e confiável. A isso dá-se o nome de política.
Vale dizer, o regime presidencialista será
tão forte quanto forte for a agenda programática do incumbente, em torno da
qual possa construir consensos duradouros com o Legislativo, e sua disposição
para dividir o poder. Noutras palavras: o Congresso, tal como é, com seus
vícios e virtudes, será o que dele fizer o presidente da República como
principal formulador da agenda nacional – algo que Lula da Silva nem
remotamente chega perto de ser em seu terceiro mandato. Portanto, não é o
presidencialismo que está à deriva, é o petista que está cada vez mais fraco
para manejar o leme.
Mais uma bomba previdenciária
O Estado de S. Paulo
Concebido para formalizar o trabalhador de
baixa renda, Microempreendedor Individual (MEI) não cumpre esse propósito a
contento e ainda impacta sensivelmente a já combalida Previdência
Criado no final de 2008 com o objetivo de
ampliar a formalização de pequenos empreendedores e trabalhadores autônomos, o
contrato de Microempreendedor Individual (MEI), popularmente conhecido como
“pejotização”, deve gerar um déficit de R$ 1,9 trilhão, nas próximas sete
décadas, no já combalido Regime Geral de Previdência Social (RGPS).
Essa é a estimativa do economista Rogério
Nagamine Costanzi, que em análise detalhada para o Observatório de Política
Fiscal da Fundação Getulio Vargas (FGV) esmiúça por que o programa, por mais
bem intencionado que seja, agrava o já tenebroso desequilíbrio financeiro da
Previdência e carece de reformulação.
Como explica Costanzi, o que começou mal
conseguiu ser piorado com o tempo. Num primeiro momento, bastava uma
contribuição de 11% do salário mínimo e contribuições simbólicas para ICMS (R$
1) e ISS (R$ 5) para que o MEI tivesse direito a benefícios tais como
aposentadoria por idade, invalidez ou incapacidade permanente, pensão por
morte, auxílio-doença (incapacidade temporária) e salário-maternidade. Contudo,
uma medida provisória posteriormente convertida na Lei 12.470/2011 reduziu a já
baixa alíquota de contribuição previdenciária para 5% do salário mínimo.
Na prática, criou-se todo um contingente de
potenciais beneficiários, sem que houvesse correspondente aumento de receitas.
O número de trabalhadores inscritos no programa saltou de 44 mil, no final de
2009, para cerca de 16,3 milhões no final de 2024, enquanto a participação do
MEI no regime geral da Previdência subiu de 1,6% em 2011 para quase 12% em
2023.
Não bastasse o crescimento acelerado de
beneficiários que contribuem muito pouco para desfrutar de uma série de
direitos, Costanzi também chama a atenção para a forte inadimplência
previdenciária dos “pejotizados”. Em 2023, apenas um em cada três MEIs contribuía
para a Previdência.
Insustentável como está, o MEI pode, mais uma
vez, mudar para pior. Debate-se no Congresso a possibilidade de se ampliar o
teto do MEI dos atuais R$ 81 mil de faturamento anual para R$ 130 mil. O
ministro do Empreendedorismo, Márcio França, entende que o teto atual está
defasado e precisa ser atualizado.
Em tese, a ampliação do teto viria
acompanhada de uma tabela progressiva de contribuição para a Previdência. Mas é
difícil acreditar que Executivo e Legislativo cheguem a bom termo em relação a
isso, não só porque vivem às turras quando se trata de responsabilidade fiscal,
como porque já há no Congresso quem defenda elevar o teto do MEI para além de
R$ 130 mil.
Não bastasse o efeito devastador sobre o
sistema previdenciário, o MEI também está muito longe de promover aquilo para o
que foi concebido: a formalização do trabalhador de baixa renda.
Ao cruzar dados da Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios Contínua de 2023 com o total de trabalhadores por conta
própria com registro no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ), Costanzi
estimou que “82,2% dos MEIs estavam entre os 50% mais ricos da população,
considerando a renda domiciliar per capita, e apenas 17,8% estavam entre os 50%
mais pobres”.
Trata-se de uma séria distorção de uma
política pública que deveria oferecer proteção social àqueles que
historicamente não contam com ela, caso de trabalhadores como vendedores
ambulantes.
Na realidade, porém, o perfil do MEI é muito
similar ao de um profissional com carteira assinada (CLT) com ensino médio ou
superior completo e que, justamente por isso, não deveria ser objeto de
políticas de proteção social quase não contributivas, como corretamente
argumenta Costanzi.
Tudo isso deveria estar no radar tanto do
Executivo, agora tão cioso do abismo entre ricos e pobres, quanto do
Legislativo, que deveria resistir a lobbies que podem ampliar ainda mais os
problemas do MEI.
Tal como está, o MEI é mais um exemplo de
política pública que não cumpre, a contento, o objetivo de incluir quem
realmente precisa de proteção social e, além disso, é estruturalmente inviável
do ponto de vista previdenciário. Posto de outra forma, é uma bomba-relógio de
amplo alcance.
Enfim, o justo ressarcimento
O Estado de S. Paulo
Pagamento de compensação a beneficiários por
fraudes em descontos no INSS não dispensa a necessidade da CPMI
O governo Lula da Silva poderá ressarcir
aposentados e pensionistas que foram vítimas da fraude revelada pela Operação
Sem Desconto sem afetar a meta fiscal. A decisão é do ministro Dias Toffoli,
que autorizou o Executivo a não contabilizar os recursos que serão utilizados
para esse fim no arcabouço. Até o momento, ao menos 3 milhões de pessoas
identificaram descontos ilegais em seus vencimentos, e o Executivo estima
gastar ao menos R$ 2,1 bilhões para compensá-los.
A decisão do ministro ainda precisa ser
referendada pelo plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), mas tudo indica
que ela será confirmada. A boa notícia é que a reparação dos prejudicados será
rápida, o que favorece tanto quem foi lesado quanto o próprio erário. Com o
acordo, a Advocacia-Geral da União (AGU) vai conseguir suspender ações
judiciais que, futuramente, poderiam gerar uma bomba fiscal, considerando a
incidência de juros e correção monetária sobre o montante.
A má notícia é que a conta sobrou para a
União, muito embora o rombo tenha sido fruto da má-fé de entidades privadas que
se aproveitaram de um público tão vulnerável como os beneficiários do Instituto
Nacional do Seguro Social (INSS). O correto seria que esses sindicatos e
associações devolvessem os valores de que se apropriaram de forma indevida.
O cálculo político-eleitoral explica a pressa
do Executivo em resolver essa pendenga. O governo quer encerrar esse imbróglio
antes do começo dos trabalhos da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito
(CPMI), pois sabe que a recuperação da popularidade do presidente Lula da Silva
depende disso.
Com o pagamento da compensação aos
beneficiários, a CPMI perderá muito de seu apelo. Enquanto a oposição ainda se
estapeia pelos cargos no colegiado, o PT e os partidos da base aliada escalaram
uma tropa de choque para controlar seus trabalhos. A demora proposital de Davi
Alcolumbre (União-AP) para ler o requerimento de criação do colegiado empurrou
a CPMI para o segundo semestre, período em que a maioria dos parlamentares já
estará mais preocupada com suas bases de olho em 2026.
Desperdiçar a oportunidade de apurar a fundo
esse esquema, no entanto, seria leviano. Autoridades como o ex-ministro da
Previdência Social Carlos Lupi e o ex-presidente do INSS Alessandro Stefanutto
ainda têm muito a explicar. Não faltaram alertas sobre a gravidade do caso, e a
demora do governo em mandar investigar e suspender os descontos associativos
sugere, no mínimo, omissão.
O Congresso também precisa ser mais
diligente, e a CPMI é ocasião perfeita para essa reflexão. Emendas que
garantiram a renovação automática dos débitos foram incluídas em três medidas
provisórias aprovadas pelo Legislativo durante o governo Bolsonaro. Sem essa
facilidade, a fraude não teria tido o mesmo alcance. Se bem conduzida, a CPMI
pode identificar as brechas que permitiram que o esquema se instalasse e propor
a criação de normas que aprimorem o controle e a fiscalização, de forma a
garantir que episódios como esse não voltem a ocorrer. É o mínimo que este
jornal espera do Legislativo.
Ciclismo e transporte urbano no Brasil
Correio Braziliense
O país registrou cerca de 15 mil mortes de
ciclistas no trânsito entre os anos de 2014 e 2024
Cada vez mais, pedalar é uma escolha comum
mundo afora, seja como meio de transporte, lazer, esporte, ou seja, mesmo forma
de socialização. O interesse aumentou tanto que rendeu uma data comemorativa, o
Dia Mundial da Bicicleta, instituído em 3 de junho pela Organização das Nações
Unidas (ONU). No Brasil, o incentivo ao uso desse modal sustentável também é
crescente, mas diversas questões barram o avanço da prática. Mesmo diante de
amplos benefícios, a falta de segurança pesa e afasta os brasileiros das bikes.
Segundo dados do Ministério da Saúde, com
base em outras fontes legítimas, o país registrou cerca de 15 mil mortes de
ciclistas no trânsito entre os anos de 2014 e 2024. Esse cenário assusta ainda
mais quando se pensa sobre a quantidade de acidentes sem óbitos, mas com marcas
profundas, que acontecem diariamente pelo território nacional. Para esse
público, a insegurança no trânsito ganha proporções maiores e demanda a plena
conscientização da população.
O ciclismo urbano carrega na garupa os
problemas da mobilidade no ambiente das cidades: desrespeito às regras e à
convivência, descuido, falta de infraestrutura adequada, ausência de
planejamento e de modernização.
No caso do transporte em duas rodas, o
restrito investimento em ciclovias e ciclofaixas agrava o quadro uma vez que,
sem espaços ideais, os ciclistas se arriscam em asfaltos irregulares e
esburacados, potencializando a ocorrência de tragédias. Isso quando não
precisam enfrentar vias destinadas às "magrelas" vandalizadas ou
invadidas por veículos e pedestres, num quadro de perigo iminente.
É claro que a realidade apresenta muitos
praticantes que não cumprem as leis e acabam contribuindo para as estatísticas.
O uso de equipamentos apropriados, como capacetes, e a manutenção correta das
bicicletas não podem ser negligenciados. Para evitar essas imprudências,
campanhas de orientação e fiscalização devem ser constantes e eficazes.
Uma medida fundamental, mas que o país ainda
não avançou, é a harmonia do transporte cicloviário com as opções públicas
(ônibus e metrô). Sem uma integração eficiente, os ciclistas encaram empecilhos
para combinar a bicicleta com esses meios durante os longos deslocamentos.
Cidades que lidam com o caos urbano — como Belo Horizonte, Brasília, São Paulo,
Rio de Janeiro e Curitiba — têm buscado ampliar a presença do ciclismo pelas
ruas, mas seus esforços precisam ser maiores e, ao mesmo tempo, os exemplos delas
devem ser seguidos.
Fato é que o Brasil, diante de tantas
dificuldades para implantar alternativas viáveis de locomoção, não pode ignorar
o potencial das bicicletas nessa busca por soluções, muito menos fechar os
olhos para o crescimento das mortes de ciclistas. Os agentes envolvidos nas
políticas de mobilidade dos municípios precisam perceber que é primordial
investir nessa possibilidade deslocamento, que desafoga o trânsito, contribui
para o meio ambiente e melhora a saúde dos moradores.
A cultura do transporte motorizado vem
perdendo força diante dos problemas do mundo moderno, como a necessidade de
reduzir os índices de poluição. Fazer do ciclismo um meio de transporte
eficiente e seguro é um desafio, mas as cidades que encontrarem o caminho vão
dar um passo significativo rumo à qualidade de vida.
Ter a Cidade limpa demanda ação coletiva
O Povo (CE)
Pessoas físicas, empresas, instituições e
poder público devem agir de forma conjunta e integrada para que cada mais os
resíduos sejam descartados corretamente
No primeiro semestre de 2025, 329 mil
toneladas de resíduos descartados irregularmente foram coletados em Fortaleza.
São cerca de 54,8 mil toneladas mensais, custando pelo menos R$ 15 milhões por
mês, conforme o secretário da Conservação e Serviços Públicos, José de Abreu
Machado, à Rádio O POVO CBN na última semana. A quantidade recolhida é quase
20% superior ao total coletado regularmente no mesmo período (276 mil toneladas
de resíduos domiciliares), o que dá alguma dimensão da sujeira.
Trazendo uma medida mais visual, conforme a
Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente (Abrema), cada brasileiro
descarta, em média, 382 kg de lixo ao ano. É como se, em seis meses, 1.722.513
pessoas (cerca de 70% dos fortalezenses) tivessem jogado todo seu lixo em
locais inapropriados. E isso somente do total recuperado após o descarte
errado.
"Muitas vezes, a impressão que fica é
que a gente está 'enxugando gelo'. A gente limpa pela manhã, mas à tarde o
mesmo local já está sujo", disse o prefeito Evandro Leitão (PT). A fala se
deu também na semana passada quando, ao programa O POVO no Rádio, o chefe do
Executivo municipal enfatizou as dificuldades para manter a faxina da Cidade.
Os gestores estão verbalizando o problema — e
sem apontar gestões anteriores ou falta de recursos financeiros. Fortalezenses
e turistas estão vendo e sentindo. Será que cada, casa, condomínio,
instituição, empresa e até órgão público entende ter responsabilidade apenas
com o próprio asseio? Se sim, como fica a higiene da casa comum? Esta precisa
da ação coletiva para acontecer.
Iniciativa pública recente é o caminhão
Limpezinha. Desde maio é possível marcar a coleta de móveis e eletrodomésticos
velhos, restos de madeira e ferragens, e pneus. A rota é definida semanalmente,
conforme solicitações feitas por meio da Central 156, nas Regionais ou pelo SAC
da Ecofor (0800 275 4400).
Outra ação é o programa Joga Limpo, que une
conscientização ambiental ao cotidiano dos colégios municipais. Alunos são
incentivados a fiscalizar os pontos de lixo próximos às suas escolas e
residências e a levar materiais recicláveis às escolas. Ao mesmo tempo, a
Prefeitura faz orientações porta a porta, além de limpar e sinalizar os locais
de descarte irregular.
Algo está sendo feito; é necessário
acompanhar e cobrar que siga acontecendo. Ao mesmo tempo, o que cada um pode
fazer? Você conhece o caminhão Limpezinha? E sabe quando se dá a coleta
domiciliar no seu bairro? A Ecofor disponibiliza esse cronograma e aconselha:
coloque o lixo na porta de casa somente no dia e horário em que o caminhão
passará por ali.
Existem ainda os Ecopontos, onde é possível
descartar material reciclável e receber desconto na conta de energia elétrica.
Por fim, mas não menos importante, que tal reduzir o lixo que produzimos
diariamente?
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