- Valor Econômico
Maestro ainda não tem o diapasão, nem para si mesmo
Aos primeiros acordes da transição, o futuro governo promete grande desafinação, sem problemas. Como não tomou posse ainda, não é de todo ruim que assim seja. O descompasso pode ser produto de uma maior abertura para a livre circulação das ideias e resultar em propostas mais criativas antes mesmo de serem compatibilizadas em um definido plano de governo.
O que não cabe é Paulo Guedes já condenar Onyx Lorenzoni por ter falado de economia, confinando o chefe da Casa Civil à relação com o Congresso, ou alguém do grupo familiar, que tem muita gente, desmentir algo que o grupo militar acabou de confirmar. Mas a estrutura do novo governo, como visto nas primeiras discussões da equipe e no debate das propostas, tratados por muitos como zonas de conflito dramático, não o são.
Quem dá o tom e decide é o presidente eleito e, até isso acontecer, é bom que todos falem sobre tudo o que se discute na equipe. Quando Jair Bolsonaro anunciar a composição do seu governo e as primeiras medidas, o eleitorado que nele votou verá quais cabeças prevaleceram nessa engrenagem.
É natural, portanto, a trombada declaratória: Bolsonaro vai fechar o Supremo (nem novo é, o PT prometeu fechar o STF há mais tempo); será criado o super ministério da infraestrutura e o ministro será o general Oswaldo Ferreira (até pode ser ministro, mas o super ministério carece de decisão); Agricultura e Meio Ambiente ficarão juntos, separados, e juntos de novo; a reforma da Previdência do Temer já morreu e ressuscitou na equipe de Bolsonaro várias vezes; o primeiro amigo Gustavo Bebianno, ex-presidente do PSL, será o ministro de várias pastas; Magno Malta, porta-voz no período de campanha no hospital, um segundo amigo, já foi ministro da Educação e da Saúde. Ainda há o grupo militar da transição e, nele, o vice-presidente eleito, com mandato, também falando fora do ritmo.
Uma multidão como essa, inexperiente nas coisas de governo, vai ainda desencontrar-se muito até encontrar-se. Neste momento o governo Bolsonaro é obra em progresso.
Porém, existe um tipo de harmonia que já deveria ter sido encontrada: a do presidente eleito consigo mesmo e a do presidente eleito com o Brasil, aliado e adversário. Uma borracha sobre a campanha eleitoral para aplainar o terreno sobre o qual erguerá seu governo ajudará muito. A rodada de entrevistas que deu na noite de segunda-feira mostra que Jair Bolsonaro não está nem aí para a consciência que deve tomar sobre sua nova condição. Ainda não se desarmou.
A impetuosidade, sua marca, transparece. A transformação precisa ser mais rápida antes que seu eleitorado perca a esperança e a paciência. O presidente da República, mais do que qualquer um, tem que saber engolir ataques e críticas, entre outros sapos, por mais atravessados que fiquem na garganta. Tem que encarar com naturalidade o trabalho da imprensa. A sanha de vingança pode até ser um traço do seu caráter, mas é preciso arrefecê-lo.
Para acalmar-se e vestir o figurino que o cargo exige, Bolsonaro poderá começar percebendo que, assim como o PT, seu principal adversário que tenta imitar agora com as ameaças à imprensa, ele também não é dono dos votos que recebeu.
De onde veio essa votação expressiva de Jair Bolsonaro?
Não se cometa a injustiça de dizer que seu quinhão pessoal é pequeno. Há um numeroso contingente de eleitores que iria votar em Bolsonaro de qualquer maneira, independentemente de seu adversário, por afinidade de ideais e ideias. A guinada do eleitorado à direita foi fenômeno mundial. Outro tanto de eleitores, pesquisas também mostraram, foram atrás do capitão da reserva confiando que ele resolverá o angustiante problema da segurança, que afeta a todos e que, pelo discurso do candidato, Bolsonaro teria mais condições de resolver.
Mas a maioria de seus votos, é possível constatar até sem as pesquisas, veio da rejeição ao PT. Rejeição aos governos Lula e Dilma que poderiam voltar a dar o tom com a eleição de seu adversário.
É incontestável que Bolsonaro foi quem melhor encarnou o antipetismo do eleitorado. Assim como parte dos votos em Fernando Haddad foram de rejeição a Jair Bolsonaro.
Geraldo Alckmin (PSDB) não teve competência para ser o adversário do PT, e Ciro Gomes acordou tarde para a necessidade de tirar o antipetismo já impregnado no eleitorado de Bolsonaro.
Todos esses líderes irão para a oposição a Bolsonaro, mas também oposição ao PT. O que cria, para o partido de Lula, a necessidade de um esforço político sem precedentes. O de, a um só tempo, fazer oposição ao novo governo, e fazer isso de forma isolada, enfrentando o antipetismo dos demais partidos, e tentando recuperar-se dessa profunda antipatia que inspirou para disputar futuras eleições. Dentro de dois anos haverá a disputa municipal, e em mais dois novo embate presidencial. Exige-se talento político para novamente ficar dono do próprio voto.
Vitória e solidão
O isolamento político de João Doria é um fato, mesmo tendo seu partido, o PSDB, ganhado o governo de São Paulo, um dos únicos postos de grande poder financeiro e de prestígio que o partido conquistou. Dos grandes e históricos fundadores e líderes do partido, apenas Geraldo Alckmin, que foi o candidato a presidente abandonado por ele, sua criatura - sim, foi Alckmin que, contra tudo e contra todos, provocando debandada na fidelidade ao seu projeto, bancou politicamente Doria. Criou, inventou e sustentou.
Agora, o ex-prefeito e governador eleito entrou numa zona de isolamento tal que já se fala em sua mudança de partido ou, ao contrário, a saída dos insatisfeitos, novos e velhos tucanos, para fundar um outro partido. Doria não terá, também, nome mais forte que Bruno Covas para disputar a prefeitura com Fernando Haddad. No momento, o PT não tem candidato melhor para lançar daqui a dois anos. Doria perdeu apoios antigos e não ganhou novos. Teve uma vitória espetacular mas com pouco a celebrar.
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