segunda-feira, 14 de julho de 2025

A Democracia, os Três Poderes e a Sociedade - Ricardo Marinho*

A crispação inesperada envolvendo Decretos do Poder Executivo (12.499, 12.467 e 12.466) e Decreto Legislativo (176) do Poder Legislativo (Congresso Nacional) pode ter muitas causas imediatas, mas elas não explicam completamente o desastre. Nenhuma dessas medidas possui qualquer condão carismático, como costuma ser dito de forma descuidada. Max Weber (1864-1920) nos ensinou que existem diferentes tipos de carisma. Em tempos de dificuldades para a razão democrática e de ascensão do populismo (como nos recordou a pouco Pierre Rosanvallon estaríamos no seu século), onde as decisões de voto tendem a ser moldadas muito mais por emoções, identificação e proximidade empática (positiva e/ou negativa), as medidas em tela clamam possuir essas adjetivações, juntamente com a liderança, a inteligência e o caráter para aspirar ser a liderança que as adotou em prol do Brasil.

Entretanto, os erros profundos pertencem aos Poderes envolvidos ainda que não só. O resultado é a cristalização, embora não definitiva, porque em política nada é definitivo, de um processo que começou muito antes e coincidiu com o fim do impulso propulsor dos governos da Transição à Democracia, que buscaram combinar crescimento econômico, desenvolvimento democrático, redução da pobreza e da desigualdade, mobilidade social e modernização democrática.

Durante esses períodos, o Brasil emergiu de suas sombras históricas apresentado e reconhecido mundialmente pelo Ainda estou aqui para se tornar um país democrático e em republicanização a despeito da sua formalidade existente, frequentemente crescendo acima da média regional e global, onde aqueles que mais progrediram foram os mais pobres da população. Com erros, é claro! Tampouco se pretendia fazer uma revolução e/ou alcançar um paraíso terrestre. A gradualidade e os acordos específicos com a oposição foram usados ​​como um método de progresso que tem ajudado a trazer transformações essenciais. Não criou o melhor dos países, mas criou um que pode avançar relativamente bem, construindo o edifício do progresso de sua bandeira andar por andar e fazendo isso com sensatez. Os extremos não eram apenas uma minoria, mas quase simbólicos.

O desenvolvimento global que acompanhou essa nossa andata tornou-se, com o tempo, mais severo, mais robusto e mais complexo para as democracias. Com a crise global de desregulamentação financeira de 2009, as desigualdades aumentaram em todo o mundo, as classes médias se sentiram traídas e a soberania, os populismos e novas formas de autoritarismos com autocracias e não só, cresceram em meio a uma desordem geopolítica que levou à vertigem existencial atual.

Essa mudança afeta o Brasil, mas, em vez de cerrar fileiras, a Frente Democrática que nos trouxe para o bom caminho tem sido escanteada quando não esquecida pois esse Poder Executivo foi instado por ela pelo voto e ele assim o reconheceu no histórico discurso na solenidade da sua posse no Congresso Nacional em 1 de janeiro de 2023. Deslumbra-se com um infantilismo ideológico das geografias políticas de momento (e não só) que faz despertar sonhos delirantes com olhares de inveja para os processos populistas nos países vizinhos, os mesmos que, sem exceção, terminaram mal. O projeto coletivo da centro-esquerda com mãos dadas na Frente Democrática foi deixado ao leu. O cauteloso método reformista foi substituído por transformações ideológicas, algumas delas mal concebidas. A Frente Democrática foi ficando até aqui com o santo e a esmola, e a centro-esquerda se encontra no limbo e vamos assistindo um projeto de refundação da esquerda. Isso mantem aberto o caminho para aquele Brasil recessivo, onde também se alimenta a extrema-direita, construída com espírito autoritário em nome da ordem e da segurança.

Esta é a origem do tensionamento das Ações Direta de Inconstitucionalidade (ADIs) a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) apresentados ao Órgão de Cúpula do Poder Judiciário (Guardião da Constituição Federal – Supremo Tribunal Federal – STF), que pode reforçar os níveis de polarização em um país que precisa de acordos sérios. Essa é a determinação da Decisão Conjunta das ADI 7827, 7839 e ADC 96 no caminho do distensionamento e conciliação. Sob qualquer hipótese enfraqueceu seu papel pró estabilidade, além de fortalecer, esperançosamente por pouco tempo, a direita mais radical, e a centro-esquerda seguirá derrotada ou tão só um enfeite no prato frio da debilitada coalizão governista. Por essa e por outras é que nunca se ataca uma ambulância.

A esquerda democrática e o centro democrático devem iniciar uma longa jornada para reconstruir a Frente Democrática, recuperar sua vitalidade e promover suas ideias, buscando pontos em comum com seus atuais aliados, sempre dispostos ao diálogo e sem restrições. Só assim conseguirão consolidar sua credibilidade e obter um apoio mais forte.

A centro-direita deveria fazer algo semelhante: abandonar a busca por uma virtude inexistente no mal personificado pela ditadura e abraçar firmemente a democracia para ajudar a moldar um arco democrático que não exclua o consenso. Se nada disso for feito, o país sofrerá, sobretudo os subalternos. Seremos um barco sem leme, impulsionado por forças extremas e quando não populistas, à espera de uma onda mágica que nunca virá para nos levar de volta à terra firme cada vez mais distante.

*Ricardo Marinho é Presidente do Conselho Deliberativo da CEDAE Saúde e professor da Faculdade Unyleya, da UniverCEDAE e do Instituto Devecchi.

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