Valor Econômico
Estratégia pode dificultar o avanço da agenda
da equipe econômica no parlamento, além de piorar a qualidade do debate sobre
política fiscal e sobre a agenda para reduzir a injustiça tributária
Nos últimos dias, o governo e o PT entraram
pesado na campanha do “nós contra eles”, martelando a ideia de que promovem
medidas em defesa dos mais pobres, enquanto sofreriam a oposição do Congresso e
dos mais ricos. Esse maniqueísmo acirrou os ânimos com deputados e senadores, o
que pode dificultar o avanço da agenda da equipe econômica no parlamento, além
de piorar a qualidade do debate sobre política fiscal e sobre a agenda para
reduzir a injustiça tributária no país, num momento em que as incertezas sobre
as contas públicas continuam elevadas.
A estratégia usa argumentos falaciosos, a começar por incluir o aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), derrubado por deputados e senadores, como uma medida que atingiria principalmente os mais ricos. Como a elevação do IOF encarece o crédito, ela pesa mais sobre os mais pobres, mais endividados do que a parcela da população de renda elevada.
O governo aumentou o tributo porque precisava
elevar a arrecadação rapidamente, devido às dificuldades para cumprir as metas
do arcabouço fiscal. Mesmo congelando R$ 31 bilhões de gastos do orçamento
deste ano, o IOF foi elevado para garantir uma receita extra de R$ 20,5 bilhões
em 2025 e R$ 41 bilhões em 2026. Diante da má repercussão, voltou atrás em
parte da alta do tributo no mesmo dia do anúncio da medida, em 22 de maio,
revogando o aumento sobre a aplicação de fundos brasileiros no exterior e de remessas
de investidores pessoas físicas para fora do país. O governo também recuou em
mais alguns itens em junho, diminuindo a taxa sobre as operações de risco
sacado, que envolvem antecipação de recursos a fornecedores. Na sexta-feira, o
ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu os
efeitos dos decretos de Lula e do Congresso sobre o IOF, convocando uma
audiência de conciliação em 15 de julho.
Para compensar a perda de arrecadação com os
recuos sobre o tributo, a equipe econômica propôs medidas como o fim da isenção
de títulos incentivados, como LCIs, LCAs, CRIs e CRAs (voltados para o
agronegócio e o setor imobiliário) e debêntures de infraestrutura, a partir de
2026. Taxar esses papéis incentivados faz sentido, ainda que seja discutível no
caso das debêntures de infraestrutura. A isenção de Imposto de Renda (IR) levou
a emissão desses papéis a dar um salto enorme, de R$ 436,8 bilhões em janeiro
de 2020 para R$ 1,981 trilhão em maio deste ano. A alíquota estabelecida, de
5%, ainda é bem inferior aos 17,5% definidos para a tributação das outras
aplicações financeiras, e o estoque de quase R$ 2 trilhões não foi taxado. A
medida, desse modo, corrige uma distorção, que implica uma renúncia fiscal de
cerca de R$ 40 bilhões, nas contas do Ministério da Fazenda, que vê ainda uma
canibalização dos títulos públicos pelos papéis incentivados, reduzindo a
participação dos prefixados na dívida pública.
A maior parte desses papéis fica nas mãos de
grandes investidores, mas aplicadores de pequeno porte também detêm esses
títulos, recomendados por qualquer gerente de banco para clientes do varejo.
Não é o caso de isentá-los na compra de LCIs ou LCAs; o ponto é que é uma
caricatura classificar todos os investidores que compram esses papéis como
super-ricos, como a retórica do “nós contra eles” faz soar.
Da agenda do governo, a medida que procura
mais diretamente promover a justiça tributária é a proposta de isenção de IR
para quem ganha até R$ 5 mil por mês e o desconto para quem recebe entre esse
valor e R$ 7 mil. A iniciativa deve gerar um renúncia fiscal de cerca de R$ 25
bilhões por ano, a ser compensada com uma tributação mínima de quem tem renda
de R$ 600 mil por ano ou mais, entrando nesse cálculo o recebimento de
dividendos, hoje isentos. Reduzir a regressividade do sistema tributário é uma
medida necessária e bem-vinda. A questão é como isso será feito. Dado o nível
de rendimento médio do trabalho no Brasil, de menos de R$ 3.500 por mês, o
limite de isenção de R$ 5 mil parece elevado.
Além disso, há dúvidas sobre algumas medidas
de tributação mínima dos mais ricos. Talvez fosse mais simples reinstituir, de
um lado, a taxação sobre os dividendos da pessoa física, ao mesmo tempo em que
se reduziria, de outro, a alíquota do imposto sobre os lucros das empresas, que
chegam a 34% no caso das empresas não financeiras, bem mais alta que a média
internacional. Nos países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento
Econômico (OCDE), a taxa fica perto de 24%.
A proposta do governo busca contemplar esse
ponto, mas pode haver complicações na implementação da medida, dadas as suas
características. Pelo projeto enviado ao Congresso, a combinação da tributação
efetiva da empresa e da taxação dos dividendos recebidos pela pessoa física não
pode superar os 34%; se isso ocorrer, o contribuinte terá a restituição da
diferença na declaração anual de IR. É um mecanismo que parece complexo. Não é
simples, por exemplo, calcular a carga efetiva sobre as companhias. Além disso,
a proposta do governo não mexe diretamente nas brechas dos regimes especiais
como o Simples e o Lucro Presumido, que permitem a pessoas físicas com
rendimentos muito altos pagarem pouco imposto.
Como se vê, é um tema técnico, de grande
complexidade, cuja tramitação no Congresso não será simples. É necessário que
as medidas sejam bem desenhadas e bem negociadas. Nesse cenário, a campanha do
governo do “nós contra eles” tende a dificultar o que já não será fácil. O
risco é não se promover justiça tributária e não se compensar devidamente a
perda de receita que haverá com a ampliação da isenção do IR - além de piorar a
crise entre os Poderes.
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