Lula precisa vetar trechos do PL do Licenciamento
O Globo
Projeto aprovado na Câmara agrava devastação
ambiental. O possível agora é tentar conter os danos
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva
precisa vetar os artigos mais descabidos do Projeto de Lei (PL) que estabelece
novas regras para o licenciamento ambiental, aprovado pela Câmara de afogadilho
na madrugada desta quinta-feira. Apelidado “PL da Devastação” pelos
ambientalistas, o texto aprovado contribui para ampliar a degradação ambiental
no Brasil. Criticado por representantes do setor produtivo, da comunidade
científica e de entidades ligadas à conservação, foi votado de forma açodada
por pressão da bancada ruralista.
É verdade que a legislação precisava ser atualizada. Mas, da maneira como ficou, o texto representa um retrocesso. Seus defensores argumentam que, sem flexibilizar as exigências, não haverá desenvolvimento. Não é verdade. Com regras apropriadas, o país tem plena condição de zelar pelos recursos naturais e, ao mesmo tempo, incentivar produção e obras de infraestrutura. Entre idas e vindas no Parlamento, a pressão dos ruralistas tornou inócuos os termos razoáveis da proposta inicial. O estrago está feito. A alternativa possível é a redução de danos.
O principal ponto que Lula deveria vetar é a
criação de um instrumento chamado Licença por Adesão e Compromisso. Por meio
dele, donos de empreendimentos de pequeno e médio potencial poluidor poderão
apenas prometer seguir a lei para ir adiante com seus planos. Nenhum estudo de
impacto ambiental será exigido. Visitas de fiscais serão feitas apenas por
amostragem e anualmente. Na prática, tal licença institucionaliza a vista
grossa. Se, com a legislação atual, que exige três fases de verificação, a
devastação continua grande, que esperar de uma licença autodeclaratória? “Do
ponto de vista científico, a proposta submete os biomas, já ameaçados por
trajetória de ‘não retorno’, a uma situação crítica”, afirma manifesto de
cientistas.
Outro ponto que merece veto é a desvinculação
do licenciamento ambiental da outorga de uso da água. A medida “ignora, por
completo, a progressiva redução de disponibilidade de água no solo devido ao
avanço da redução de chuvas já sofrida por vastas regiões do país”, diz o
manifesto. Sem o devido gerenciamento dos recursos hídricos, disputas
envolvendo agricultores tendem a pôr em risco o acesso a água de qualidade e em
quantidade. “Essa mudança é mais um enfraquecimento do poder de regulamentação
sobre o meio
ambiente no Brasil”, afirma o físico Paulo Artaxo, uma das maiores
autoridades ambientais brasileiras. Por fim, é inaceitável o “jabuti” inserido
no Senado que praticamente desmonta a lei de proteção da Mata Atlântica.
Uma nova legislação para o licenciamento
ambiental era necessária para desbastar o cipoal regulatório sobre as licenças.
A reforma se tornou urgente em 2011, quando uma lei complementar reforçou
poderes estaduais e municipais. Hoje, regras que valem num estado não valem
noutro. Da maneira como foi aprovado, porém, o PL não resolve sequer esse
problema. Apesar de afirmar que a lei “estabelece normas gerais”, o texto
mantém o desordenamento. Em parecer técnico do Observatório do Clima,
pesquisadores da USP e da Universidade Federal de Ouro Preto afirmam que o PL
“será complementado por numerosas leis e regulamentos estaduais e municipais,
cada qual com critérios específicos”. O Congresso falhou até na racionalização
necessária do licenciamento. E isso os vetos de Lula não têm como consertar.
Ao barrar 18 novas vagas de deputado,
presidente demonstra sensatez
O Globo
Congresso não deveria derrubar veto integral
de Lula à proposta, rejeitada por ampla maioria dos brasileiros
Foi oportuno o veto integral do presidente
Luiz Inácio Lula da
Silva ao Projeto de Lei Complementar que aumenta o número de deputados federais
de 513 para 531. A justificativa do Executivo é que a proposta, além de
contrariar o interesse público, viola dispositivos da Constituição, da Lei de
Responsabilidade Fiscal e da Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2025. Pela
argumentação do Planalto, ela gera encargos não apenas à União, mas também aos
estados.
O projeto aprovado em junho parte de uma
demanda legítima: a necessidade de corrigir a defasagem na distribuição dos
parlamentares em relação à população. Por omissão do próprio Congresso, as
bancadas estaduais na Câmara não eram redistribuídas desde 1993, quando foram
calibradas com base no Censo de 1991. Naturalmente as mudanças demográficas
criaram distorções, e algumas unidades da Federação ficaram sub-representadas.
Em 2023, o Supremo Tribunal Federal deu prazo até 30 de junho deste ano para
que o Congresso se adequasse.
Para respeitar a proporcionalidade
estabelecida na Constituição, nove estados deveriam ampliar suas bancadas
(Amazonas, Ceará, Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais, Pará, Paraná, Rio Grande do
Norte e Santa Catarina), enquanto sete teriam de reduzi-las (Alagoas, Bahia,
Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Piauí). Em vez de
redistribuir as cadeiras, a Câmara agiu de modo corporativo e deu um jeito para
que nenhum estado perdesse vagas. Foram acrescentados 18 deputados aos 513 — e
nem sequer há espaço físico para todos.
Inicialmente, previa-se que a expansão teria
um custo de R$ 64,8 milhões anuais para a Câmara, mas o Senado aprovou uma
emenda propondo remanejamento de recursos do Orçamento para manter as despesas
nos níveis de 2025. Esse total não inclui, porém, as emendas parlamentares (no
ano passado, cada deputado teve direito a quase R$ 38 milhões apenas em emendas
individuais), nem o efeito cascata nas Assembleias Legislativas. Elas ganhariam
30 novas vagas a custo estimado de R$ 75 milhões por ano. Tudo isso num momento
em que o país atravessa uma crise fiscal grave. Com orçamento de cerca de R$ 15
bilhões, o Congresso brasileiro está entre os mais caros do mundo, como mostrou
reportagem do GLOBO. Câmara e Senado somados custam 0,12% do PIB. Os Estados
Unidos gastam 0,02% do PIB com suas duas casas legislativas. A França, 0,03%. O
México, 0,05%.
O Brasil definitivamente não precisa de mais deputados. Os congressistas deveriam atentar para um fato: a proposta é amplamente rejeitada pela população brasileira (85% são contra, segundo a última pesquisa Quaest). A despeito das rusgas entre os Poderes, o Congresso não deveria derrubar o veto de Lula. Ou terá de arcar com o ônus político da insensatez, que decerto será cobrado pelos eleitores na urna.
Resta ao Executivo evitar o desmonte de leis
ambientais
Valor Econômico
O PL do Licenciamento Ambiental visava
estabelecer regras claras e padronizadas para reduzir o excesso de burocracia,
sem renunciar à preservação, mas caminha na direção oposta
Com uma legislação ambiental moderna, o
Brasil ainda é vitima do desmatamento e da degradação ambiental em seus
principais biomas. A morosidade do licenciamento, a crônica falta de
funcionários nos órgãos encarregados das licenças e uma legislação que retalha
responsabilidades e facilita disputas jurídicas pesaram ao longo de anos para
criar um sistema pouco funcional e ineficaz. Após 20 anos de discussão, o
Congresso resolveu que a solução de todos esses problemas é a redução radical
de exigências de controle de empreendimentos que afetam o ambiente, em um
retrocesso inexplicável diante do agravamento do aquecimento global e há 4
meses do início da COP30 que o Brasil hospedará em Belém.
O PL do Licenciamento Ambiental visava
estabelecer regras claras e padronizadas para reduzir o excesso de burocracia,
sem renunciar à preservação. O texto aprovado pela Câmara, por 267 votos a
favor (apenas 10 a mais que o necessário) e 116 contrários, caminha na direção
oposta. Além de flexibilizar exageradamente a legislação, tende a criar
insegurança jurídica para novos empreendimentos. São muitas as mudanças
propostas que fragilizam o licenciamento ambiental — ou o dispensam por
completo.
O cálculo de devastação que pode ocorrer é
significativo. O Instituto Socioambiental (ISA), por exemplo, prevê que um
território equivalente ao Estado do Paraná — mais de 18 milhões de hectares —
ficará desprotegido apenas na Amazônia Legal. Um “jabuti” incluído na reta
final, que facilita o corte de vegetação primária e secundária nas áreas
protegidas da Mata Atlântica, tende a ampliar o desmatamento. A especulação
imobiliária, que destrói a exuberante costa atlântica, muitas vezes por
iniciativa de prefeitos, terá incentivo para prosseguir em sua obra de
aniquilação da fauna e da flora de um bioma que mantém apenas um terço de sua
feição original.
As ameaças ao ambiente do projeto, que vai à
sanção do presidente da República, se consubstanciam, por exemplo, na ampla
permissão para uso da Licença por Adesão e Compromisso. Utilizada em alguns
Estados nas atividades de pequeno porte e baixo impacto, por meio da
autodeclaração, ela foi estendida para intervenções de médio porte e médio
impacto, que não necessitarão de estudos prévios de seus efeitos sobre o
ambiente nem de medidas para compensá-los.
Sob as novas regras, seria possível, por
exemplo, obter o licenciamento automático para projetos como o da barragem de
Brumadinho, que se rompeu em 2019, matando 273 pessoas, em um dos maiores
desastres ambientais da história nacional.
O Brasil está entre os 10 maiores poluidores
mundiais, com a diferença de que a fonte principal de suas emissões não é o
setor de energia ou a indústria, mas o uso da terra e as atividades
agropecuárias que, somadas, são responsáveis por 74% dos gases estufa lançados
na atmosfera. O projeto aprovado pelo Congresso retira justamente a necessidade
de licenciamento para atividades agropecuárias, dispensando-o para o cultivo de
espécies de interesse agrícola temporárias, semiperenes e perenes; pecuária
extensiva e semi-intensiva; pecuária intensiva de pequeno porte etc. Para
dispensar o licenciamento, basta que o imóvel esteja regular com registro no
Cadastro Ambiental Rural (CAR) — a imensa maioria deles ainda não validado
oficialmente. A dispensa inclui a ampliação de estradas e sistemas de
tratamento de água e esgoto.
Estados e municípios ganharam mais poder para
atuar no licenciamento e definir seus próprios critérios de avaliação. Isso
ampliará a fragmentação de regras que a nova lei deveria solucionar. A medida
poderá levar ainda à arbitragem regulatória, similar à guerra fiscal da década
de 1990, em que governadores e prefeitos poderão flexibilizar regras para
atrair investimentos.
Como se tornou rotina, dois terços dos votos
para a aprovação vieram de partidos da base do governo, que têm representantes
nos ministérios. O Planalto pouco fez para deter o projeto no Senado e agora
terá de decidir como impedir os malefícios de um projeto tão retrógrado. O
coroamento de seu espírito veio na emenda do presidente do Senado, Davi
Alcolumbre (UB-AP), que cria a Licença Ambiental Especial. Ela deixa nas mãos
de um conselho ligado à Presidência a autorização para empreendimentos
considerados estratégicos. Na prática, tira do caminho os órgãos ambientais e
dá todo o poder às decisões políticas imediatistas. Alcolumbre defende a
autorização de exploração da Margem Equatorial, um desejo compartilhado com o
presidente Lula.
Setores empresariais e organizações da
sociedade civil tentaram, sem sucesso, prorrogar o exame do projeto para
eliminar pontos mais ofensivos à preservação ambiental. A pressão continuará
para que o presidente vete o projeto ou seus trechos principais. O Planalto, de
olho na COP30, terá de deixar a ambiguidade de lado. A nova legislação deveria
colocar o país na vanguarda do desenvolvimento sustentável e não jogá-lo para o
fim da fila.
Sanha arrecadatória de Lula pode minar
infraestrutura
Folha de S. Paulo
Sem enfrentar a alta de gastos, governo eleva
carga tributária e mira títulos que financiam projetos de longo prazo
O governo de Luiz Inácio Lula da Silva
(PT) continua na
tentativa fadada ao fracasso de fechar as contas apenas com aumentos de
impostos. Agora, novos capítulos são adicionados ao enredo que amplia a
escorchante carga tributária sem tratar do problema essencial: a
expansão descontrolado dos gastos públicos.
A gestão petista obteve vitória com a decisão
liminar do ministro Alexandre
de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que busca
encerrar o impasse sobre a alta do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) em linhas de
crédito e fluxos de capitais.
O magistrado restaurou parcialmente o decreto
do Executivo, que fora derrubado no Congresso
Nacional, e assegura quase R$ 20 bilhões em novas receitas para 2026.
O próximo capítulo diz respeito à equivocada
tese de cobrar imposto de renda de 5% sobre
instrumentos financeiros hoje isentos, caso de títulos ligados ao setor
agrícola, imobiliário e também a debêntures que financiam a infraestrutura.
Tal cobrança decorre de uma medida provisória publicada em junho e que ainda
será apreciada pelo Legislativo.
É temerário que se onere justamente o
segmento de infraestrutura, no qual o país claramente carece de investimentos.
Com a taxa básica de juros em elevados 15% ao
ano, decorrente da incúria do governo Lula, que amplia despesas de modo
irresponsável, vão se tornando escassos os projetos com rentabilidade
suficiente. A cobrança, se aprovada, reduzirá ainda mais a disposição de
poupadores em financiar programas de longo prazo.
A proposta ainda pode cair, além de haver
aparente contradição com o projeto de lei que busca isentar do Imposto de Renda
contribuintes com renda até R$ 5.000 mensais.
Em troca, prevê-se cobrança de imposto mínimo
de 10% para os estratos de renda mais altos, que ganham acima de R$ 1,2 milhão
anuais. É algo meritório em tese, mas prejudicado quando se considera o
conjunto da obra, que tem o populismo como motor.
O projeto já obteve votação favorável em
comissão especial da Câmara
dos Deputados, mas o relator, Arthur Lira (PP-AL), excluiu da
base de cálculo do imposto rendimentos com títulos desses setores que financiam
a infraestrutura.
Ainda não está claro se, afinal, haverá
cobrança, mas o Congresso parece rendido a aprovar a isenção para a classe
média, com óbvio foco na eleição de 2026.
Tudo isso para sustentar despesas em alta.
Segundo o próprio Tesouro, mesmo considerando a arrecadação do IOF, o governo
precisará encontrar
R$ 86,3 bilhões em novas receitas para atingir a meta de superávit
primário de 0,25% do PIB no ano que
vem.
As regras fiscais atuais equivalem a enxugar
gelo, pois o próprio aumento da coleta de impostos expande despesas, que são em
boa parte indexadas às receitas, caso de educação e saúde.
O resultado final é a ascensão continuada da
dívida pública, enquanto se penaliza a produção e o crescimento da economia.
Congresso compactua com devastação ambiental
Folha de S. Paulo
Aprovação de projeto que flexibiliza
licenciamento revela governo fraco e parlamento aguerrido; tema deve chegar ao
STF
Ignorando alertas técnicos sobre impactos
nefastos, a Câmara
dos Deputados aprovou na madrugada desta quinta-feira (17) a
flexibilização do licenciamento ambiental no país.
Tratar o tema sem as cautelas devidas coloca
o Brasil sob o holofote internacional justamente no ano em que sedia a 30ª
Conferência da ONU sobre
Mudanças Climáticas (COP30), em Belém.
Parlamentares mantiveram no texto final os
principais pontos polêmicos do projeto de lei, revelando pouca permeabilidade
às críticas. Não deve ser o fim do debate. A judicialização da medida no
Supremo Tribunal Federal (STF) é dada como
certa, já que vai de encontro a decisões anteriores da Corte nesta seara.
Entre
os dispositivos controversos está a Licença Ambiental Especial (LAE),
que submete projetos qualificados pelo Executivo como estratégicos a uma
análise mais célere independentemente do seu potencial impacto ambiental, a
exemplo da exploração de petróleo na bacia Foz do Amazonas. A inclusão da
mineração foi feita de última hora pelo relator, o deputado Zé Vitor (PL-MG).
Sob o apadrinhamento do presidente do Senado,
Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) e omissão do governo de Luiz Inácio Lula da Silva
(PT), a aprovação
do projeto de lei pode ser um tiro no pé dos setores agropecuário e de
mineração, beneficiados com a simplificação de licenciamento. Com a medida,
investidores e o mercado global devem redobrar atenção aos produtos
brasileiros, considerando seu impacto ambiental.
A União
Europeia aprovou em 2023 uma norma que proíbe a venda de itens ligados
ao desmatamento nos países do bloco. Produtores nacionais apontam que a
prioridade do agronegócio deveria
ser modernizar a produção para expandi-la sem a necessidade de aumentar as
áreas de cultivo. O projeto ora aprovado vai na contramão dessa tendência.
Sob a alegada justificativa de prover maior
segurança jurídica à regulação, de fato carente de uma atualização, as novas
regras tendem a gerar mais normas e a impulsionar judicialização.
Ao conceder autonomia a estados e municípios,
a lei aumenta o risco de proliferação de regras, e, em vez de se basear em
evidências, endossa o autolicenciamento sem estudo ambiental, dando margem a
ações em tribunais.
O caso evidencia um governo sem política ambiental clara e um Congresso Nacional avesso a balizar suas posições perante a sociedade. Perdeu-se a oportunidade de modernizar o sistema de licenciamento, privilegiando a adoção de novas regras sem a razoabilidade técnica que o tema exige.
Lula ganha, Brasil perde
O Estado de S. Paulo
Governo convence o STF sobre o caráter
regulatório do decreto do IOF, embora nunca tenha escondido a intenção de
arrecadar mais e salvar a meta fiscal. O País pagará mais essa conta
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF)
Alexandre de Moraes deu razão ao governo na batalha com o Congresso sobre a
validade do decreto que elevou o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF).
Para o ministro da Advocacia-Geral da União (AGU), Jorge Messias, foi uma
“vitória significativa da Constituição federal”. Nesse caso, a derrota coube à
sociedade brasileira, que mais uma vez pagará a conta da irresponsabilidade
fiscal do Executivo e do Legislativo.
A decisão de Moraes ainda será submetida ao
plenário do STF após o recesso do Judiciário, mas é improvável que seja
revertida. Na exposição de motivos do decreto, documento preparatório que
antecedeu a edição do ato, o governo alegou que a mudança das alíquotas do IOF
visava a “padronização normativa, simplificação operacional e maior
neutralidade tributária”, de forma a fechar brechas para a evasão e a sonegação
– argumentos que endossavam o caráter regulatório do ato.
Era um argumento capcioso, haja vista que a
equipe econômica não escondeu de ninguém que a intenção, com o decreto, era
arrecadar R$ 12 bilhões neste ano e R$ 31,2 bilhões em 2026 para salvar a meta
fiscal. Sem o ato, não por acaso editado logo após o anúncio do
contingenciamento de R$ 31,3 bilhões, o Executivo não teria alternativa a não
ser alterar a meta fiscal deste ano, um vexame ao qual o ministro da Fazenda,
Fernando Haddad, já foi submetido no ano passado e que queria evitar a qualquer
custo neste ano.
Formalmente, no entanto, o STF não tinha como
deixar de reconhecer a competência do Executivo de alterar as alíquotas do IOF
por decreto, uma prerrogativa assegurada pela Constituição. Em casos
semelhantes envolvendo decretos editados por governadores e derrubados por
Assembleias Legislativas, a Corte deu vitória aos Executivos estaduais.
Mas o ministro Alexandre de Moraes ao menos
reconheceu que o governo extrapolou em parte do decreto, ao incluir o risco
sacado entre as operações sujeitas à incidência de IOF. O risco sacado, por
meio do qual uma empresa vende recebíveis para antecipar recursos, não está na
resolução do Conselho Monetário Nacional (CMN) sobre operações de crédito, de
2020. Logo, o fato gerador do imposto não poderia ter sido ampliado por meio de
decreto presidencial, mas somente por meio de lei – uma competência do Legislativo,
e não do Executivo.
A derrubada desse trecho do decreto reduziu a
arrecadação projetada pelo governo em R$ 450 milhões neste ano e R$ 3,5 bilhões
no próximo. Mas o governo conseguiu manter a incidência das alíquotas majoradas
de IOF, de forma retroativa ao dia em que o decreto foi publicado, sobre
operações de câmbio, crédito e seguros.
A batalha jurídica e política que o decreto
gerou pode dar a falsa impressão de que a solução do problema fiscal do País
dependia unicamente da majoração do IOF. De fato, o governo poderá respirar
aliviado por algumas semanas, mas não será recorrendo a medidas improvisadas e
extemporâneas que o Orçamento será reequilibrado de maneira estrutural.
Mesmo com o crescimento do Produto Interno
Bruto (PIB), as despesas públicas continuam a crescer em um ritmo maior que o
das receitas. Financiar essa diferença com o aumento da carga tributária – ou
pela recuperação da base fiscal, como prefere dizer o ministro Haddad – impõe
custos elevados a toda a sociedade.
O aumento das alíquotas de IOF sobre câmbio e
crédito, por exemplo, vai encarecer viagens e compras internacionais e o custo
de empréstimos para pequenas empresas. São operações que não estão restritas
aos “super-ricos” e que desfazem o discurso eleitoreiro do governo em defesa
dos mais pobres, em escancarada antecipação da campanha presidencial de 2026.
Com a decisão sobre o IOF, o Executivo
celebra a sobrevida do malfadado arcabouço fiscal e adia mais uma vez a
discussão de reformas estruturais. O Congresso range os dentes e investe no
discurso de que não aceita aumento de impostos, mas faz de tudo para assegurar
o pagamento de suas emendas parlamentares. O STF se coloca como “poder
moderador” dessas disputas e se arvora em guardião da democracia e da
Constituição, enquanto se cala ante a farra dos penduricalhos no Judiciário.
Enquanto isso, o País paga a conta dessa festa.
Alfabetização no meio do caminho
O Estado de S. Paulo
O Brasil melhorou no índice de crianças
alfabetizadas, mas não cumpriu a meta, e a desigualdade entre os Estados ainda
é grande – sinal de que avanços são lentos e puxados por exceções
Terreno fértil para uma história de avanços
seguidos de retrocessos e avanços tímidos ante desafios profundos, a educação
básica brasileira é daqueles casos eloquentes em que o Brasil convive
eternamente com o dilema do copo meio cheio ou meio vazio, conforme o olhar de
quem a observa. Os números da alfabetização, divulgados recentemente pelo
Ministério da Educação (MEC), confirmam tal certeza. Com eles se constata que o
resultado da leitura e da escrita melhorou em 2024, com 59,2% de crianças
alfabetizadas na média nacional, contra 56% no ano anterior. São alunos do 2.º
ano do ensino fundamental que conseguem escrever bilhetes e convites,
relacionar sons e letras na língua portuguesa, ler textos simples, tirinhas e
histórias em quadrinhos.
Entretanto, descobre-se que o País não
conseguiu atingir a meta de 60% das crianças de 7 anos que deveriam estar
alfabetizadas, estabelecida pelo próprio governo de Lula da Silva ao lançar, em
2023, o chamado Compromisso Nacional Criança Alfabetizada. Foi por pouco e,
conforme explicou o ministro Camilo Santana, a meta não foi atingida em razão
das enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul no ano passado. A tragédia
deixou as escolas do Estado sem aulas por muitos dias, afetando de forma
drástica a alfabetização de suas crianças – o indicador gaúcho desabou de 63,4%
para 44,6%. Se repetisse o resultado do ano anterior, o Rio Grande do Sul teria
contribuído para o atingimento da meta, sublinhou Santana. Mas, no fim das
contas, o resultado é inexorável: meta não alcançada.
Para quem preferir observar o copo meio
cheio, há boas notícias a comemorar: 18 Estados melhoraram seu desempenho entre
2023 e 2024, um dado relevante quando se sabe que ganhos consistentes ano a ano
fazem a diferença, sendo “mais importantes do que saltos meteóricos que não se
sustentam no tempo”, como argumentou a este jornal a vice-presidente de
Educação da Fundação Lemann, Daniela Caldeirinha. Onze Estados atingiram suas
respectivas metas, que variam conforme cada unidade federativa, entre os quais Ceará,
Goiás, Minas Gerais, Espírito Santo e São Paulo. Há exemplos notáveis, como o
Ceará, que encabeça o ranking dos Estados, com 85% das crianças alfabetizadas
(os cearenses tinham como meta chegar a 80% em 2024). Outro dado positivo é que
quase 60% dos municípios melhoraram seus indicadores, um patamar a ser
aplaudido.
Há, contudo, evidências desabonadoras. A
primeira delas é o fato de 13 Estados ficarem aquém de suas metas. A segunda é
reafirmar o tamanho das desigualdades de desempenho. Enquanto cearenses estão
no topo, Bahia, Sergipe e Rio Grande do Norte não atingiram sequer 40%. Além
disso, 14 Estados e o Distrito Federal permaneceram abaixo da média nacional,
de 59,2%. É o caso de São Paulo, que chegou a 58,13%, ainda que tenha superado
a meta estabelecida para o Estado (57%). Na esfera municipal, a capital paulista
viu crescer dez pontos porcentuais, superando a meta estabelecida pelo MEC, e
se tornou a terceira capital que mais cresceu no indicador. Novamente, porém,
vale a conjunção adversativa: a capital e o Estado de São Paulo evoluíram, mas
a cidade ainda é a 17.ª entre as capitais, e o Estado, o 13.º. São posições
modestas frente à robustez que se espera de ambos.
Olhando um arco maior de tempo, observa-se
que o analfabetismo recuou 15% em oito anos, mas – de novo a conjunção
adversativa é necessária – o risco é o Brasil se acostumar com pouco onde
deveria haver indignação ao lidar com as diferenças e audácia para corrigi-las.
Temos um compromisso nacional firmado entre os três níveis de governo, um MEC
com capacidade de formulação e coordenação e cada vez mais lideranças políticas
que enxergam na educação, mais do que uma agenda ou um verniz retórico, um
imperativo moral, ético e econômico. Mas a defasagem – de aprendizagem, de
gestão, de monitoramento, de avanços, enfim – continua sendo a regra, como se
enfrentássemos uma espécie de pandemia permanente.
Ano após ano, governo após governo, a
história se repete: o que deveria resultar em prioridade nacional e em boas
práticas generalizadas se resume a ilhas de exceção. No discurso, a educação é
uma agenda prioritária do País. Na prática, o entusiasmo da obsessão
educacional se transforma numa incômoda calmaria, só compensada pelo avanço de
algumas poucas redes de ensino. Inaceitável.
Chegou a conta do tarifaço
O Estado de S. Paulo
Guerra comercial começa a produzir inflação,
mas Trump dobra a aposta contra o Fed
Mesmo antes de Donald Trump deflagrar sua
guerra tarifária, economistas já alertavam para o caráter inflacionário das
medidas do presidente dos EUA.
Como, de modo geral, inflação não se
materializa de um dia para o outro, o entorno trumpista passou a propagar a
ideia de que o Dia da Libertação – nome que o próprio Trump deu ao
dia 2 de abril, quando anunciou suas tarifas retaliatórias – não estava pesando
no bolso dos americanos. Os dados de inflação de junho desmontam tal narrativa.
No mês passado, o índice de preços ao
consumidor (CPI, na sigla em inglês) subiu 0,3% em relação a maio, o maior
patamar mensal desde janeiro. Na comparação com junho de 2024, o avanço foi de
2,7% – a meta de inflação do Fed, banco central dos EUA, é de 2%.
Além da alta dos preços imobiliários e de
energia, a inflação também subiu porque as empresas começam a repassar as
tarifas de Trump para o consumidor. Os preços do café, por exemplo, aumentaram
2,2% em junho ante maio, enquanto os de frutas cítricas subiram 2,3% no mesmo
período.
Ressalte-se que essa elevação de preços
ocorreu mesmo com a suspensão temporária de boa parte das tarifas e antes da
ameaça do republicano de sobretaxar importações brasileiras destinadas aos EUA
em 50%. De acordo com o Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé),
33% de todo o café consumido nos EUA é brasileiro.
A expectativa agora é de piora do quadro
inflacionário nos próximos meses, tendência negativa que pode ser ainda mais
agravada se as novas tarifas de Trump (além dos 50% contra o Brasil, serão 30%
para México e União Europeia) realmente vingarem.
Ao iniciar a guerra comercial, Trump afirmou
que estava protegendo os americanos, que recuperariam empregos e pagariam menos
pelo que consomem. Agora, porém, os próprios indicadores econômicos começam a
desmentir o presidente.
Não que Trump se importe. Ao mesmo tempo em
que ameaça países com tarifas que custam caro aos consumidores dos EUA, ele
escala a retórica contra o presidente do Fed, Jerome Powell, que se mantém
firme no compromisso de combater a inflação, como, aliás, é o que qualquer
autoridade monetária séria e independente deve fazer.
Se a inflação está distante da meta, ao Fed
só resta manter ou até mesmo elevar os juros. Trump, porém, que já disparou
diversos impropérios contra Powell, agora busca meios de livrar-se do atual
presidente do Fed, cujo mandato termina apenas em maio de 2026.
Trump vem tentando convencer lideranças
republicanas a ajudá-lo a demitir Powell, tarefa complexa e nada usual na
história dos EUA, dada a autonomia de que goza o Fed. E tudo isso porque o
presidente acha que os juros devem cair.
Ocorre que a mão que alimenta a inflação, e
impede a queda dos juros, é a do próprio Trump. Demitir Powell, além de
temerário, em nada contribuiria para a queda da inflação e, consequentemente,
dos juros. Pelo contrário: é muito provável que a subsequente turbulência torne
ainda mais caro financiar a astronômica dívida americana.
O fato é que a conta do tarifaço chegou. E a julgar pelas ações do presidente dos EUA, seguirá subindo.
A saúde do brasileiro está na berlinda
Correio Braziliense
Em cinco anos, mais de 119 milhões de adultos
brasileiros terão sobrepeso ou obesidade, condições que aumentam a
vulnerabilidade para hipertensão, diabetes, cânceres, entre outras doenças de
manejo complexo
A Agência Nacional de Saúde Suplementar
(ANS), em parceria com o Ministério da Saúde, divulgou recentemente o Vigitel
Brasil 2008-2023, com foco em dados de beneficiários de planos de saúde
coletados em todas as capitais e no Distrito Federal. A amostra envolveu mais
de 697 mil brasileiros — um pouco mais da metade, 371.394, afirmou ser
beneficiária de planos de saúde. Entre as constatações, a de que a saúde dos
brasileiros está cada vez mais ameaçada pelo excesso de peso.
O levantamento visa identificar fatores de
risco, formular políticas públicas e desenvolver modelos de cuidado que
promovam a prevenção e a promoção da saúde. Além de ser um balizador das
condições gerais de saúde da população brasileira, o relatório detalhou
características como consumo alimentar (incluindo bebida alcoólica), atividade
física, sobrepeso e obesidade, tabagismo, morbidade por doenças crônicas,
comportamentos no trânsito, saúde bucal e vacinação contra gripe, entre outros
hábitos.
O que chamou a atenção é a relação direta
entre a queda do número de fumantes — de 12,4% em 2008 para 6,8% em 2023 — e o
crescimento exponencial de adultos com sobrepeso — de 46,4% em 2008 para 60,9%
em 2023. No caso da obesidade, a taxa pulou de 12,5% para 21,9% no mesmo
período. Esse aumento foi observado em ambos os sexos, sendo maior entre os
homens: de 14,2% para 23,5%.
Ao longo desses 15 anos, a rotina alimentar
do brasileiro mudou significativamente, e para pior. Basta observar o aumento
do consumo de alimentos ultraprocessados e/ou industrializados, a diminuição de
alimentos até então tradicionais no prato dos brasileiros — como a famosa
dupla arroz e feijão —, a avalanche de refeições prontas, lanches rápidos e
outros saquinhos repletos de substâncias altamente nocivas ao organismo. Isso
sem falar na redução do consumo de frutas, verduras e legumes, com consequências
desastrosas para a saúde do brasileiro.
A verdade é que nem mesmo a Resolução da
Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a RDC
429/2020, bem como a Instrução Normativa (IN 75/2020), que tratam dos
requisitos técnicos para a declaração obrigatória da rotulagem nutricional dos
alimentos embalados, fizeram com que a população se conscientizasse da
importância de verificar as substâncias contidas nos produtos — ou seja, saber
o que está sendo consumido. Tal realidade evidencia que implementar normativas
sem investir em educação em saúde não tem efeito prático.
O resultado está aí: independentemente da faixa etária e do nível socioeconômico, os brasileiros estão cada vez mais com sobrepeso ou obesidade, condições que aumentam a vulnerabilidade para hipertensão, diabetes, cânceres, entre outras doenças de manejo complexo. E se formos acompanhar os prognósticos para 2030, a situação tende a piorar: em cinco anos, mais de 119 milhões de adultos brasileiros não farão parte do patamar de peso corporal considerado saudável, o que representa mais de 65% da população adulta, segundo o Atlas Mundial da Obesidade. Resta saber se teremos tempo para reverter esse quadro.
Câmara enfraquece legislação ambiental
O Povo (CE)
Pouco adiantaram os consistentes argumentos
da ministra Marina Silva, de organizações ambientais e de cientistas sobre o
perigo de afrouxamento da legislação sobre o assunto
Em votação na madrugada de ontem, a Câmara
dos Deputados aprovou novas regras que enfraquecem as normas para o
licenciamento ambiental. Foi uma derrota para o governo, mas, pode-se dizer,
extensiva ao Brasil. Foram 267 votos a favor e 116 contra as mudanças.
Com o afrouxamento das regras, haverá menos
controle sobre atividades que agridem o meio ambiente. A decisão da Câmara
acontece justamente no ano em que o Brasil sediará a COP 30 — a
Conferência das Nações Unidas sobre mudanças climáticas.
O evento será realizado em novembro, em Belém
(PA), reunindo chefes de governo e de Estado, cientistas e representantes da
sociedade civil, de todo o mundo, para discutir propostas para enfrentar
as mudanças climáticas.
Era o momento, portanto, de os parlamentares
brasileiros darem o exemplo, demonstrando preocupação com o aquecimento global,
que vem provocando incidentes climáticos cada vez mais graves, em
todo o planeta.
Entre os pontos polêmicos do projeto,
inclui-se a facilitação de liberação de empreendimentos com dispensa de licença
ambiental. Empreendedores poderão fazer uma autodeclaração garantindo
que suas atividades cumprem as exigências legais, sem a necessidade de análise
prévia de órgãos ambientais.
Como registrou O POVO em editorial
(26/5/2025), quando o projeto foi aprovado no Senado, a Constituição Federal de
1988 tem a proteção ao meio ambiente como clara prioridade, impondo-a
também como responsabilidade das empresas e limitando o próprio princípio da
livre iniciativa.
Assim, o licenciamento ambiental é essencial
para garantir que os impactos diretos ou indiretos de empreendimentos
sejam avaliados. Todas as empresas são obrigadas a passar pelo escrutínio dos
órgãos competentes — em nível municipal, estadual ou federal —, estando
passíveis do indeferimento das obras.
Durante a tramitação da matéria, a ministra
do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, alertou que a aprovação do
projeto seria um "golpe mortal" na legislação sobre o
assunto, "justamente quando o desequilíbrio ecológico, que está acelerando
as mudanças climáticas, nos cobra mais responsabilidade".
Pouco adiantaram os consistentes argumentos
da ministra, de organizações ambientais e de cientistas, sobre o perigo de
do afrouxamento da legislação ambiental. O Centrão, representantes do
agronegócio e a bancada ruralista uniram-se para aprovar medidas danosas ao
ecossistema, fazendo prevalecer os interesses de curto prazo. Se os
parlamentares houvessem lançado um olhar para o futuro, poderiam divisar o
desastre que espera a todos se continuar essa marcha da insensatez das
agressões desmedidas à Natureza.
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