- O Globo
Déficit este ano deve ser R$ 40 bilhões menor, ainda assim, não será fácil para o próximo governo acabar com o vermelho nas contas públicas
O governo Jair Bolsonaro vai assumir tendo que enfrentar um vermelho forte nas contas públicas, o ajuste que precisa ser feito é de quatro pontos do PIB ou R $300 bilhões. O espaço para corte de gastos existe, mas é pequeno. Haverá uma boa notícia, de certa forma, a atual administração deve terminar o ano comum déficit de R $120 bilhões, que é R $40 bilhões menor do que está previsto no Orçamento. Se a nova equipe quiser dar um sinal bom e realista poderias e comprometerem levar para R $100 bilhões. Mas o programa prometeu acabar como vermelho em um ano. Isso é mais difícil.
A análise detalhada das armas para vencer o vermelho, que se espalhou nas contas públicas a partir de 2014, mostra um caminho penoso. Nada mudará de cor apenas porque o governo será outro.
O economista Paulo Guedes falou durante a campanha que havia mais dinheiro do que se imagina em alguns lugares e deu exemplos.
Um deles é a privatização, mas agora as empresas que poderiam dar bons ganhos saíram da lista. O Orçamento do ano que vem prevê R$ 12 bilhões de receita com a venda das ações da Eletrobras, mas até isso o presidente eleito Jair Bolsonaro já disse que não fará. Bolsonaro fará o oposto do que quer: aumentará o vermelho, que já é bem tinto. Assim, se não vender a estatal, terá que cortar em outras despesas bem no começo do ano.
Outra ideia que o economista Paulo Guedes chegou a mencionar como arma contra o vermelho não vai funcionar: a devolução de parte do dinheiro que foi transferido para o BNDES. A devolução está sendo feita, isso é bom e uma parte virá no ano que vem. O problema é que o dinheiro só pode ser usado para abatimento da dívida. Isso ajuda indiretamente, e tem que ser mesmo a meta, mas não é arma para reduzir o vermelho no Orçamento.
Há uma grande expectativa em torno do leilão do excedente da cessão onerosa. Um mega leilão de 9 bilhões de barris. Coisa grande mesmo, que pode arrecadar R$ 100 bilhões. Porém —e os recém-chegados vão logo descobrir que há muitos poréns na luta contra os vermelhos — o TCU pode decidir que o leilão não seja feito na forma de concessão. O TCU tem entendido que qualquer área próxima de um campo que já foi licitado pelo regime de partilha tem que ser pelo mesmo regime. Pode parecer meio extraterreno esse argumento, mas foi assim no campo de Saturno. Sendo por partilha, reduz muito o ganho inicial. Qualquer que seja o regime, esse tipo de receita, extraordinária, na melhor das hipóteses vence o vermelho temporariamente. Para realmente atacar o vermelho será preciso fazer reformas mais permanentes.
O presidente eleito, Jair Bolsonaro, disse ontem, nas suas diversas entrevistas, que tentará aprovar este ano a reforma da Previdência. Mas em parte. Não disse qual. O futuro chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, é contra quase todas as partes da atual reforma. De qualquer maneira, se fosse aprovada este ano na Câmara teria que ir ao Senado. E se tudo for aprovado terá pouco ganho de curto prazo. Mas, de fato, a reforma da Previdência é uma grande arma contra o vermelho de longo prazo.
Outra ideia que foi pensada no QG do novo presidente é a de reduzir o abono salarial para os que ganham um salário mínimo. Isso pode reduzir o gasto em R$ 20 bilhões por ano, mas se for aprovado no ano que vem só valerá em 2020 porque o que é pago num ano é o devido do ano anterior. Ou seja, o de 2019 já está garantido.
E cortar despesas pura e simples? Tesoura afiada nos gastos? Bom, o total do que o governo pode mexer é um percentual cada vez menor, como se sabe. O resto é despesa obrigatória. Tem uma ideia que fez muito sucesso na campanha eleitoral em todos os programas: acabar, ou diminuir, as renúncias tributárias. É difícil e dá muita dor de cabeça. Temer tentou acabar com o subsídio ao IPI de xarope de refrigerantes na Zona Franca de Manaus, que custa R$ 1,6 bilhão. Cortou e teve que recuar. Vai cair, mas mais devagar. O maior custo nessa lista é o Simples. Bolsonaro comprará essa briga?
Acabar com o vermelho —das contas públicas —é importante e beneficiaria o país. Mas é preciso um plano inteligente, uma estratégia de longo prazo, e operações táticas para desarmar as bombas fiscais que vão sendo armadas pelo fogo amigo no Congresso.
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