sexta-feira, 18 de julho de 2025

Descobriram quem são os Bolsonaros? - Fernando Luiz Abrucio

Valor Econômico

Saber quem são, de verdade, os governadores que bajulam o ex-presidente e se vendem como moderados é central para o futuro do país. Afinal, é preciso saber com quem se contará na próxima pancada de Trump

O presidente Trump causou duas hecatombes no Brasil em uma só tacada. A primeira com o aumento escandaloso de 50% das tarifas, algo mais próximo de uma sanção contra uma nação inimiga. A segunda foi a forma que propôs para rever a decisão: bastava que as instituições brasileiras salvassem a família Bolsonaro - o pai Jair e o filho Eduardo -, que tudo seria esquecido. Essa vendeta trumpista, típica de mafioso, foi apoiada pelos governadores Zema, Tarcísio, Ratinho Jr. e Caiado, que depois se arrependeram, mas sem romper com o “mito”. Após esse escorregão, fica a pergunta: esse grupo da direita brasileira é incapaz de entender o perverso significado do bolsonarismo?

Quem se surpreendeu com esse casamento entre Trump e os Bolsonaros, e o tipo de decisão que produziram, ficou os últimos anos fora do planeta Terra - ou então concorda com a forma extremista que pensam. Em relação ao presidente americano, a intempestividade e a chantagem são marcas de seus governos, tendo crescido ainda mais agora por ter ampliado o seu poder. O Brasil não é o primeiro a sofrer com isso. O trumpismo, como toda a extrema direita que se alimenta das ideias totalitárias de Carl Schmitt, segue a lógica do amigo versus o inimigo, tanto no plano interno como no externo. E o presidente Lula é certamente um alvo preferencial de Trump.

O sentimento de guerra contra o lulismo está contido em dois elementos. O primeiro é ideológico, e o segundo, geopolítico. Começando por esse último, Trump pretende ampliar seu poder nas áreas americanas de influência e evitar que países estratégicos saiam de seu controle. O Brasil é um deles, especialmente por suas fortes relações com a China - esqueçam o Brics, uma arena de diálogo entre nações muito heterogêneas que por ora nem cócegas faz nos Estados Unidos.

Resumo da ópera trumpista: o Brasil fica nas Américas e é grande demais para estar mais próximo da China do que dos EUA. Trump irá usar chantagens comerciais e ameaças contra as instituições públicas dos países para conseguir seu intento de ser o novo imperador de um mundo dominado pelos Estados Unidos, sem repartição de hegemonia. Nesta situação, a soberania brasileira está em jogo, é preciso defendê-la com firmeza, mas também é fundamental não cutucar o governo americano com provocações desnecessárias e irrealistas frente ao nosso efetivo poder geopolítico.

A geopolítica explica parte da decisão contra o Brasil, mas o fator ideológico tem sempre um peso muito grande quando o ator é de extrema direita. Foi com uma ideologização que torna inseparáveis a política da vida cotidiana das pessoas que esse grupo cresceu em várias partes do mundo. Esse novo populismo, nitidamente autoritário, soube como ninguém se posicionar numa era do espetáculo, na qual corações e mentes são conquistados por um modelo polarizado de alimentar o ódio contra os inimigos e de adorar efusivamente e sem questionamento os seus líderes.

Trump e Bolsonaro estão no mesmo barco ideológico, formado por um grupo extremista bastante organizado no plano internacional, com uma organicidade e estratégia muito maiores que o centro, a esquerda e a direita liberal ao redor do mundo. O trumpismo quer que um bolsonarista, ou alguém referendado pelo bolsonarismo, ganhe as eleições de 2026. A sanção comercial que o Brasil sofreu tem forte relação com isso, infelizmente. Daí que o casamento ideológico com o bolsonarismo se alinha à lógica geopolítica da decisão comercial americana.

Nesse sentido, o velho bordão bolsonarista tem de ser mudado: minha família acima de tudo, Trump acima de todos - Bolsonaro chegou a dizer nesta semana que é “apaixonado” pelo presidente americano. Nosso ex-presidente, na verdade, sempre adotou um patriotismo fake, subserviente a Trump e condicionado aos interesses da família e dos amigos. Todo o restante do script, da camisa amarela da seleção às juras pelo respeito às quatro linhas da Constituição, eram encenação frente aos seus efetivos objetivos.

A articulação de Eduardo Bolsonaro com o trumpismo e a reação imediata de regozijo de seu pai, bem como de outros líderes bolsonaristas, escancarou o falso patriotismo desse grupo. O importante seria salvar a família Bolsonaro, mesmo que tivesse de colocar o país de joelhos. O interesse pessoal à frente do interesse nacional - na hora de comemorarem a decisão de Trump, e comemoraram efusivamente, se esqueceram dos negócios em diversos setores e milhares de empregos que seriam rifados para agradar ao líder da extrema direita brasileira. Fica aqui a lição ao empresariado brasileiro.

Ficou muito evidente que a família Bolsonaro estava fazendo com o país o que a famosa música de Chico Buarque descreve que uma elite fez com sua cidade. Bastava aceitar a chantagem feita pelo Zepelim de Trump e entregar as instituições brasileiras ao controle do governante estrangeiro, que tudo estaria resolvido. Mas, se isso fosse feito, o Brasil se chamaria Geni e o verdadeiro patriotismo teria sido morto pelo bolsonarismo.

O efeito gigantesco da decisão trumpista para a economia brasileira fez com que os governadores que cortejam o apoio de Bolsonaro para 2026 mudassem, mesmo que envergonhadamente, sua posição inicial. Melhor que fiquem com o Brasil e não sejam subservientes a Trump - afinal, foram eleitos por brasileiros para defendê-los.

Porém, imagine que a decisão fosse outra: em vez de optar pela sanção comercial, Trump punisse, de alguma forma, o ministro Alexandre de Moraes, o que seria só o começo, porque mais adiante, para ser uma chantagem crível, deveria haver punições a mais autoridades, o que significa tentar manietar as instituições brasileiras. Isso seria aceitável por Zema, Tarcísio, Ratinho Jr. e Caiado? Nem faço a pergunta para os Bolsonaros, porque o patriarca tentou dar um golpe de Estado, o que mostra o pouco apreço pela democracia brasileira. Afinal, como disse o filho Eduardo, antes da posse do pai, para fechar o STF bastava um soldado e um cabo.

Se a opção trumpista fosse pela punição contínua de autoridades e instituições brasileiras, estaria em jogo a democracia brasileira, gerando uma guerra política que, ao fim e ao cabo, teria efeitos econômicos ruins, com impactos negativos para empresários e trabalhadores. A proposta de pacificação feita pelos Bolsonaros, sobejamente conhecidos por uma trajetória pacificadora em seus discursos e atos, seria a de quebrar o regime democrático. Zema, Tarcísio, Ratinho Jr e Caiado concordam com isso?

Já faz tempo que tais governadores têm se comportado, tristemente, como seguidores de Bolsonaro, e não como importantes lideranças da Federação brasileira. Não questionaram a evidente tentativa de golpe de Estado liderada por Bolsonaro, como se esqueceram das maldades do governo bolsonarista: desmatamento, abandono de populações indígenas, discurso racista e machista que grassava pela Esplanada dos Ministérios, desastrosa gestão da pandemia - 700 mil mortos e mais de um ano com 5 milhões de crianças sem um padrão nacional de educação - e, para voltar à política externa, as provocações perigosas à China, nosso principal mercado para exportação e maior investidor no país.

Se voltar ao poder alguém que apenas siga as ordens do bolsonarismo, há enormes chances de briga com o governo chinês, com resultados econômicos ainda mais desastrosos do que o embargo trumpista.

As lideranças que cotejam o apoio de Bolsonaro também estão ignorando os efeitos do trumpismo para o Brasil, adotando o boné do “Make America Great Again” como vestimenta de festa - e sorrindo para a foto. Não precisamos e nem devemos brigar com os Estados Unidos, um parceiro relevante que vai além dos governos de ocasião. Só que milhares de brasileiros serão expulsos dos Estados Unidos até o final de 2026. O que os governadores intitulados bolsonaristas moderados têm a dizer sobre isso aos eleitores brasileiros? É provável que o Mercosul consiga um acordo com a União Europeia e o Brasil aprofunde cada vez mais as relações econômicas com a Ásia, sobretudo com a China. Se Trump quiser melar esses negócios, o que dirão Zema, Tarcísio, Ratinho Jr. e Caiado?

Aparentemente, esses governadores só entenderam os efeitos nefastos do bolsonarismo com a bomba comercial nuclear jogada por Trump no Brasil, que vai prejudicar o país em nome da salvação do patriarca bolsonarista. Mas a reviravolta dessas lideranças tem sido tímida e ainda tentando manter Jair Bolsonaro no armário, para ninguém ver. Será mesmo que descobriram quem são realmente os Bolsonaros?

Há três hipóteses aqui. A primeira é que tais governadores, ou a maioria deles, ainda são amadores e não compreenderam o que está em jogo - neste caso, não estão preparados para serem lideranças nacionais. A segunda possibilidade é que são cínicos, querendo apenas o espólio eleitoral, o que é preocupante porque a extrema direita não vai deixá-los em paz na eleição de 2026. Por fim, pode ser que comunguem de quase todas as ideias do bolsonarismo, mas escondam o seu perfil ideológico com a máscara de moderados. Aí é mais perigoso, porque poderiam gerar um estelionato eleitoral.

Saber quem são, de verdade, os governadores que bajulam Bolsonaro e se vendem como moderados é algo central para o futuro do país. Afinal, é preciso saber com quem se contará na próxima porrada que Trump dará no Brasil.

*Fernando Abrucio, doutor em ciência política pela USP e professor da Fundação Getulio Vargas.

 

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