segunda-feira, 14 de julho de 2025

Uma aposta ruim - Irapuã Santana

O Globo

Tudo bem que o brasileiro gosta de fazer uma fezinha. Mas recentemente o país registrou salto muito além do histórico nas apostas

Um novo estudo surgiu sobre o desastre que tem ocorrido no Brasil em relação às bets: muita gente tem deixado de estudar por causa do vício em apostas esportivas on-line. Dos apostadores entrevistados na pesquisa O Impacto das Bets 2, da Associação Brasileira de Mantenedoras do Ensino Superior, 34% dizem que precisarão parar de apostar para entrar na faculdade.

A maior parte dos apostadores em plataformas on-line no Brasil é composta por homens (85%). Independentemente do gênero, a ampla maioria está inserida no mercado de trabalho (85%) e tem filhos (72%). Em termos socioeconômicos, destaca-se que 38% pertencem à classe B e 37% à classe C, sugerindo forte adesão em estratos de renda intermediária. Além disso, 79% têm como principal fonte de renda o salário do trabalho, revelando dependência direta do orçamento familiar para manter os hábitos de aposta. Quarenta por cento têm entre 26 e 30 anos, enquanto 30% estão na faixa de 31 a 35 anos, evidenciando concentração significativa entre jovens adultos em fase produtiva, com responsabilidades familiares. Segundo a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo, o varejo deixou de faturar R$ 117 bilhões em 2024 por causa do redirecionamento dos recursos das famílias para as bets.

Tudo bem que o brasileiro gosta de fazer uma fezinha. Muita gente joga na Mega-Sena da Virada, outros apostam em corridas de cavalo, sinuca ou qualquer outra coisa. É certo, na cultura dos subúrbios e periferias, que sonhar com determinado animal é sinal de que ele sairá no jogo do bicho da manhã, tarde ou noite.

Mas, recentemente, houve salto muito além do nosso histórico. O setor de apostas on-line cresceu 734,6% entre 2021 e 2024, segundo levantamento da plataforma de análise de dados Datahub. Significa dizer que há muita gente que nunca foi de apostar entrando no ramo. Como isso aconteceu? O raciocínio por trás da publicidade com as bets é que elas são uma espécie de investimento acessível a todo mundo, e essa pequena abertura é o caminho necessário para pescar o apostador.

O neurocientista Alvaro Machado Dias, livre-docente da Universidade Federal de São Paulo, explica o mecanismo:

— A esperança é um sentimento intrinsecamente recompensador. Circuitos dopaminérgicos, envolvendo os gânglios da base (onde se origina a doença de Parkinson, que traz grande risco de vício), convertem aquilo que era originalmente comportamento motivado (tenho esperança, decido apostar) em comportamento compulsivo. Por fim, o que era comportamento baseado em reforço positivo (tenho esperança, ela me deixa bem, eufórico; ganhei um tanto já, logo, jogo), torna-se comportamento baseado em reforço negativo (fico mal demais quando não jogo; logo, jogo).

Podemos concluir que a regulação das bets não necessita apenas de análise no sentido de proibir ou liberar, mas sim de elaboração dos incentivos no entorno do jogo. A forma como são atraídos os apostadores é o que diferencia as bets dos demais jogos. É possível cuidar sem interditar e sem espetacularizar. A questão é: será que nosso Congresso quer isso?

 

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