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A delação no STF – Editorial | O Estado de S. Paulo
Nota-se uma reação de perplexidade e de indignação contra a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) a respeito da ordem da apresentação das alegações finais nos processos penais em que envolve delação. A história é vista assim: a Suprema Corte inventou uma regra, até então inexistente, que poderá acarretar a nulidade de várias sentenças, especialmente de casos da Lava Jato, onde foi abundante o uso da colaboração premiada. Depois de tanto esforço no combate à corrupção, a Justiça teria aberto uma brecha para a impunidade ou, ao menos, para protelações processuais. A conclusão é de que o STF criou um inoportuno e absolutamente desnecessário problema.
Não há dúvida de que a questão da ordem das alegações finais foi explicitada no STF. Ao julgar o habeas corpus impetrado em favor de Aldemir Bendine, a 2.ª Turma entendeu que ele tinha o direito de falar depois dos réus delatores. Na quarta-feira passada, foi a vez de o plenário do STF confirmar que, nas ações penais com réus colaboradores e não colaboradores, os delatados têm direito a apresentar as alegações finais depois dos réus que firmaram acordo de colaboração premiada. É um engano, no entanto, atribuir a causa do problema ao Supremo. A origem desse imbróglio está na importação, sem os devidos cuidados, da figura da colaboração premiada para o processo penal brasileiro. A delação nasceu num sistema de justiça completamente diferente do brasileiro, com outros princípios e procedimentos.
O tema merece reflexão. O problema não está em reconhecer nulidade quando de fato houve desrespeito ao constitucional direito de defesa. Ao contrário, o dever do STF é precisamente proteger e fazer valer as garantias constitucionais. O que deve causar indignação é a incorporação, sem os devidos cuidados, da figura da delação no Direito brasileiro. Se antes não foram feitos os devidos ajustes ou se antes não foram analisadas as suas consequências e seus efeitos, era inevitável que problemas processuais sérios fossem causados pela nova figura.
Por exemplo, a delação afeta o direito ao contraditório. No entanto, isso não foi levado em consideração no momento em que se importou a figura da colaboração premiada. Ao contrário de outros países, aqui é permitido fazer delação em qualquer momento do processo penal. Com isso, uma ação penal, seja qual for o seu estágio, pode ter sua dinâmica profundamente modificada em virtude da delação de um dos réus, o que afetará diretamente o direito de defesa dos outros réus.
Não se pode pedir que o STF feche os olhos aos problemas decorrentes da delação. O papel da Suprema Corte é precisamente não ignorar a existência de incompatibilidades da legislação ordinária com os direitos e as garantias fundamentais. Culpar o Supremo pelas eventuais nulidades que possam surgir do desrespeito ao direito de defesa é uma forma nada sutil de suprimir um elemento do Estado Democrático de Direito, que é o controle de constitucionalidade das leis e das decisões judiciais.
Ainda não se sabe a exata extensão dos efeitos do direito do réu delatado de apresentar por último as alegações finais. O plenário do Supremo deverá fixar uma tese geral para orientar outras instâncias do Judiciário em casos semelhantes. O ministro Dias Toffoli, por exemplo, apresentou na quarta-feira passada uma proposta para a modulação desses efeitos. Para o presidente do STF, a condenação só pode ser anulada nos casos em que o réu delatado pediu à Justiça para falar por último, teve a solicitação negada em primeira instância e reiterou o pedido em instâncias superiores. Seria um modo, assim, de comprovar prejuízo à defesa, cumprindo a regra do Código de Processo Penal de que “nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa”.
Seja qual for a decisão do STF a respeito dos efeitos do cerceamento de defesa dos réus delatados, é mais que hora de o Congresso rever e aprimorar a legislação sobre a delação premiada. A manutenção das regras atuais é fonte certa de novos e contínuos problemas, que só gerarão mais perplexidade e indignação. É preciso atacar a causa da doença, não quem pôs a descoberto o problema.
EUA deixam de ser exceção na desaceleração global – Editorial | Valor Econômico
A desaceleração global se acelerou em setembro - os indicadores de indústria e serviços não mostraram estabilidade ou crescimento em nenhuma das maiores economias do mundo. Na China, não há contração nos serviços, mas sim na indústria, ainda que não seja severa. O temor de que uma recessão esteja próxima derrubou com força os mercados na quarta-feira. A dúvida é quão forte será a contração da economia americana, o que até certo ponto definirá também a magnitude da retração global.
A indústria americana, segundo o índice de gerente de compras, mostrou em setembro o menor ritmo de atividade em 10 anos, com o segundo arrefecimento mensal consecutivo. Como sua fatia no PIB é de apenas 11%, é o setor de serviços que determina o estado da economia. Ontem, o ISM para o setor mostrou sua mais fraca atividade em três anos. Com isso, é provável que os gastos de consumo apontem para baixo em setembro. Após o alto crescimento de 0,5% em julho, eles avançaram apenas 0,1% em agosto, compondo um cenário em que o PIB no terceiro trimestre seja inferior aos 2% do segundo.
Vários fatores colaboram para esta perspectiva. O setor de habitação mostra recuo por seis trimestres consecutivos, enquanto a construção comercial parou de crescer. Os investimentos das empresas estão em queda, embora a previsão seja de avanço de 3,5%, ante 4,2% em 2018, que a esta altura pode soar otimista. Medidos pelos gastos não direcionados à defesa, e excluindo aviação, os investimentos tiveram a primeira queda em quatro meses em agosto (-0,2%).
Parte substancial do recuo da indústria americana pode ser atribuída à guerra comercial de Trump contra a China que agora, com o veredito da Organização Mundial do Comércio para retaliação à Airbus, será seguida da imposição de tarifas 25% sobre importações da Europa. Houve no início do ano um aumento dos estoques pelas empresas americanas em prevenção à segunda rodada de aumento de tarifas determinada por Trump. Isso pode ter amenizado o repasse do impacto das tarifas por algum tempo, mas este tempo parece ter terminado.
A desaceleração da economia chinesa afetou duramente a poderosa indústria exportadora alemã e a Alemanha caminha para uma recessão - o PIB contraiu 0,1% no segundo trimestre e o indice PMI mostra recuo mais intenso à frente. A China está comprando menos do mundo, o que derruba atividades no Japão (o índice Tankan mostrou o pior resultado desde 2013), na Coreia do Sul, Cingapura e Taiwan. Pelo peso que a Alemanha tem na zona do euro, a região caminha para a estagnação e, para evitar que a estagnação se transforme em uma recessão o Banco Central Europeu anunciou nova rodada de estímulos monetários. A OMC reviu drasticamente suas projeções para o comércio global, que avançará apenas 1,2% este ano, muito menos que os 2,6% previstos na revisão de abril.
O enfraquecimento da economia americana levou a vários movimentos dos mercados financeiros na abertura desse quarto trimestre. Um deles é que a sinalização do Federal Reserve em sua mais recente reunião, de que não haveria necessidade do novo corte dos juros, terá de ser revista diante das novas estatísticas. Pelo índice futuro de fed funds as chances de mais um corte subiram agora para 90%.
Um outro efeito tem sido a queda comedida do dólar que talvez represente - é prematuro apostar - uma mudança da tendência de alta em direção à estabilidade. A desvalorização do real, que foi significativa, foi contida nos últimos dias. Na quarta-feira, mesmo diante das fortes quedas dos mercados acionários, e de 2,9% do Ibovespa, o real se apreciou. Ontem, o fez com mais intensidade. O estreitamento do diferencial de crescimento entre as grandes economias faz supor uma rota mais contida para a moeda americana. Mas o câmbio se move por outros fatores e há possibilidade de desastres à vista se houver movimentos financeiros desordenados de reacomodação. As chances deles ocorrerem aumentaram.
A redução dos juros pelos BCs evitou uma depressão global, mas tem sido cada vez mais impotente para estimular o crescimento. Os investidores em ações superavalorizadas parecem crer o contrário. Em algum momento haverá correção nas bolsas dos EUA, que serão tão mais fortes quanto maior for a chance de uma recessão americana. Por enquanto, não é o cenário principal, mas talvez não se precise chegar a este ponto para que as bolsas se desinflem rapidamente.
Reforma da Previdência não é desprezível – Editorial | O Globo
Após desidratações esperadas, projeto ainda economiza um razoável volume de recursos
A aprovação, em primeiro turno no Senado, da reforma da Previdência tem importância, mesmo com as desidratações. A insustentabilidade do sistema brasileiro é conhecida há tempos, mas a natural resistência política a atualizá-lo empurrou a primeira grande reforma previdenciária, a atual, para além de um limite aceitável
.
Com isso, os gastos com aposentadorias e pensões, em alta constante, já representam mais da metade das despesas primárias da União (excluindo os juros). Em estados e municípios, a situação ´pior. Os governos FH, Lula e Dilma fizeram alguns ajustes. Pelo menos o problema entrou numa agenda pluripartidária, como aconteceu coma Educação. Mas não se incluiu nas normas a exigência de uma idade mínima para a obtenção do benefício, o que é feito agora. A falha poderia ter sido corrigida há anos, equiparando o Brasil à maioria dos países. Não foi possível.
Na sociedade brasileira é forte aculturada dependência do dinheiro do Estado, que deveria privilegiar os mais necessitados, mas é disputado por muitas corporações de renda média e alta com influência política. Por isso, o Brasil costuma gastar mais tempo para percorrer o mesmo percurso já vencido por outros países.
Por experiência, não se contava com o R $1,2 trilhão de economia projetada pela equipe econômica para dez anos, a ser permitida pelas mudanças. Em legítimas negociações no Congresso, desidratações ocorreriam pelo caminho. Até esta penúltima votação do projeto —falta ainda o segundo turno na Casa —, o trilhão virou algo entre R $700 bilhões e R $800 bilhões. É uma cifra razoável, ainda mais se comparada com os cerca de R$ 500 bilhões que seriam obtidos pela reforma do governo Michel Temer, depois também de desidratações. A perda de R$ 76,4 bilhões na redução de despesas, ocorrida no final da votação, mostra bem como projetos de alta relevância tramitam pelo Congresso.
Os recursos viriam da redução do limite para a concessão do abono salarial. O governo queria R $988, a Câmara aumento upara R $1.364, e o Senado restabeleceu R$ 1.996. Daí as dezenas de bilhões amais canalizados para uma faixa da população que não é exatamente miserável. Na verdade, os políticos usaram este ponto da reforma para cobrar do Planalto promessas não cumpridas. E a definição formal de quanto os estados receberão do leilão de áreas da cessão onerosa no pré-sal, que foram passadas pela União à Petrobras e que serão agora ofertadas para exploração.
Em tudo isso, ficam mais uma vez explícitos os problemas de falta de coordenação política. O ministro Paulo Guedes está ameaçando tirar da parte dos estados na cessão onerosa os bilhões desidratados. Um erro, porque não se deve partir para o confronto.
E ainda há a PEC paralela, de inclusão dos estados na reforma, que a Câmara continua a ver de maneira enviesada, mas que, com as desidratações, se tornou imprescindível. A crise fiscal da Federação abalará o Tesouro, e os déficits primários podem voltar acrescer. Retornaremos no tempo.
China comunista, 70 – Editorial | Folha de S. Paulo
Entre contradições internas, o gigante asiático ensaia papel de superpotência
O contraste de imagens na terça (1º) não poderia ser mais eloquente. Enquanto em Hong Kong um manifestante pró-democracia agonizava baleado no peito, em Pequim a ditadura fazia uma inaudita celebração nacionalista e militarista.
Os episódios ocorreram no dia em que foram comemorados 70 anos do moderno Estado chinês. Inicialmente inspirada pela experiência comunista soviética, a China reergueu-se aos poucos de seu passado de títere de atores estrangeiros e da devastação de guerras.
A partir de 1978, sob a liderança de Deng Xiaoping, tomou o rumo que conhecemos hoje, mesclando o centralismo socialista com a exploração capitalista extrema de suas enormes potencialidades.
O resultado é notório. Segunda maior economia do mundo, vanguarda tecnológica em diversas áreas, expansão do PIB de astronômicos 3.500% em quatro décadas e centenas de milhões de pessoas tiradas da pobreza.
Os números brilham como os neons de cidades ultramodernas, mas escamoteiam problemas.
O regime é uma catedral opressiva construída sobre brutalidades como o Grande Salto Adiante, a Revolução Cultural, a anexação do Tibete, o massacre da Praça da Paz Celestial. A contagem de mortos chega às dezenas de milhões.
Ele lida também com questões estruturais associadas ao progresso, como ociosidade da infraestrutura monumental, a pobreza das áreas rurais e as dores do parto de uma sociedade de renda mais alta —e seus impactos, de demandas políticas a pressões ambientais.
Entretanto a contradição fulcral é a exposta nas ruas da antiga colônia britânica, onde até 2047 o poder total do Partido Comunista deverá compartilhar a paisagem com elementos da democracia liberal.
O híbrido é útil a Pequim, que explora a condição de Hong Kong como posto comercial avançado, mas o entrechoque entre desejo por liberdade e controle estatal sugere o germe de uma queixa mais ampla.
Nesse contexto opera Xi Jinping, o líder que a partir de 2017 imprimiu à ditadura um personalismo inexistente desde os tempos do fundador da nação, Mao Tsé-Tung. Ele vê uma China como superpotência que precisa ter expressão política compatível com a econômica.
O corolário de tal pretensão é o avanço bélico. Os chineses gastaram com defesa US$ 168 bilhões (R$ 687 bilhões) em 2018, montante só inferior ao desembolsado pelos americanos (quase o quádruplo), e o desfile de 70 anos foi um mostruário de armas destinadas a impressionar Washington.
Resta saber como Xi e os EUA irão se equilibrar entre acomodação e disputa, inclusive comercial.
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