domingo, 13 de setembro de 2015

Gestores do banco alertaram que manobras fiscais provocariam perdas

• Documentos da Caixa mostram que, em 2013, prejuízo já era avaliado em R$ 1,8 milhão

- O Globo

-BRASÍLIA - Documentos internos da Caixa Econômica Federal obtidos pelo GLOBO revelam que gestores do banco consideraram as “pedaladas” fiscais uma perda de receita para a instituição financeira. A constatação foi feita em 19 de dezembro de 2013, em nota técnica dirigida à consultoria jurídica da Caixa.

O documento é assinado por Ricardo Endo, gerente de Benefícios Sociais, e Ivan Domingues, superintendente de Programas Sociais. “A situação de saldos negativos nas contas tem reduzido a oportunidade de receita para a Caixa, visto que com o aporte de recursos deixa de realizar operações remuneradas com base na taxa Selic, enquanto que na ocorrência de saldos negativos são atualizados pelo Ministério do Trabalho e Emprego ( MTE) pela taxa extra-mercado, cerca de 5% inferior à Selic”, registram na nota técnica.

A argumentação foi feita com base nas “pedaladas” envolvendo o seguro-desemprego e o abono salarial. Diante do represamento de recursos pelo Tesouro Nacional, o MTE deixou de fazer os repasses para a Caixa, que precisou arcar com o pagamento dos benefícios. Os gestores chegaram a calcular o valor “em desfavor” para a Caixa: R$ 1,8 milhão, somente com as “pedaladas” entre agosto e dezembro de 2013.

No documento, eles sugerem que a Caixa busque reaver a diferença junto ao MTE e a regularização dos repasses do governo. “Não é adequada a situação de perda de remuneração pela Caixa”, concluem.

Naquele momento, o Tesouro já retinha grandes quantidades de repasses para o pagamento dos benefícios, o que precisou ser bancado pela própria Caixa. Em 2014, as “pedaladas” explodiram: ininterruptamente, entre janeiro e agosto, o Tesouro represou os repasses para o seguro-desemprego, obrigando a Caixa a fazer os pagamentos aos beneficiários. Segundo o Tribunal de Contas da União ( TCU), as “pedaladas” corresponderam a R$ 7 bilhões em 2014. A manobra foi interpretada pelo tribunal como operação de crédito e infração à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

Uma semana após o parecer dos dois gestores da Caixa, um consultor jurídico do banco fez um alerta sobre o risco de as “pedaladas” serem enquadradas como uma operação de crédito e, com isso, infringirem a LRF. O alerta ocorreu 16 meses antes de o TCU considerar irregular a prática.

“Observe-se que a perpetuidade do quadro pode ensejar eventual interpretação de ocorrência de vedação disposta na Lei Complementar 101, art.37, IV”, escreveu o consultor jurídico Eduardo Bromonschenkel, em nota de 26 de dezembro de 2013. A Lei Complementar 101 é a LRF. O artigo citado diz respeito à vedação de operação de crédito entre instituição financeira pública e o poder público. “Tal circunstância não pode se perenizar, demandando efetivo enfrentamento, de modo a que sejam regularizados os fluxos de recursos necessários ao pagamento dos benefícios”, afirma a nota técnica, que tratou dos recursos insuficientes do Tesouro para seguro-desemprego e abono salarial.

É a primeira vez que se tem conhecimento de documentos da Caixa que registram as manobras do governo como perda de receita e como infração à LRF. O banco, alinhado à defesa do governo, vem sustentando que a manobra não se configurou operação de crédito, não infringiu a LRF e foi apenas parte do que prevê os contratos de prestação de serviços.

A Caixa afirmou não existir “reconhecimento de perda de receitas, uma vez que as atualizações praticadas são previstas nos contratos”. O banco também disse não existir violação à LRF. “A Caixa sempre baseou o fluxo de recursos na previsão contratual, o que afasta o dispositivo citado”.

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