quarta-feira, 31 de outubro de 2018

Opinião do dia: Norberto Bobbio

"Acreditamos saber que existe uma saída, mas não sabemos onde está. Não havendo ninguém do lado de fora que nos possa indicá-la, devemos procurá-la por nós mesmos. O que o labirinto ensina não é onde está a saída, mas quais são os caminhos que não levam a lugar algum.

A cultura é o equilíbrio intelectual, reflexão crítica, sentido de discernimento, horror pelas simplificações, pelo maniqueísmo e pela parcialidade."

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Norberto Bobbio (Turim, 18 de outubro de 1909 — Turim, 9 de janeiro de 2004) foi um filósofo político, historiador do pensamento político e senador vitalício italiano. “O papel clássico dos intelectuais”, carta a Giulio Einaudi

Merval Pereira: Força à Lava-Jato

- O Globo

Moro está convencido de que sua nomeação não empanaria a atuação na Operação Lava-Jato

Além de uma escolha simbólica, que marca o compromisso, não apenas retórico, do futuro governo Bolsonaro com o combate à corrupção no país, o Ministério da Justiça poderia ser uma etapa para a nomeação do juiz Sergio Moro para o Supremo Tribunal Federal (STF) mais adiante.

Não é usual, embora não haja nada proibindo, que um juiz de primeira instância seja nomeado para o Supremo, mas é comum que o ministro da Justiça o seja. A atuação de Moro no ministério seria uma oportunidade para implementar reformas anticorrupção e anticrime organizado. E poderia servir como anteparo a eventuais excessos.

Convencido de que sua nomeação não empanaria a atuação na Operação Lava-Jato, e que os oposicionistas criticarão de qualquer maneira, como já criticam a operação em si, Moro aguarda um contato oficial para saber se as intenções do presidente eleito Jair Bolsonaro nessa área correspondem ao que pensa.

Moro não acredita que, a partir da nomeação, a tese lulista de que todo o seu trabalho nesses últimos anos foi feito por motivações políticas seja crível para a população. Nada mais natural que um presidente eleito muito por causa do combate à corrupção, e ao apoio à Lava-Jato, convide o símbolo dessa luta para seu ministério.

Em vez de atrapalhar a condução dos processos, Moro poderá ajudar a tornar realidade medidas de combate à corrupção em sintonia com as propostas apresentadas pelos procuradores de Curitiba e ampliadas, a partir da reunião das melhores práticas nacionais e internacionais pela Transparência Internacional e as escolas de Direito da FGV do Rio e São Paulo.

Elio Gaspari: Arrume a quitanda, capitão

- O Globo

Desde a hora em que a candidatura de Jair Bolsonaro encorpou, sua vitória era ao menos uma possibilidade. Abertas as urnas, ele levou a Presidência da República, elegeu três governadores e deu carona aos candidatos vitoriosos no Rio, São Paulo e Minas Gerais. Seu partido tinha oito deputados e ficou com 52. Vendaval semelhante não acontecia desde 1974. Naquela eleição, o eleitorado derrotou a ditadura. Nesta, derrubou peças de dominó. O voto anti-PT não foi tudo. Veio também um recado em relação aos costumes e outro, temível, associado à segurança pública. Talvez o ano de 1968 tenha terminado no Brasil durante seu cinquentenário. (A bandeira “Seja Marginal, Seja herói”, de Hélio Oiticica, é de 68.)

Quem achava que boi, Bíblia e bala eram coisas de outro Brasil, calado, acordou com o estrondo de um país onde o boi empurra a economia, metade da população é favorável à pena de morte, e a Bíblia é o livro mais lido. Infelizmente, as turmas da bala e o setor paleolítico da turma do boi têm uma relação violenta com o andar de baixo.

Os golpistas e os demófobos votaram em Bolsonaro e em seus candidatos, mas nem todos os seus eleitores podem ser considerados golpistas ou demófobos. A relevância de cada grupo será medida ao longo do mandato do capitão, e caberá a ele administrar a quitanda, defendendo a República de golpes, demofobias e, sobretudo, melhorando a administração pública. Nos dias seguintes à vitória, tudo são planos, promessas e ambições, mas Bolsonaro foi eleito para fazer um serviço que durará quatro anos, e pouco se sabe de seus projetos específicos.

Bernardo Mello Franco: O juiz e o capitão

- O Globo

Na campanha, o juiz da Lava-Jato tomou três decisões que facilitaram a eleição de Bolsonaro. Agora ele se diz ‘honrado’ com o convite para servir ao governo do capitão

Sergio Moro não disfarça. O juiz da Lava-Jato está animado com o convite para virar ministro de Jair Bolsonaro. Em nota, ele se declarou “honrado com a lembrança” do presidente eleito. Em conversas informais, foi além. Disse que sua presença no governo dissiparia temores em relação ao capitão.

O magistrado foi um personagem chave na corrida presidencial. A seis meses do primeiro turno, ele prendeu o candidato que liderava as pesquisas. Três meses depois, suspendeu as férias para contestar a decisão de um desembargador que mandou soltá-lo.

A liminar era exótica, mas um juiz de primeira instância não tinha poderes para derrubá-la. Moro não se limitou a afrontar a hierarquia judicial. Ainda orientou a polícia a descumprir a ordem que o contrariava.

Míriam Leitão: Cada cabeça, uma reforma

- O Globo

Previdência já provoca bateção de cabeça entre a cúpula do futuro governo Bolsonaro. A boa notícia é que dizem que farão a reforma

A reforma da Previdência já provoca falas dissonantes no governo que nem começou de Jair Bolsonaro. A boa notícia é que dizem que farão reforma. A partir daí começa a Torre de Babel. A batida de cabeça entre Paulo Guedes e Onyx Lorenzoni era previsível. Aqui mesmo alertei que o cotado para chefe da Casa Civil, unido ao PT, fora um aguerrido adversário da proposta do governo Temer. Guedes lembrou ontem que sempre disse “aprovem a reforma”, e agora não pode dizer o contrário, e alfinetou: “é político falando de economia.”

São os políticos que aprovam as propostas dos economistas, portanto os dois precisam se entender. Há três ideias na mesa: aprovar a reforma de Temer, fazer um projeto mais amplo para o ano que vem, apresentar uma fórmula para mudar do regime de repartição para o de capitalização. Cada uma tem sua vantagem, mas também tem seu problema.

Se a decisão for aprovar a reforma do Temer, só será possível votar na Câmara, mas ganha-se tempo. No ano que vem, ela poderia ser modificada no Senado e teria que voltar à Câmara. Ela tem a vantagem de estabelecer a idade mínima, coisa que está se tentando no Brasil desde o primeiro governo Fernando Henrique. O problema é que a proposta perdeu substância em parte pela ação de políticos como Onyx Lorenzoni e o Major Olímpio, da base de Bolsonaro. Ontem mesmo, Olímpio avisou que, se o texto for a plenário, votará contra.

Roberto DaMatta: Ovos quebrados

- O Globo

Todo projeto social com fins bem marcados e certezas plenas é omelete e, como tal, exige o ‘sacrifício’ de muitos ovos

Isaiah Berlin (1909-1997), um dos mais lúcidos e originais pensadores do nosso tempo, usa essa figura dos ovos que quebramos quando queremos fazer uma omelete. Essa comida que seria maior, melhor ou mais magnificente do que seus humildes componentes —um pobre ovo frito!

Uma omelete é como uma poesia de um Manuel Bandeira ou de um Fernando Pessoa, essas poderosas máquinas de combinar palavras para conduzir o coração à indagação e ao arrebatamento. Na linguagem comum, as palavras nos servem, mas, estruturadas pelo poeta, elas nos enternecem e englobam, tal como ocorre quando comemos uma deliciosa omelete.

Quem já quebrou um ovo sabe que tal gesto — como, aliás, tudo que é humano — requer um mínimo de determinação e firmeza. Eu não sou um bom quebrador de ovos. Não porque me falte coragem, mas porque a alma comparativa do antropólogo social que tenho dentro de mim me obriga a duvidar das omeletes perfeitas. Todo projeto social com finalidades bem marcadas e certezas plenas — da Proclamação da República ao carnaval (sem esquecer o Holocausto, a Revolução Francesa e a Russa) — é omelete e, como tal, exige o “sacrifício” de muitos ovos.

Rosângela Bittar: Votos sem dono

- Valor Econômico

Maestro ainda não tem o diapasão, nem para si mesmo

Aos primeiros acordes da transição, o futuro governo promete grande desafinação, sem problemas. Como não tomou posse ainda, não é de todo ruim que assim seja. O descompasso pode ser produto de uma maior abertura para a livre circulação das ideias e resultar em propostas mais criativas antes mesmo de serem compatibilizadas em um definido plano de governo.

O que não cabe é Paulo Guedes já condenar Onyx Lorenzoni por ter falado de economia, confinando o chefe da Casa Civil à relação com o Congresso, ou alguém do grupo familiar, que tem muita gente, desmentir algo que o grupo militar acabou de confirmar. Mas a estrutura do novo governo, como visto nas primeiras discussões da equipe e no debate das propostas, tratados por muitos como zonas de conflito dramático, não o são.

Quem dá o tom e decide é o presidente eleito e, até isso acontecer, é bom que todos falem sobre tudo o que se discute na equipe. Quando Jair Bolsonaro anunciar a composição do seu governo e as primeiras medidas, o eleitorado que nele votou verá quais cabeças prevaleceram nessa engrenagem.

É natural, portanto, a trombada declaratória: Bolsonaro vai fechar o Supremo (nem novo é, o PT prometeu fechar o STF há mais tempo); será criado o super ministério da infraestrutura e o ministro será o general Oswaldo Ferreira (até pode ser ministro, mas o super ministério carece de decisão); Agricultura e Meio Ambiente ficarão juntos, separados, e juntos de novo; a reforma da Previdência do Temer já morreu e ressuscitou na equipe de Bolsonaro várias vezes; o primeiro amigo Gustavo Bebianno, ex-presidente do PSL, será o ministro de várias pastas; Magno Malta, porta-voz no período de campanha no hospital, um segundo amigo, já foi ministro da Educação e da Saúde. Ainda há o grupo militar da transição e, nele, o vice-presidente eleito, com mandato, também falando fora do ritmo.

Cristiano Romero: Carta ao Raymundinho

- Valor Econômico

Sem o colunista, ficou mais difícil entender Brasília

Raymundinho, deu Bolsonaro, como você previu desde o início desta campanha, a oitava que você cobriu desde a redemocratização do país. Não foi um passeio. O ex-capitão venceu com 55,13% dos votos válidos, 10,8 milhões a mais que Fernando Haddad (PT). Este cresceu de forma impressionante nas últimas duas semanas antes da votação do 2º turno. O arranque foi motivado não propriamente por méritos da estratégia eleitoral petista, mas por erros de Bolsonaro e seus aliados.

Ray, como conhecedor profundo das mumunhas de Brasília, você foi um dos poucos analistas que não subestimaram a ascensão do deputado do PSL. Também pudera: você, seu danado, acompanhava a cena política nacional desde os tempos em que não se pronunciava a palavra "democracia" no Planalto Central. A eleição de domingo quebrou paradigmas. Acreditávamos, por exemplo, que brasileiros não elegem os extremos do espetro político, que temos inarredável tendência a votar no centro, que não gostamos de candidatos radicais.

Mea culpa, Ray: este colunista dizia por aí, desde o início do ano, quando o nome Bolsonaro pululava nas redes sociais, que a preferência por ele derreteria assim que os nomes dos demais contendores se tornassem conhecidos. Ora, o presidente eleito faz campanha nas redes desde 2015. E a sua bandeira foi uma só: o antipetismo. Se tivesse prestado atenção a esse detalhe, este seu colega não teria errado.

Raymundo, você viu, o povo está tão bravo, mas tão bravo com o PT que a ex-presidente Dilma Rousseff não conseguiu se eleger senadora em Minas Gerais depois de liderar as pesquisas por toda a campanha - será que teria tido melhor sorte no Rio Grande do Sul, onde fez sua carreira política? Um dos problemas do PT foi justamente não aceitar a realidade como ela é.

Dilma traiu a memória de Lula ao mudar a política econômica que ele consagrou em seu dois mandatos (2003-2010) e que foi crucial para levar a sucessora, que até então não havia se submetido ao sufrágio popular, ao poder. Ray, você se lembra, inclusive porque tinha muitos admiradores no mercado financeiro, que nunca uma crise foi tão anunciada como esta que ainda assola o Brasil. Foram três anos de recessão, mais dois de baixíssimo crescimento, o PIB encolheu 7%, o desemprego chegou a 14 milhões de pessoas, firmas quebraram, Estados entraram em ruína, a União não sai mais do vermelho.

Raymundinho, perdemos meia década! Uma crise, ao contrário de tantas que a nação enfrentara, forjada aqui mesmo pela então presidente e seus assessores, todos críticos das políticas que tornaram Lula o maior líder popular de nossa história. Dá para entender? Certa feita, você citou a célebre frase do Barão de Itararé, sempre usada pelo ex-senador Marco Maciel, para definir os resultados da gestão Dilma: "As consequências vêm depois".

Ah, Ray, que saudade dolorida de seus textos memoráveis decifrando enigmas da Capital Federal. Foi inspirado em seus ensinamentos e exegeses que este repórter cunhou a expressão: "Brasília não conhece São Paulo e São Paulo não conhece Brasília". No raciocínio, São Paulo pode ser substituído por Brasil, embora, registre-se, o Brasil, em muitos de seus aspectos, esteja bem distante do Estado mais rico do país.

José Eli da Veiga: Do Nobel ao "ruralismo"

- Valor Econômico

Expressão 'agronegócio' também serve de biombo ao parasitismo 'ruralista', antagônico à eficiência produtiva

William Nordhaus foi laureado com o Nobel de Economia deste ano por ter sido pioneiro em reintroduzir no cérebro dos economistas uma dimensão da realidade ausente por mais de um século (1870-1977): a natureza. Modelando as conexões entre crescimento e clima, causou estupefação ao concluir o que hoje é quase trivial: a necessidade de taxar emissões de carbono.

Tão justa homenagem - 41 anos depois de seu célebre artigo na American Economic Review (67-1: 341-6) - incentivará jovens estudantes a se perguntarem como foi possível que a natureza tenha sido por tanto tempo banida da teoria econômica. Houve até quem ganhasse Nobel depois de dizer que o mundo se daria muitíssimo bem sem recursos naturais, graças a substituições de capital e trabalho. Foi o que escreveu Robert Solow no mesmo periódico (64-2: 1-14), concepção logo apelidada de 'Jardim do Eden' pelo injustiçado Nicholas Georgescu-Roegen (cf. Valor de 03/09/04 e 08/02/08).

Uma das piores consequências de tão radical abandono do beabá da escola clássica foi longa atrofia teórica das análises sobre as atividades que formam o chamado 'agro', a parte viva do setor primário que virou 'pop': agricultura, pecuária e florestas. Por mais de um século, os economistas torceram para que o "residual" ramo biológico se "industrializasse". O que legitimava a crença em supostamente universal "teoria da produção", cega ao fato de a elevação da produtividade do 'agro' depender sobretudo das tecnologias que mais propiciam a seres vivos reunirem as condições de seu próprio desenvolvimento orgânico.

Não por outro motivo, a grande inovação intelectual do século passado nesta área de pesquisa acabou emergindo dos mais realistas e pragmáticos estudos de negócios, conduzidos por administradores. Na Harvard Business School, um ovo de Colombo desbancou, desde 1955, a falsa expectativa de industrialização. John H. Davis (1904-1988) e Ray A. Goldberg (1926-) adotaram como objeto de análise o conjunto transversal das atividades industriais e terciárias mais diretamente ligadas à apropriação da natureza pelo 'agro'. O recorte "agribusiness" - feito pela dupla na matriz insumo-produto lançada em 1941 por Wassily Leontief - aniquilou a visão tradicional que ignorava os encadeamentos à montante e à jusante, separando o 'agro' de transações fora das porteiras dos estabelecimentos agropecuários e florestais.

Hélio Schwartsman: Bolsonaro e a imprensa

- Folha de S. Paulo

Presidente eleito precisa resignar-se à ideia de que vivemos num Estado liberal

Jair Bolsonaro não gosta da Folha. É um direito dele. Mas, se opresidente eleito pretende cumprir sua promessa de obedecer à Constituição, precisa resignar-se à ideia de que vivemos num Estado liberal no qual vige a liberdade de imprensa.

Mais do que uma cereja decorativa no bolo da democracia, a liberdade de imprensa, ao lado das liberdades de expressão e de pensamento, são importantes porque ajudam a manter sob controle tanto o poder do Estado como o de maiorias circunstanciais.

O filósofo John Stuart Mill (1806-1873) já disse quase tudo o que é preciso dizer sobre o assunto. Não é só o soberano que pode cometer injustiças contra o indivíduo. As “opiniões e sentimentos prevalecentes”, que Mill chama de “tirania da maioria”, podem ser igualmente opressivas, se não mais.

Bruno Boghossian: O poder da divergência

- Folha de S. Paulo

Fusão de Bolsonaro deixa país sujeito a propaganda ruralista

O ainda pré-candidato Jair Bolsonaro já considerava o Ministério do Meio Ambiente um problema. Num vídeo divulgado em março, o deputado disse que as “multagens” a produtores rurais acusados de desmatamento eram absurdas e propôs o fim da pasta.

“Nós inclusive pensamos em fundir o Ministério da Agricultura com o Meio Ambiente. Aí vai acabar a brincadeira dessa briga entre ministérios. E quem vai indicar vão ser os homens do campo. São as entidades que vão indicar”, declarou.

O agora presidente eleito vai levar o projeto adiante. Depois de negociações com representantes do agronegócio, marcadas por recuos sucessivos, Bolsonaro decidiu unir as duas pastas. Os órgãos de fiscalização ambiental, segundo o plano, ficarão submetidos à Agricultura.

As palavras do deputado ao longo da campanha mostram que seu futuro governo escolheu o lado mais pueril do lobby ruralista. Seus conselheiros para o setor conseguiram convencê-lo de que a maneira mais simples de acabar com as divergências era sufocar um dos lados.

Especialistas e até empresários do setor lançaram alertas ao longo dos últimos meses sobre o risco dessa cartada. A fusão das duas pastas, sob a tutela dos produtores, pode ser interpretada como um retrocesso num mercado internacional que cobra dos produtores cada vez mais garantias de proteção ambiental.

Vinicius Torres Freire: Grandes poderes e brigas de Guedes

- Folha de S. Paulo

Superministro terá força e alcance inéditos no governo da economia do Brasil

Jair Bolsonaro concedeu a Paulo Guedes poderes que nenhum ministro da Economia teve, com a exceção talvez de Delfim Netto, na primeira metade dos anos 1970, auge econômico e político da ditadura militar.

Uma grande diferença é que Delfim muito contribuiu para criar estruturas e modos de governo da economia que duraram até os anos 1990, dos quais sobrevivem restos arqueológicos. Guedes, por sua vez, pretende abalar as estruturas e encolher o Estado de modo inédito no Brasil.

Já é chamado de "czar" da economia, assim como o foi Delfim. Com grandes responsabilidades, virão grandes conflitos com:

1) defensores da Previdência tal como a conhecemos; 2) a indústria (já em revolta com o czar) e empresas do comércio exterior; 3) políticas industriais e proteções em geral; 4) servidores; 5) estatais.

Guedes foi indicado para chefiar o superministério da Economia, que incluiria as atuais pastas da Fazenda, do Planejamento e da Indústria e Comércio Exterior. Os nomes burocráticos não impressionam?

Entre outras atribuições, a Fazenda define os gastos possíveis do Orçamento (diz se há dinheiro para liberar), administra os empréstimos do governo falido e a dívida pública, além da Receita Federal. Desde Michel Temer, ficou também com a Previdência.

Ricardo Noblat: Bolsonaro preside e Guedes governa

- Blog do Noblat | Veja

De um único posto a uma rede de postos

Nem Delfim Netto em certo período da ditadura militar de 64, ou talvez somente foi ou aparentou ser mais poderoso do que será a partir de janeiro próximo o economista Paulo Guedes, que de uma só tacada acumulará os ministérios da Fazenda, do Planejamento e da Indústria e Comércio do governo do presidente eleito Jair Bolsonaro.

A confirmar-se o que ontem foi anunciado, Bolsonaro presidirá o país – para isso se elegeu no último domingo com expressiva votação. Mas quem governará será Guedes, o Posto Ipiranga ungido por Bolsonaro, que de simples posto não terá nada. Guedes estará mais para uma rede de postos, a única do mercado, da qual dependerá tudo mais.

Será um tremendo desafio para um economista que nunca serviu a governos em cargos executivos, não tem experiência em lidar com políticos e nem mesmo é reconhecido como uma sumidade por seus pares. Eles reverenciam sua inteligência e seu reconhecido dom para a polêmica, e é só. Caberá a Guedes provar as demais qualidades que imagina ter.

Os ministérios da Fazenda e do Planejamento já foram um só no passado. Deixaram de ser quando o conhecimento avançou e a administração pública se tornou muito mais complexa. A fusão dos dois é considerada um retrocesso por economistas de grosso calibre. Juntá-los com Indústria e Comércio, uma temeridade. Mas vamos que vamos. Bolsonaro tem muitas fichas para gastar.

Se a experiência, afinal, for malsucedida como se teme, ou se o temperamental Guedes acabar se desentendo no futuro com parte dos demais ministros, Bolsonaro sempre poderá dizer que tentou o que lhe parecia o melhor para o Brasil, que não tem e jamais terá a obrigação de entender de tudo, engatando em seguida uma meia volta, volver.

Luiz Carlos Azedo: Licença para matar

- Correio Braziliense

“A Constituição garante o direito à vida e à liberdade, mas as mudanças no Código Penal para ajustá-lo aos direitos humanos nunca obtiveram consenso amplo. Há uma disjuntiva com a segurança pública”

O governador eleito do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, do PSC, anunciou ontem que já solicitou um levantamento sobre os “snipers” (atiradores de elite) das polícias civil e militar fluminense. Também adiantou que pedirá ao novo presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), que prorrogue a presença das Foças Armadas no Rio, com um decreto de Garantia da Lei e da Ordem, por mais 10 meses. Juiz federal afastado das funções, Witzel pretende pôr em prática uma polêmica proposta do general Augusto Heleno, futuro ministro da Defesa e um dos integrantes da equipe de transição do novo governo federal: autorizar que integrantes das unidades especiais do Exército atirem primeiro nos traficantes ostensivamente armados de fuzis e outros armentos privativos das Forças Armadas.

“Tinha cinco elementos de fuzil. Ali, se você tem uma operação em que os nossos militares estão autorizados a fazer o abate, todos eles seriam sido eliminados”, disse Witzel, comentado cenas de uma reportagem de tevê que havia flagrado bandidos ostensivamente armados numa favela carioca. Segundo o governador, policiais especializados em disparos precisos e a longa distância também poderão ser colocados em helicópteros para efetuar os disparos. A autorização para o abate de criminosos de fuzil nas ruas, segundo o novo governador, é uma interpretação pessoal do Código Penal. “Prefiro defender policiais no Tribunal do que ir a funeral. O policial será defendido. Se condenado, nós vamos recorrer. Se a sentença for mantida, é um risco que a gente corre. O que me deixa desconfortável é ver bandido com fuzil na rua”, disse.

Acostume-se: Editorial | Folha de S. Paulo

A imprensa não deixará de escrutinar o poder porque seus detentores adotam a tática da intimidação

O presidente eleito, Jair Bolsonaro, parece obcecado com este jornal. No dia seguinte ao pleito, quando tradicionalmente candidatos vitoriosos desfilam com discursos magnânimos, ele se desviou do protocolo e voltou a ameaçar a Folha.

Ao Jornal Nacional, da TV Globo, reclamou de reportagem que em janeiro revelou o emprego indevido de uma servidora de seu gabinete da Câmara dos Deputados. Na época, afirmou, ela estava em férias e por isso foi localizada em Angra dos Reis (RJ), onde o deputado mantém uma casa de veraneio.

Bolsonaro deixou de dizer, no entanto, que exonerou a funcionária após nova visita de jornalistas da Folha ao balneário, em agosto, constatar que o desvio continuava. O Ministério Público abriu investigação para apurar se o deputado cometeu improbidade no caso.

Seria apenas mais um episódio desimportante de memória seletiva de um político se o presidente eleito não tivesse aventado se vingar da Folha quando assumir o Planalto, cortando-lhe verbas publicitárias federais. “Imprensa que se comportar dessa maneira indigna não terá recursos”, afirmou.

Pela primeira vez na história da Nova República, o eleito para servir à Constituição no cargo mais elevado sugere descumprir, uma vez empossado, o princípio constitucional da impessoalidade na administração. Está documentada a afronta, de resto reincidente.

Limites ao arbítrio: Editorial | Folha de S. Paulo

Maioria das ações em universidades pareceu de severidade despropositada

Na semana que antecedeu o segundo turno, mais de uma dezena de universidades foram objeto de ações da Justiça Eleitoral. O motivo das autoridades, nem sempre justificado com clareza, era proibir, evitar ou interromper o que julgavam serem atos de propaganda eleitoral nessas instituições.

A maioria de tais iniciativas, entretanto, pareceu de severidade despropositada, quando não apenas arbitrária e seletiva.

Nesse balaio de gatos pardos de suspeitas, havia debates de associações de estudantes e professores, faixas, cartazes e bandeiras penduradas em fachadas e muros, algumas frases em um site de universidade e reuniões diversas, agendadas com um suposto objetivo de favorecimento político-partidário.

O fundamento dessas intervenções seria o trecho da Lei das Eleições que veda a candidatos o recebimento direto ou indireto de doações em dinheiro ou de valor estimável, inclusive por meio de publicidade, de órgãos públicos.

Em casos pontuais e facilmente identificáveis, como o de um texto em página eletrônica, haveria como concordar que se estivesse aplicando a lei, embora com falta de proporção evidente.

Oposição leal: Editorial | O Estado de S. Paulo

Se a preocupação de todos os protagonistas da eleição concluída no domingo era preservar a democracia, como dizem ter, então a primeira atitude a tomar desde já é não apenas comprometer-se a respeitar o resultado das urnas, mas principalmente a exercer bem e com serenidade o papel que lhes caberá ao longo do próximo mandato presidencial – seja como governo, seja como oposição –, de modo a privilegiar exclusivamente o interesse maior do País.

Isso significa não somente que o vencedor da eleição não pode tratar a oposição como inimiga, como a oposição precisa ter claro que seu papel é o de eventualmente contestar medidas propostas e adotadas pelo governo, e com as quais não concorda, e propor alternativas, e não acabar com o País. Ou seja, a oposição precisa ser leal com o Brasil e com seu eleitor, que não lhe conferiu um mandato político para sabotar o governo e agravar uma crise que já foi longe demais. Afinal, não há democracia se o diálogo entre forças políticas antagônicas está interditado por definição.

É preciso que, de parte a parte, haja consciência do enorme desafio a superar nos próximos tempos, e que um eventual insucesso do governo eleito nessa empreitada pode comprometer o futuro do País por décadas. Não é possível que o interesse particular deste ou daquele partido e deste ou daquele líder político se sobreponha à tarefa essencial de tirar o Brasil dessa profunda barafunda econômica, política e moral.

Reforma da Previdência requer pressa: Editorial | O Globo

Intenção de começar as mudanças com o atual Congresso é adequada à grande dimensão da crise fiscal

Na maratona de entrevistas a redes de TV, na segunda, o presidente eleito Jair Bolsonaro avançou na divulgação de mais pontos do seu programa de governo, além dos anunciados no discurso formal proferido no domingo à noite, de casa, após ser proclamado vitorioso nas eleições.

No pronunciamento, fixou bases de uma política econômica liberal, como se esperava. Nas entrevistas, confirmou a intenção de aprovar alguma parte da reforma da Previdência encaminhada pelo governo Temer ao Congresso. O atual presidente já havia acenado com esta possibilidade ao futuro sucessor, ainda durante a campanha eleitoral. Gesto oportuno, porque os 13 anos de lulopetismo no poder impediram reformas em aspectos essenciais do desequilibrado e injusto sistema previdenciário brasileiro. A força de corporações sindicais dentro do PT sempre impediu uma reforma consistente na seguridade.

O funcionalismo inativo e pensionistas passaram a contribuir, mas nada foi feito, de forma vigorosa, contra os inaceitáveis desníveis entre benefícios dos servidores — R$ 28,5 mil dos servidores do Legislativo, por exemplo — e a aposentadoria pelo INSS, do assalariado do setor privado — R$ 1.240. Um mecanismo invisível, mas muito eficaz de concentração de renda. Enquanto isso, o déficit do sistema explodiu — no ano passado foi de R$ 268,8 bilhões, 18,7% superior ao de 2017. E a tendência se mantém.

Intenção de flexibilizar Estatuto do Desarmamento é um equívoco: Editorial | O Globo

Pesquisa feita na semana passada mostra que maioria da população é favorável ao controle de armas

O presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) reafirmou a disposição de flexibilizar o Estatuto do Desarmamento, em entrevista à TV Record, na segunda-feira. Para ele, a facilitação do acesso às armas aumentará a segurança dos cidadãos. Defendeu inclusive que caminhoneiros pudessem se armar para enfrentar o aumento da violência.

Não surpreende que o ex-capitão tenha citado a revisão da legislação de controle de armas, aprovada em 2003, durante o governo Lula, como uma das prioridades de sua futura administração. Na campanha para a Presidência, o tema já tinha assumido protagonismo — não foram poucas as vezes em que o então candidato apareceu simulando o gesto de uma arma com os dedos.

Compreende-se que o combate à violência é um compromisso assumido pelo recém-eleito presidente Jair Bolsonaro com os brasileiros, que dele esperam medidas concretas para reduzir os alarmantes índices de todo o país—são 62.517 homicídios/ ano, segundo o Atlas da Violência 2018. Há muito o que se fazer para derrotar este que é hoje um dos problemas mais graves e urgentes da nação. Mas escolher como alvo o Estatuto do Desarmamento, já quase inteiramente desfigurado ao longo de uma década e meia pelas manobras da bancada da bala, é um caminho equivocado.

Pautas-bomba põem em alerta equipe do novo governo: Editorial | Valor Econômico

Nos praticamente dois meses que separam a eleição deste fim de semana da posse do futuro presidente, Jair Bolsonaro, no início de 2019, diversos projetos devem ser apreciados pelo Congresso e poderão influenciar seriamente os planos do próximo governo. As votações foram praticamente interrompidas no segundo semestre por conta das eleições e algumas medidas até perderam a validade pela ausência de quórum. Há quase uma dezena de medidas nessas condições, com potencial para afetar diretamente as contas fiscais.

O quórum baixo durante o período eleitoral já fez caducar a Medida Provisória que acabava com os incentivos tributários para indústria petroquímica, adotada para compensar a desoneração do óleo diesel, com a qual o governo esperava economizar R$ 172 milhões neste ano e R$ 740 milhões em 2019. Foi aprovada uma proposta de renegociação mais generosa da dívida de produtores rurais, que elevou o custo para o governo de R$ 1,5 bilhão, projetado inicialmente, para R$ 5,2 bilhões.

Mas há mais "pautas-bomba" pela frente, como o adiamento da elevação do salário do funcionalismo de 2019 para 2020. O aumento foi aprovado em 2015 pela presidente Dilma Rousseff, e confirmado, depois, por Michel Temer, mas vem sendo adiado para postergar despesas estimadas em R$ 4,7 bilhões. Com 123 emendas, a MP que autoriza nova postergação perde a validade em fevereiro, mas precisa ser aprovada neste ano. Até agora, porém, nem a comissão especial destinada a analisá-la foi criada.

Candidatos derrotados criticam declarações de Bolsonaro como presidente eleito

Geraldo Alckmin, Marina Silva e Guilherme Boulos usaram as redes sociais para se posicionar contra Jair Bolsonaro

Luiz Raatz e Paulo Beraldo, O Estado de S.Paulo

Três candidatos derrotados à Presidência da República criticaram as primeiras entrevistas do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) um dia após a definição do resultado das urnas. Presidente do PSDB, Geraldo Alckmin criticou as falas de Bolsonaro sobre retirar verbas públicas dos veículos de imprensa que se comportarem de maneira "indigna". Marina Silva, líder da Rede, se posicionou contra a proposta do presidente eleito de alterar o Estatuto do Desarmamento. Por sua vez, Guilherme Boulos (PSOL) disse que Bolsonaro manteve o "discurso de ódio" e afirmou que o presidente precisa saber que "não se acaba com movimento social com decreto ou violência".

Alckmin fez suas críticas nas redes sociais após Bolsonaro dizer ao Jornal Nacional, da TV Globo, que pretende tirar recursos do governo federal de veículos de imprensa que se comportarem de maneira "indigna" como é supostamente o caso, segundo Bolsonaro, do jornal Folha de S. Paulo.

Na primeira manifestação de Alckmin desde o primeiro turno da eleição, no qual o tucano terminou em quarto lugar, com 4,76% dos votos, o ex-governador disse que Bolsonaro começou mal.

"A defesa da liberdade ficou no discurso de domingo. Os ataques feitos hoje pelo futuro presidente à Folha de S. Paulo representam um acinte a toda a Imprensa e a ameaça de cooptar veículos de comunicação pela oferta de dinheiro público é uma ofensa à moralidade e ao jornalismo nacional", disse Alckmin em sua conta no Facebook.

Ao JN, Bolsonaro prometeu respeitar a liberdade de imprensa, mas disse que o repasse de verbas de anúncios da União é uma coisa diferente. "Sou totalmente favorável à liberdade de imprensa, mas temos a questão da propaganda oficial de governo, que é outra coisa”, disse. “Não quero que (a Folha) acabe. Mas, no que depender de mim, imprensa que se comportar dessa maneira indigna não terá recursos do governo federa. Por si só esse jornal se acabou."

Para o presidente do PSDB, as declarações de Bolsonaro sinalizam que o presidente eleito pretende substituir a liberdade de Imprensa pelo clientelismo de Imprensa. "Alguns fazem críticas aos seus críticos porque não conhecem seus próprios limites. O futuro Presidente vai ter de conviver e de respeitar todos e, em especial, os que a ele dirijam críticas", disse.

Alckmin não divulgou voto no segundo turno e o PSDB manteve-se neutro na eleição. Seu afilhado político, João Doria, eleito governador de São Paulo, aderiu com afinco a campanha do candidato do PSL. No discurso da vitória, o ex-prefeito de São Paulo elogiou Bolsonaro e disse "o meu PSDB tem lado".

'Começou mal', diz Alckmin sobre ataques e ameaças de Bolsonaro à imprensa

No primeiro dia como presidente eleito, político do PSL questionou a 'Folha' e prometeu cortas verbas de propaganda oficial de veículos que 'mintam' a seu respeito

O Globo

RIO - O ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin (PSDB) criticou o presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) por reiterar ataques ao jornal "Folha de S. Paulo" - e à imprensa em geral - durante entrevista ao "Jornal Nacional", na noite desta segunda-feira. No primeiro dia após a vitória no pleito, o parlamentar voltou a acusar o diário de propagar informações falsas a seu respeito e ameaçou cortar verbas de propaganda oficial de veículos jornalísticos que agirem, conforme sua avaliação, "mentindo descaradamente". Durante a campanha, Bolsonaro mirou na "Folha" sobretudo desde a publicação de reportagens que apontaram a existência de uma funcionária fantasma em seu gabinete e disparos de fake news no WhatsApp pagos por empresários em seu favor na disputa à Presidência.

Alckmin, que saiu derrotado da eleição no primeiro turno, apontou contradição no discurso de liberdade do presidente eleito e avaliou que Bolsonaro "começou mal".

"Começou mal. A defesa da liberdade ficou no discurso de ontem", ressaltou Alckmin, pelo Twitter, em referência ao discurso da vitória de Bolsonaro, no qual o político do PSL prometeu defender "a democracia, a Constituição e a liberdade" dos brasileiros.

Alckmin escreveu na rede social que "os ataques (do parlamentar) à Folha representam um acinte a toda a imprensa" e colocam uma ameaça de "cooptar veículos de comunicação pela oferta de dinheiro público" - o que, na visão do tucano, "é uma ofensa à moralidade e ao jornalismo nacional".

"É pretender substituir a liberdade de Imprensa pelo clientelismo de Imprensa. Alguns fazem críticas aos seus críticos porque não conhecem seus próprios limites. O futuro presidente vai ter de conviver e de respeitar todos e, em especial, os que a ele dirijam críticas", destacou Alckmin.

Na entrevista ao Jornal Nacional, Bolsonaro citou uma reportagem veiculada pelo jornal no início do ano, revelando que uma funcionária lotada no gabinete dele vendia açaí em um pequeno comércio de Angra dos Reis, na mesma rua onde fica sua casa de veraneio. Na ocasião, ele alegou que a assistente estava de férias. Nesta segunda-feira, ele desqualificou as informações da reportagem dizendo que o jornal havia mentido no episódio.

Entidades condenam ameaça de Bolsonaro de retaliar jornais

Presidente eleito falou em cortar verba pública de veículos de imprensa que se ‘comportarem de maneira indigna’

Luiz Raatz | O Estado de S.Paulo

A Associação Nacional de Jornais (ANJ) e a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) criticaram nesta terça-feira, 30, as declarações dadas pelo presidente eleito, Jair Bolsonaro, do PSL, sobre o jornal Folha de S. Paulo. Em entrevista ao Jornal Nacional, da TV Globo, na segunda-feira, Bolsonaro ameaçou retirar verbas públicas dos veículos de imprensa que se comportarem de maneira "indigna", e citou a Folha como um desses casos. Ele acusa o jornal de propagar notícias falsas a seu respeito.

“É preocupante que o presidente eleito tenha manifestado a intenção de usar verbas publicitárias oficiais como forma de punição a um jornal por discordar de seu noticiário", disse o presidente da ANJ, Marcelo Rech. "Os investimentos do governo em publicidade, como qualquer outra verba pública, devem seguir sempre critérios técnicos, e não políticos ou partidários”.

Já a Abraji disse receber com apreensão as declarações dadas por Bolsonaro a respeito da imprensa nos últimos dois dias. "O respeito à Constituição - à qual o presidente fará um juramento solene de obediência no dia 1º de janeiro de 2019 - não é pleno quando a imprensa se converte em objeto de ataques e de ameaças", afirmou a entidade em nota.

O texto afirmou ainda que “fiscalizar o poder público – e, em particular, as ações do presidente da República – sempre foi e seguirá sendo uma função inerente ao jornalismo, exercida em nome do interesse público”. “Zelar por essa função é missão primordial da Abraji, assim como deve ser objeto de zelo de todo governo democrático.”

Declaração de Bolsonaro sobre a Folha preocupa organizações de jornalistas e de direitos humanos

Para entidades, discurso anti-imprensa alimenta confronto contraproducente para democracia

Débora Sögur Hous, Géssica Brandino | Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Associações de jornalistas profissionais e organizações de defesa dos direitos humanos manifestaram repúdio às declarações que o presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) disse em entrevista ao Jornal Nacional contra a Folha na segunda-feira (29).

Na ocasião, Bolsonaro afirmou que "no que depender de mim, imprensa que se comportar de maneira indigna não terá recursos do governo federal”. O presidente eleito, depois, completou: “Por si só esse jornal [Folha] se acabou”.

Para as organizações, o presidente eleito não deveria cogitar usar cortes de verbas oficiais para retaliar jornais. Além disso suas declarações alimentam um clima de confronto com a mídia que é contraproducente. As entidades também defendem que a liberdade de atuação de uma imprensa livre e crítica é fundamental para que a democracia funcione.

Marcelo Rech, presidente ANJ (Associação Nacional de Jornais) e vice-presidente do Fórum Mundial de Editores disse que é preocupante que o presidente eleito tenha reiterado a intenção de usar o corte de verbas publicitárias oficiais como forma de punição quando discorda de um jornal. “Os investimentos do governo em publicidade, como qualquer outra verba pública, devem seguir sempre critérios técnicos, e não políticos ou partidários."

O presidente nacional da OAB, Claudio Lamachia, afirmou que a liberdade de imprensa é essencial para garantir o acesso à informação de qualidade. "A liberdade de imprensa é garantida pela Constituição para que a sociedade tenha efetivado seu direito a ter informações de qualidade, críticas e isentas", disse. Lamachia defende que a relação entre o governo e os veículos de mídia busque concretizar o direito à informação "com a existência de uma imprensa livre e responsável e de um governo que compreenda o papel independente, mas crítico, do jornalismo".

A seccional da OAB em São Paulo pontuou que a liberdade de expressão e de imprensa, ao lado do livre exercício da religião, constituem o "lume da democracia moderna". "Não se admite qualquer agressão aos princípios que regulam a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa, ou, ainda, ameaças às atividades de profissionais que militam nos meios de comunicação", disse o presidente da entidade, Marcos da Costa.

A Associação Brasileira de Imprensa (ABI) disse em nota que "verbas de publicidade oficial do Governo não podem ser usadas como moeda de troca, ou distribuídas de acordo com as oscilações de humor de quem tem o dever de administrá-las com equilíbrio e lisura". Segundo o presidente da entidade, Domingos Meirelles, "o novo presidente da República não recebeu alvará que o isenta dos compromissos com a democracia, cujo respeito a liberdade de expressão é um dos seus pilares".

Arnaldo Jordy: Espero que o presidente eleito respeite a democracia

“Não sou daqueles que acham que o processo vai sofrer uma ruptura"

Portal do PPS

O deputado federal Arnaldo Jordy (PPS-PA) afirmou, nesta terça-feira (30), da tribuna da Câmara, que espera que o presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) cumpra o que prometeu em discurso horas depois de ter vencido o pleito contra Fernando Haddad (PT).

Jordy desejou boa sorte a Bolsonaro e defendeu o respeito à democracia. “Quero parabenizar o vencedor, o deputado Jair Bolsonaro, que se elegeu pelo sufrágio das urnas. O PPS não o apoiou. Espero que ele possa cumprir as palavras que disse durante sua primeira entrevista à televisão: respeito à Constituição Federal, à democracia e aos direitos e liberdades individuais e coletivas conquistados com muito suor e muito sangue pela sociedade brasileira”, afirmou o deputado paraense.

Jordy disse ainda que não acredita em rupturas que possam prejudicar o País. As instituições, segundo Jordy, estão em pleno funcionamento.

“Não sou daqueles que acham que o processo vai sofrer uma ruptura. O Brasil é democracia consolidada, com todas suas instituições funcionando. Os poderes estão vivos e sendo mais afirmados. Desejo que o presidente eleito possa cumprir seus compromissos de campanha”, acrescentou o parlamentar.

Arnaldo Jordy ressaltou ainda posicionamento do seu partido no Congresso Nacional durante as votações.

“ O PPS estará aqui firmado na trincheira da oposição, evidentemente apoiando aquilo que possa ser interesse da população. Mas também fazendo a crítica contundente contra aquilo que signifique retrocesso”, concluiu.

Roberto Freire diz que PT e o ex-presidente Lula foram os “grandes derrotados” da eleição

Freire disse que o PPS fará "oposição democrática" ao novo governo

O presidente nacional do PPS, Roberto Freire, disse por meio de sua conta no Twitter (abaixo), nesta terça-feira (30), que os “grandes derrotados” da eleição presidencial vencida pelo candidato do PSL, Jair Bolsonaro, foram o PT e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, preso desde abril, em Curitiba.

O post de Freire é uma reação à carta do coordenador da campanha de Fernando Haddad (PT), José Sérgio Gabrielli, citada em matéria do jornal “O Estado de S. Paulo” (veja aqui), na qual o ex-presidente da Petrobras recomenda a Lula a manutenção do candidato do PT derrotado nas urnas no último domingo (28) como “líder de uma oposição que deve incluir outras forças que se uniram contra o risco à democracia.”

“Não perdem o arrogante hegemonismo e pretendem determinar o líder das oposições no País. Não entenderam que seu tempo está passando”, escreveu Freire.

Para o presidente do PPS, a derrota do ex-presidente e do PT seria ainda maior “se o centro não fosse dizimado no primeiro turno pelo bolsonarismo”.

PPS na oposição
Ao comentar o resultado da eleição no domingo (28), Freire disse que o PPS fará “oposição democrática” ao novo governo. “Que tenham certeza que receberá do PPS uma oposição democrática. Terá sempre a certeza do PPS o compromisso de apoiar tudo aquilo que for de interesse público e para o bem da sociedade.” afirmou o dirigente.

Roberto Freire – @freire_roberto
PT/Lula os grandes derrotados dessa eleição – e seriam ainda mais se ocentro não fosse dizimado no primeiro turno pelo bolsonarismo- não perdem o arrogante hegemonismo e pretendem determinar o líder das oposições no país. Não entenderam que seu tempo está passando…

Getulio Cavalcante e Bloco da saudade: Último Regresso

João Cabral de Melo Neto: A lição de poesia

1.
Toda a manhã consumida
como um sol imóvel
diante da folha em branco:
princípio do mundo, lua nova.

Já não podias desenhar
sequer uma linha;
um nome, sequer uma flor
desabrochava no verão da mesa:

nem no meio-dia iluminado,
cada dia comprado,
do papel, que pode aceitar,
contudo, qualquer mundo.
2.
A noite inteira o poeta
em sua mesa, tentando
salvar da morte os monstros
germinados em seu tinteiro.

Monstros, bichos, fantasmas
de palavras, circulando,
urinando sobre o papel,
sujando-o com seu carvão.

Carvão de lápis, carvão
da ideia fixa, carvão
da emoção extinta, carvão
consumido nos sonhos.
3.
A luta branca sobre o papel
que o poeta evita,
luta branca onde corre o sangue
de suas veias de água salgada.

A física do susto percebida
entre os gestos diários;
susto das coisas jamais pousadas
porém imóveis - naturezas vivas.

E as vinte palavras recolhidas
as águas salgadas do poeta
e de que se servirá o poeta
em sua máquina útil.

Vinte palavras sempre as mesmas
de que conhece o funcionamento,
a evaporação, a densidade
menor que a do ar.

terça-feira, 30 de outubro de 2018

Opinião do dia: Fernando Gabeira

O novo governo tem uma agenda brava, e só me resta usar esses meses de transição para estudar melhor e criticá-la com fundamento.

Outro campo de estudo se abre. A frase de Mano Brown — é preciso encontrar o povo — foi endereçada ao PT. Mas não vale também para o sistema partidário, a academia, a mídia, os especialistas? Como reconciliá-los com o homem comum?

As manifestações de 2013 colocaram na rua multidões com uma aspiração difusa de melhores serviços. As de 2015 afunilaram na denúncia da corrupção, impulsionaram a queda de Dilma.

Uma esquerda, sem élan para se reinventar ou base teórica para vislumbrar o horizonte, tornou-se uma presa fácil no debate de ideias.

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Fernando Gabeira, jornalista, ‘Uma virada à direita’, O Globo, 29/10/2018.

Eliane Cantanhêde: O novo Bolsonaro

- O Estado de S.Paulo

Passada a eleição, Bolsonaro mostra que sabe ouvir e sabe recuar. E na economia?

Já nos primeiros momentos e dias o presidente eleito, Jair Bolsonaro, dá indicações sobre o seu governo bem mais claras do que durante a longa campanha eleitoral. Ele mudou o tom, faz apelos à união dos brasileiros, deixa vazar nomes do futuro Ministério e decide que suas primeiras viagens internacionais serão aos Estados Unidos, ao Chile e a Israel. Isso diz tudo sobre o eixo da política externa.

Para reforçar a descompressão política, o petista Fernando Haddad, que não tinha telefonado para Bolsonaro no domingo, enviou-lhe ontem uma mensagem de paz pelas redes sociais. Num tom coloquial, mas respeitoso, Haddad disse que o Brasil merece “o melhor” e desejou sorte ao futuro presidente. Seco, mas sem belicosidade, Bolsonaro enfatizou “o melhor”.

Essa troca de mensagens, se foge à tradição pós-eleições, sobretudo eleições presidenciais, pelo menos sinaliza aos eleitores e à militância do PT e de Bolsonaro que o pior da guerra passou e é hora de uma trégua para respirar, recuperar forças e reduzir o nível de estresse no País.

Durante a campanha Bolsonaro foi alvo de duríssimas reportagens das publicações mais importantes do mundo, inclusive, ou principalmente, dos grandes veículos liberais, mas bastou ser eleito para atrair telefonemas, mensagens e votos de sucesso dos maiores líderes mundiais, a começar do americano Donald Trump, de quem o futuro presidente brasileiro é um admirador declarado.

* Aloysio Nunes Ferreira: A reconstrução do Mercosul

- O Estado de S.Paulo

Legado do governo do presidente Temer reclama continuidade, para o bem do Brasil

Há um debate na sociedade brasileira em torno da relevância do Mercado Comum do Sul (Mercosul). De fato, há pouco mais de dois anos o panorama era desolador. A letargia do bloco, evidente. Os propósitos que levaram à sua criação soavam como uma vaga lembrança, ocupados que estavam Estados-membros em utilizar o bloco para ecoar preferências ideológicas, sem conexão com os reais interesses de nossas sociedades.

Uma das maiores conquistas do governo Temer na área externa é ter colaborado para a reconstrução do Mercosul. Ao lado da Argentina, do Paraguai e do Uruguai, o Brasil trabalhou com afinco para recuperar a vocação original de um regionalismo aberto. Os resultados apareceram rapidamente, tanto no interior do bloco como em sua articulação com o restante do Hemisfério e com a economia mundial.

Um passo importante foi a remoção de quase 90% dos 78 entraves que existiam no comércio intrabloco, como aqueles que dificultavam o acesso ao mercado argentino de carne bovina e banana. Não menos digna de registro foi a assinatura do Protocolo de Contratações Públicas, que abre uma valiosa frente de negócios para as empresas e reduz custos para os governos. Já o Protocolo de Cooperação e Facilitação de Investimentos tornou o ambiente mais receptivo à atração de poupança externa. Adotamos, ainda, um plano de convergência regulatória em áreas como governo digital, governo aberto, segurança cibernética, assinatura eletrônica, direito do consumidor, pequenas e médias empresas e comércio eletrônico.

Ana Carla Abrão*: O elo perdido

- O Estado de S.Paulo

O eleitor se manifestou em favor de renovação e contra a corrupção

A beleza da democracia se assenta no respeito ao resultado soberano das urnas. Por meio delas, milhões de brasileiros se pronunciaram. Boa parte desses pode até não se ver representado no presidente eleito (nem tampouco no derrotado), mas foi ele quem recebeu o mandato da maioria da população para nos guiar pelos próximos 4 anos. Finalizada a contagem dos votos no domingo, agora é hora de enfrentar a realidade e encarar o dia a dia de um país complexo, dividido e marcado econômica e socialmente pela maior recessão de todos os tempos.

Não precisamos aqui requentar os números das nossas mazelas. Esses foram muitas vezes repetidos ao longo do período eleitoral, mas quase nada influenciaram nas escolhas feitas ou rejeitadas. Mas, passada a campanha e conhecido o resultado, vale listar os temas que deverão estar no foco das políticas públicas e das decisões do novo presidente, da sua equipe e dos novos, muitos inexperientes, congressistas.

A lista é longa: déficit fiscal, elevado endividamento do setor público, Estados em colapso fiscal, orçamento engessado, carências profundas na área de infraestrutura, investimento público reduzido, produtividade estagnada, desemprego elevado, baixo crescimento, mercado de crédito caro e retraído, distorções microeconômicas. Além dessas graves questões, há um problema ainda maior: uma enorme dívida com a educação básica de qualidade, com a saúde e com a segurança públicas que, de forma mais direta, sacrificam as atuais e as próximas gerações de brasileiros.

Merval Pereira: Novos tempos

- O Globo

Bolsonaro terá que entender que é presidente de todos, e adequar seus pontos de vista a uma realidade diferente

Bolsonaro ganhou com mais de 10 milhões de votos de diferença, a vantagem é grande, mas foi eleito com um índice recorde de rejeição, e não teve a maioria dos votos totais. Nem os votos de Bolsonaro são todos dele, nem os votos de Haddad são do PT.

Nessa eleição tão polarizada em projetos antagônicos, muita gente votou em Bolsonaro contra o PT, e outros tantos votaram em Haddad contra Bolsonaro. Os dois precisam colocar os pés no chão. Nas eleições anteriores, a disputa havia sido muito mais sobre projetos de país semelhantes entre PT e PSDB, de cunho esquerdista, muito baseados na social-democracia.

Mesmo que o PT tenha tentado jogar o PSDB para a direita do espectro político, os tucanos tinham um DNA de esquerda, que foram perdendo pouco a pouco, e só agora caminham para a direita devido à vitória de João Doria em São Paulo.

Esse tsunami que carregou boa parte da velha política e seus hábitos, revelados na Operação Lava-Jato, vai ter consequências. O povo já há muito demonstrava que não gostou do que estava vendo, depois que caiu a máscara de políticos tradicionais.

Esse sentimento foi demonstrado em diversas ocasiões, o establishment não entendeu, ou fingiu que não entendeu, e foi apanhado de surpresa pelo levante através do voto. O PSDB quase certamente deverá sofrer uma cisão que pode vir a ser o embrião de um novo partido, que reunirá outros políticos deslocados em seus partidos pela adesão em massa ao novo governo de direita.

José Casado: O valor das promessas

- O Globo

É politicamente perigoso supor que 57,7 milhões de brasileiros elegeram Jair Bolsonaro sem ter a mais vaga ideia do que ele vai fazer no Palácio do Planalto, a partir de 1º de janeiro. Sua vitória em todo o Sul, Sudeste, Centro-Oeste e Norte (exceto Tocantins e Pará) não foi acaso.

Goste-se ou não, mais da metade do eleitorado deu-lhe o crédito de confiança que era reivindicado pelos adversários. E, dizia Abraham Lincoln, ninguém é suficientemente competente para governar outras pessoas sem o seu consentimento.

O problema de Bolsonaro, agora, é cumprir as promessas. Quase todas, sim, podem ser qualificadas como confusas, inconsistentes, equivocadas, entre outros adjetivos. Uma exceção está no compromisso público assumido no sábado, 20 de outubro: “O que eu pretendo é fazer uma excelente reforma política para acabar com instituto da reeleição que, no caso, começa comigo, se eu for eleito.”

Não conseguiria ser mais límpido. É, portanto, legítima a expectativa de que Bolsonaro apresente ao novo Congresso, em fevereiro, um projeto de renúncia à reeleição, limitando-se aos 1.460 dias do mandato.

Faltam razões objetivas para não se acreditar ao menos nesse compromisso de um candidato que, há 72 horas, obteve maioria de votos numa dimensão só comparável ao mapa eleitoral de Lula em 2002.

Outras promessas independem da caneta presidencial, como a de enxugar “em 15% ou 20%” o número de integrantes do Legislativo.

Carlos Pereira: A democracia brasileira corre riscos com Bolsonaro?

- O Globo

O Brasil tem sido capaz de eleger governos de forma livre, competitiva e sem fraudes. Partidos perdem eleições e se alternam no poder. As eleições ocorrem com alto grau de incerteza sobre quem será o vencedor. Perdedores se subordinam ao resultado final, e o jogo se repete de forma estável.

As democracias eleitorais possuem salvaguardas institucionais robustas capazes de proteger direitos individuais dos cidadãos? Seriam aptas a restringir potenciais comportamentos oportunistas de governantes que, uma vez eleitos, subvertam as regras do jogo e coloquem em risco a própria democracia?

Não tem sido incomum presidentes fazerem uso exagerado de poderes unilaterais. Usam mecanismos plebiscitários para subverter regras constitucionais e se perpetuar no poder. Exemplos recentes como os de Turquia, Polônia, Filipinas, Hungria, Venezuela, Peru, El Salvador têm levado estudiosos a identificar uma onda de recessão da democracia.

Alguns alertam que, nos dias atuais, democracias não morreriam via golpes, mas via deterioração gradativa das instituições. O novo mecanismo de quebra seria lento, através da eleição de políticos que distorcem de forma insidiosa o sistema representativo.

Bernardo Mello Franco: Os sinais trocados do presidente eleito

- O Globo

Nas primeiras entrevistas após a vitória, Bolsonaro prometeu moderação e respeito à democracia. Ao mesmo tempo, reforçou ameaças à oposição e à imprensa

Jair Bolsonaro deu sinais trocados no primeiro dia como presidente eleito. Em entrevistas a quatro emissoras de TV, ele repetiu promessas de moderação e respeito às leis e à democracia. Ao mesmo tempo, renovou ameaças a opositores e a jornais que o criticarem no exercício do poder.

No Jornal Nacional, o capitão se disse “totalmente favorável à liberdade de imprensa”. Pouco depois, ameaçou usar verbas públicas para punir veículos. A intenção é sufocar financeiramente quem publicar reportagens que o desagradem.

Ele fez ataques à “Folha de S.Paulo”, que revelou a existência de uma funcionária fantasma em seu gabinete. Não explicou, porém, por que demitiu a assessora. Ela foi flagrada vendendo açaí em Angra dos Reis durante o horário de expediente.

Míriam Leitão: Como acabar com o vermelho

- O Globo

Déficit este ano deve ser R$ 40 bilhões menor, ainda assim, não será fácil para o próximo governo acabar com o vermelho nas contas públicas

O governo Jair Bolsonaro vai assumir tendo que enfrentar um vermelho forte nas contas públicas, o ajuste que precisa ser feito é de quatro pontos do PIB ou R $300 bilhões. O espaço para corte de gastos existe, mas é pequeno. Haverá uma boa notícia, de certa forma, a atual administração deve terminar o ano comum déficit de R $120 bilhões, que é R $40 bilhões menor do que está previsto no Orçamento. Se a nova equipe quiser dar um sinal bom e realista poderias e comprometerem levar para R $100 bilhões. Mas o programa prometeu acabar como vermelho em um ano. Isso é mais difícil.

A análise detalhada das armas para vencer o vermelho, que se espalhou nas contas públicas a partir de 2014, mostra um caminho penoso. Nada mudará de cor apenas porque o governo será outro.

O economista Paulo Guedes falou durante a campanha que havia mais dinheiro do que se imagina em alguns lugares e deu exemplos.

Um deles é a privatização, mas agora as empresas que poderiam dar bons ganhos saíram da lista. O Orçamento do ano que vem prevê R$ 12 bilhões de receita com a venda das ações da Eletrobras, mas até isso o presidente eleito Jair Bolsonaro já disse que não fará. Bolsonaro fará o oposto do que quer: aumentará o vermelho, que já é bem tinto. Assim, se não vender a estatal, terá que cortar em outras despesas bem no começo do ano.

Luiz Carlos Azedo: Depois da ressaca

- Correio Braziliense

“Enquanto não forem divulgados a nova equipe econômica e os planos do governo, haverá inquietação no mercado. Há duas incógnitas: o corte de gastos e a reforma da Previdência”

“Presidente Jair Bolsonaro. Desejo-lhe sucesso. Nosso país merece o melhor. Escrevo essa mensagem, hoje, de coração leve, com sinceridade, para que ela estimule o melhor de todos nós. Boa sorte!”, disparou no Twitter o candidato do PT, Fernando Haddad, ontem, reconhecendo a vitória do adversário e cumprimentando o novo presidente eleito, o que não havia feito no domingo. Também pelo Twitter, lacônico, respondeu Bolsonaro: “Senhor Fernando Haddad, obrigado pelas palavras! Realmente o Brasil merece o melhor”. Que ninguém espere uma dança de acasalamento, mas é um bom começo para o país voltar à calma depois da ressaca eleitoral.

Ressaca mesmo, porque o dólar voltou a subir ontem. A moeda havia caído abaixo de R$ 3,60, mas encerrou o dia em alta de 1,51%, vendida a R$ 3,7068. O dólar turismo encerrou a R$ 3,86, sem a cobrança de IOF. Analistas de mercado fazem duas leituras: uma minimiza o fato, atribuindo a queda aos investidores que aproveitaram os preços atrativos para irem às compras; outros, veem na alta do dólar um sinal de que os investidores não estão com confiança nos rumos da economia, porque Bolsonaro emite sinais contraditórios sobre o poder de decisão de Paulo Guedes, futuro ministro da Fazenda, sobre a política econômica.

Apelidado de Posto Ipiranga pelo próprio presidente eleito, Guedes é um economista da escola de Chicago, com propostas ultraliberais. Acontece que o homem forte na equipe de transição é o deputado Onyx Lorenzoni, uma espécie de “tertius”, em razão dos choques que estariam ocorrendo entre o grupo de militares liderado pelo general Augusto Heleno, futuro ministro da Defesa, e a equipe de economistas de Guedes.

Enquanto não forem divulgados a nova equipe econômica e os planos do governo, haverá inquietação no mercado. Há duas incógnitas em relação à política econômica: o corte de gastos e a reforma da Previdência. Bolsonaro falou em reduzir para 10 os ministérios, fundindo ou extinguindo os existentes, mas já desistiu de acabar com os ministérios de Meio Ambiente, que seria anexado à Agricultura, e da Indústria e Comércio, que seria absorvido pela Fazenda. Recuou no decorrer do segundo turno, em razão de compromissos assumidos com o agronegócio e a indústria. O lobby desses setores é poderoso, são aliados de primeira hora do presidente eleito.

Hélio Schwartsman: Explorando as ambiguidades

- Folha de S. Paulo

Declarações da campanha de Bolsonaro apresentam característica da retórica populista

Jair Bolsonaro conseguiu a façanha de ser eleito presidente sem ter dito o que pretende fazer depois de 1º de janeiro. Ou melhor, sua campanha soltou tantas e tão contraditórias declarações que qualquer proposta que o governo venha a apresentar será compatível com alguma das sinalizações emitidas.

Podemos tanto esperar uma reforma da Previdência vigorosa, quanto uma versão ultra-aguada daquela que foi proposta na gestão Temer. Para os que gostam de marcar “nenhuma das anteriores”, outra possibilidade é a mudança do regime de repartição para um de capitalização, que a maioria dos técnicos considera pouco viável.

Também não sabemos se veremos um programa de privatizações tão ousado que inclua praias e parques nacionais —seria a única forma de chegar ao R$ 1 trilhão desejado por Paulo Guedes—, ou um tão tímido que deixe de fora estatais “estratégicas” como Petrobras, BB, CEF e Eletrobras, que são as que valem dinheiro grosso. Em algum momento, tudo isso foi vocalizado ou ao menos insinuado por algum membro do núcleo duro bolsonariano.

Bruno Boghossian: O PT e o bonde de 2018

- Folha de S. Paulo

PT e esquerda saem defasados do ciclo que elegeu Bolsonaro

O PT e a esquerda saíram defasados do ciclo político que elegeu Jair Bolsonaro. O movimento de oposição ao novo governo deve preservar a relevância dos partidos derrotados, mas seu futuro dependerá de uma correção de rumos.

As principais marcas da eleição deste ano foram a renovação e a repulsa à política tradicional. Os petistas apostaram no caminho inverso: tentaram reciclar o governo Lula e formaram uma tropa composta especialmente por veteranos.

No PT, a atualização de quadros no Congresso ficou bem abaixo da média. Dos 56 deputados eleitos pela sigla, só quatro podem ser considerados novidades. Quarenta já estavam na Câmara, oito são deputados estaduais e outros quatro exerceram cargos relevantes nos últimos anos.

Embora o partido seja um dos únicos com uma vida partidária que estimule o surgimento de novos nomes, os petistas parecem ter perdido o bonde de 2018. Fernando Haddad, derrotado na corrida presidencial, desponta como principal aposta para recuperar o tempo perdido.