Para entidades, discurso anti-imprensa alimenta confronto contraproducente para democracia
Débora Sögur Hous, Géssica Brandino | Folha de S. Paulo
SÃO PAULO - Associações de jornalistas profissionais e organizações de defesa dos direitos humanos manifestaram repúdio às declarações que o presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) disse em entrevista ao Jornal Nacional contra a Folha na segunda-feira (29).
Na ocasião, Bolsonaro afirmou que "no que depender de mim, imprensa que se comportar de maneira indigna não terá recursos do governo federal”. O presidente eleito, depois, completou: “Por si só esse jornal [Folha] se acabou”.
Para as organizações, o presidente eleito não deveria cogitar usar cortes de verbas oficiais para retaliar jornais. Além disso suas declarações alimentam um clima de confronto com a mídia que é contraproducente. As entidades também defendem que a liberdade de atuação de uma imprensa livre e crítica é fundamental para que a democracia funcione.
Marcelo Rech, presidente ANJ (Associação Nacional de Jornais) e vice-presidente do Fórum Mundial de Editores disse que é preocupante que o presidente eleito tenha reiterado a intenção de usar o corte de verbas publicitárias oficiais como forma de punição quando discorda de um jornal. “Os investimentos do governo em publicidade, como qualquer outra verba pública, devem seguir sempre critérios técnicos, e não políticos ou partidários."
O presidente nacional da OAB, Claudio Lamachia, afirmou que a liberdade de imprensa é essencial para garantir o acesso à informação de qualidade. "A liberdade de imprensa é garantida pela Constituição para que a sociedade tenha efetivado seu direito a ter informações de qualidade, críticas e isentas", disse. Lamachia defende que a relação entre o governo e os veículos de mídia busque concretizar o direito à informação "com a existência de uma imprensa livre e responsável e de um governo que compreenda o papel independente, mas crítico, do jornalismo".
A seccional da OAB em São Paulo pontuou que a liberdade de expressão e de imprensa, ao lado do livre exercício da religião, constituem o "lume da democracia moderna". "Não se admite qualquer agressão aos princípios que regulam a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa, ou, ainda, ameaças às atividades de profissionais que militam nos meios de comunicação", disse o presidente da entidade, Marcos da Costa.
A Associação Brasileira de Imprensa (ABI) disse em nota que "verbas de publicidade oficial do Governo não podem ser usadas como moeda de troca, ou distribuídas de acordo com as oscilações de humor de quem tem o dever de administrá-las com equilíbrio e lisura". Segundo o presidente da entidade, Domingos Meirelles, "o novo presidente da República não recebeu alvará que o isenta dos compromissos com a democracia, cujo respeito a liberdade de expressão é um dos seus pilares".
Emmanuel Colombié, diretor do escritório da América Latina da Repórteres Sem Fronteiras, disse em nota que “as declarações agressivas contra a imprensa de Jair Bolsonaro são um mau presságio para esta nova era que se inaugura no Brasil”. Colombié declarou que o clima de confronto com jornais é contraproducente e que, para preservar a democracia, Jair Bolsonaro deve mostrar-se agregador e entender o papel da imprensa livre, crítica e independente.
Para Maria José Braga, presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), na entrevista ao Jornal Nacional, Bolsonaro demonstrou despreparo para exercer um cargo em que receberá críticas constantes. “Ele tem perfil autoritário, que não aceita qualquer questionamento, ignorando o papel dos jornalistas, que é exatamente o de buscar e divulgar informações de interesse público. Bolsonaro, mais uma vez, ameaça quem lhe desagrada. A Fenaj repudia a declaração do presidente eleito e solidariza-se com os jornalistas que trabalham na Folha.”
O diretor da Conectas Direitos Humanos, Marcos Fuchs, declarou que em uma sociedade democrática, as críticas aos veículos de comunicação são bem-vindas, mas de forma alguma podem vir em tom de ameaça ou intimidação. "É urgente que o presidente eleito se manifeste no sentido de garantir que, em seu governo, a liberdade de expressão será garantida tal qual está consagrada na Constituição Federal."
A coordenadora na América Latina do Comitê de Proteção aos Jornalistas (CPJ), Natalie Southwick, disse que uma imprensa livre e independente é vital para que a democracia funcione. "O presidente eleito Jair Bolsonaro tem que reconhecer isso e se concentrar em asseverar seu apoio à liberdade de imprensa, em vez de tentar desacreditar os meios de comunicação."
Para Southwick, a retórica anti-imprensa de Bolsonaro é profundamente preocupante "dado o clima no Brasil, onde nós temos visto tantos ataques à liberdade de imprensa".
Segundo relatório do CPJ, divulgado na segunda-feira (29), o Brasil é o 10º país do mundo com o pior índice de impunidade em crimes contra jornalistas. Em 2018, o Brasil também ocupa o 102º lugar no ranking mundial de liberdade de imprensa elaborado pela Repórteres Sem Fronteiras.
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