Entretanto, os erros profundos pertencem aos
Poderes envolvidos ainda que não só. O resultado é a cristalização, embora não
definitiva, porque em política nada é definitivo, de um processo que começou
muito antes e coincidiu com o fim do impulso propulsor dos governos da
Transição à Democracia, que buscaram combinar crescimento econômico,
desenvolvimento democrático, redução da pobreza e da desigualdade, mobilidade
social e modernização democrática.
Durante esses períodos, o Brasil emergiu de
suas sombras históricas apresentado e reconhecido mundialmente pelo Ainda
estou aqui para se tornar um país democrático e em republicanização a
despeito da sua formalidade existente, frequentemente crescendo acima da média
regional e global, onde aqueles que mais progrediram foram os mais pobres da
população. Com erros, é claro! Tampouco se pretendia fazer uma revolução e/ou
alcançar um paraíso terrestre. A gradualidade e os acordos específicos com a
oposição foram usados como um método
de progresso que tem ajudado a trazer transformações essenciais. Não
criou o melhor dos países, mas criou um que pode avançar relativamente bem,
construindo o edifício do progresso de sua bandeira andar por andar e fazendo
isso com sensatez. Os extremos não eram apenas uma minoria, mas quase
simbólicos.
O desenvolvimento global que acompanhou essa nossa andata tornou-se, com o tempo, mais severo, mais robusto e mais complexo para as democracias. Com a crise global de desregulamentação financeira de 2009, as desigualdades aumentaram em todo o mundo, as classes médias se sentiram traídas e a soberania, os populismos e novas formas de autoritarismos com autocracias e não só, cresceram em meio a uma desordem geopolítica que levou à vertigem existencial atual.
Essa mudança afeta o Brasil, mas, em vez de
cerrar fileiras, a Frente Democrática que nos trouxe para o bom caminho tem
sido escanteada quando não esquecida pois esse Poder Executivo foi instado por
ela pelo voto e ele assim o reconheceu no histórico discurso na solenidade da
sua posse no Congresso Nacional em 1 de janeiro de 2023. Deslumbra-se com um
infantilismo ideológico das geografias políticas de momento (e não só) que faz
despertar sonhos delirantes com olhares de inveja para os processos populistas nos
países vizinhos, os mesmos que, sem exceção, terminaram mal. O projeto coletivo
da centro-esquerda com mãos dadas na Frente Democrática foi deixado ao leu. O
cauteloso método reformista foi substituído por transformações ideológicas,
algumas delas mal concebidas. A Frente Democrática foi ficando até aqui com o
santo e a esmola, e a centro-esquerda se encontra no limbo e vamos assistindo
um projeto de refundação da esquerda. Isso mantem aberto o caminho para aquele
Brasil recessivo, onde também se alimenta a extrema-direita, construída com
espírito autoritário em nome da ordem e da segurança.
Esta é a origem do tensionamento das Ações
Direta de Inconstitucionalidade (ADIs) a Ação Declaratória de
Constitucionalidade (ADC) apresentados ao Órgão de Cúpula do Poder Judiciário
(Guardião da Constituição Federal – Supremo Tribunal Federal – STF), que pode
reforçar os níveis de polarização em um país que precisa de acordos sérios.
Essa é a determinação da Decisão Conjunta das ADI 7827, 7839 e ADC 96 no
caminho do distensionamento e conciliação. Sob qualquer hipótese enfraqueceu
seu papel pró estabilidade, além de fortalecer, esperançosamente por pouco
tempo, a direita mais radical, e a centro-esquerda seguirá derrotada ou tão só
um enfeite no prato frio da debilitada coalizão governista. Por essa e por
outras é que nunca se ataca uma ambulância.
A esquerda democrática e o centro democrático
devem iniciar uma longa jornada para reconstruir a Frente Democrática,
recuperar sua vitalidade e promover suas ideias, buscando pontos em comum com
seus atuais aliados, sempre dispostos ao diálogo e sem restrições. Só assim
conseguirão consolidar sua credibilidade e obter um apoio mais forte.
A centro-direita deveria fazer algo semelhante: abandonar a busca por uma virtude inexistente no mal personificado pela ditadura e abraçar firmemente a democracia para ajudar a moldar um arco democrático que não exclua o consenso. Se nada disso for feito, o país sofrerá, sobretudo os subalternos. Seremos um barco sem leme, impulsionado por forças extremas e quando não populistas, à espera de uma onda mágica que nunca virá para nos levar de volta à terra firme cada vez mais distante.
*Ricardo Marinho é Presidente do Conselho Deliberativo da CEDAE Saúde e professor da Faculdade Unyleya, da UniverCEDAE e do Instituto Devecchi.
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