Como relapso incorrigível, o governo terá de improvisar um programa, ou algo parecido, para pelo menos encenar um esforço de arrumação de suas contas e diminuir o risco de mais uma agência cortar a nota de crédito do País. Também como todo relapso, o governo chefiado pela presidente Dilma Rousseff reagiu como se a consequência de seus erros e de seu desleixo fosse uma surpresa.
Na sexta-feira, dois dias depois de anunciado o rebaixamento do Brasil pela Standard & Poor’s (S&P), os cidadãos interessados na administração nacional – e o mercado, naturalmente – ainda esperavam algum sinal concreto de resposta ao novo desafio. Só vagas promessas e algumas informações extraoficiais sobre medidas em estudo haviam aparecido. Na sexta de manhã a presidente foi ao Piauí, em busca de aplauso em mais um evento preparado.
Se houver encenação de ajuste fiscal, terá de ser curta e logo substituída por ação efetiva. Abusar da boa vontade dos avaliadores de crédito soberano, se ainda houver alguma, poderá ampliar o desastre iniciado na quarta-feira, quando a S&P informou a reclassificação do Brasil para o grau especulativo, reservado aos menos confiáveis. Como consequência da mudança de status do crédito soberano, 60 empresas foram rebaixadas.
A lista inclui, além de estatais controladas pelo Tesouro Nacional, empresas privadas de vários setores. Grandes bancos foram também submetidos à revisão. A irresponsabilidade da presidente Dilma Rousseff prejudicou, portanto, muito mais que o crédito do governo e das estatais vinculadas ao poder federal. Não está claro se a presidente já percebeu o tamanho do estrago causado por sua inépcia como administradora. Soube do rebaixamento e cobrou providências dos ministros, mas absteve-se, como sempre, de reconhecer publicamente seus erros e de pedir desculpas.
Se a S&P tivesse estendido o rebaixamento só às estatais, o dano já seria considerável, especialmente por causa da situação da Petrobrás. Saqueada por muitos anos, durante os governos petistas, a maior empresa brasileira já reconheceu prejuízos, cortou seu plano de investimentos e iniciou um difícil programa de recuperação. Superendividada por erros da gestão petista, já teria de se esforçar muito para reencontrar a segurança financeira. O rebaixamento de seu crédito pela S&P tornará esse trabalho mais complicado e mais lento. Também por isso a hipótese de um corte da nota brasileira por mais uma agência de classificação é assustadora.
Escalado para dar entrevista depois do rebaixamento do País, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, reafirmou a importância de uma política ambiciosa de ajuste das contas públicas e de reformas de longo alcance. Como solução de emergência defendeu um aumento de tributos. Esse aumento, segundo ele, seria um bom investimento para os cidadãos, porque facilitaria a volta à prosperidade. Mas, para falar de investimento, nesse caso, é preciso introduzir um corte na história e apagar os desmandos cometidos pelo menos a partir de 2010.
A narrativa real passa longe dessa retórica. De fato, o governo convoca o povo, neste momento, para cobrir, com impostos e contribuições ainda mais pesados, o buraco financeiro criado pelo mau uso e pelos desvios dos tributos coletados durante muitos anos. Nenhuma palavra foi dita sobre a distribuição de favores com dinheiro público, sobre o desperdício de recursos com uma política econômica de quinta categoria, sobre as enormes transferências para o BNDES ou sobre o inchaço e o loteamento da administração.
A nova sangria do cidadão talvez seja inevitável. Só se saberá como será o novo sacrifício quando o governo conseguir, apesar da própria bagunça, apresentar um plano de ajuste. A presidente e sua equipe mantêm a esperança de recriar, talvez sob algum disfarce, o malfadado imposto do cheque, a CPMF. Se isso ocorrer, a desgraça fiscal terá ressuscitado uma aberração tributária, com a cumplicidade do ministro Levy.
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