- Valor Econômico
Brasil terá de nadar contra a corrente da desaceleração global
Dados mais recentes da economia brasileira apontam para alguma recuperação no terceiro trimestre, o que está ampliando o otimismo em relação ao final deste ano e ao ano que vem. Isso pode ser prematuro, pelo menos no que depender do cenário externo. O Brasil talvez até consiga ganhar tração em 2020, mas terá de nadar contra a corrente. O mundo não vai ajudar.
Todos os principais parceiros do Brasil estão crescendo menos neste ano, e essa desaceleração deverá se aprofundar em 2020. A dimensão desse agravamento ainda é incerta.
Nos EUA, após meses de sinais contraditórios, os últimos dados parecem confirmar que há uma desaceleração mais forte em andamento, puxada por uma queda importante da atividade industrial, que já está afetando outros setores. Com isso, o crescimento deverá ficar abaixo dos 2,9% de 2018. O Fed (banco central americano) prevê expansão do PIB de 2,2% neste ano e de 2% em 2020. Mas essa percepção está se deteriorando rapidamente. O banco ING, por exemplo, prevê crescimento de 1,3% no ano que vem. Não é ainda a temida recessão americana, mas começa a chegar perto.
Na China, vários indicadores sugerem que o crescimento real da economia está abaixo do dado oficial divulgado pelo governo. Após expansão de 6,6% em 2018, a meta de Pequim para este ano é algo entre 6% e 6,5%. A OCDE prevê 6,1%. Ainda não há uma meta para 2020, mas existe um consenso entre analistas quanto a uma desaceleração, e muitos já preveem que o PIB do ano que vem ficará abaixo de 6%. Este ano era importante simbolicamente para o governo, por causa da comemoração dos 70 anos do regime comunista. Passado isso, pode haver margem política para uma correção maior em 2020.
Na Europa, vários países estão com suas economias estagnadas ou já em queda, como é o caso de Alemanha, Reino Unido e Suécia. A região vem num ritmo de crescimento baixo desde meados do ano passado, quando o PIB da zona do euro cresceu 1,9%, e essa dinâmica deve continuar. A UE prevê crescimento de 1,4% neste ano e de 1,6% em 2020, mas essas estimativas já são consideradas otimistas, principalmente diante da enorme queda da produção industrial na Alemanha, a maior economia europeia. Projeções mais recentes indicam expansão em torno de 1% neste ano e abaixo disso no ano que vem.
Na Argentina, o processo de empobrecimento do país continua. A economia, que já havia encolhido 2,5% em 2018, deve cair até 3% neste ano. Para 2020, as projeções de economistas do setor privado também são negativas, de contração do PIB entre 1,4% e 2%.
A agência de classificação de risco Fitch estimou nesta semana que a economia global terá em 2020 o crescimento mais fraco em oito anos.
Essas estimativas levam em consideração a situação atual. Muitos países estão adotando medidas de política monetária e estudam medidas fiscais para tentar atenuar essa desaceleração global sincronizada. Como a extensão dessas medidas ainda é desconhecida, não é possível estimar o impacto que elas terão.
Mas há também riscos pela frente, com uma probabilidade grande de que eles deprimam ainda mais o cenário atual.
A guerra comercial, iniciada pelo presidente Donald Trump, continua sendo a principal causa da desaceleração econômica global e a maior ameaça. EUA e China devem voltar a negociar neste mês. Houve recentemente gestos de boa vontade de ambos os lados, mas não são esperados avanços importantes.
O cenário mais benigno no momento parece ser o de uma trégua, já que Trump descartou um acordo comercial amplo com a China antes das eleições de 2020. Uma trégua não melhorará as perspectivas de curto e médio prazos. O dano causado pelas tarifas nas cadeias de produção não deverá ser desfeito só por um cessar-fogo. Parte desse dano deverá ser permanente, com empresas trocando fornecedores para fora da China. Se a guerra comercial continuar como está, o dano seguirá se alastrando.
Mas a disputa pode também se agravar. Os EUA têm novas tarifas previstas para entrar em vigor neste mês e em dezembro. E Washington já avisou que cogita medidas mais agressivas para conter a ascensão da China, como a proibição de abertura de capital de empresas chinesas nos EUA e a restrição a investimentos americanos no país.
Além disso, cresce o risco de uma guerra comercial 2.0, entre os EUA e a UE. Nesta semana, o governo Trump anunciou tarifas contra US$ 7,5 bilhões em produtos europeus, após vencer ação na Organização Mundial do Comércio (OMC). Nos próximos meses, deverá ser a vez da UE adotar tarifas contra os EUA, num valor ainda desconhecido.
O Brexit continua sendo uma incógnita, que vem pesando sobre a economia britânica e que pode prejudicar toda a Europa, em especial no caso de uma saída desordenada do Reino Unido. O premiê Boris Johnson continua insistindo que o país sairá da UE em 31 de outubro, mas parece mais provável que uma definição sobre o Brexit fique para o começo do ano que vem.
Não está claro ainda qual será o efeito econômico do processo de impeachment do presidente Trump, em andamento no Congresso dos EUA e que deve se arrastar até o começo de 2020. Mas tanto o processo como a campanha eleitoral do ano que vem geram incertezas, que não ajudarão a economia americana.
Também na Argentina a incerteza política em relação ao provável governo do kirchnerista Alberto Fernández, favorito na eleição presidencial deste mês, vem pesando na economia. O país terá de renegociar sua dívida nos próximos meses, senão será obrigado a dar um calote, com consequências difíceis de prever, mas que pode levar a uma corrida bancária e ao dólar.
Esses riscos todos ainda não estão totalmente precificados. Mas, além do impacto direto dessa demanda externa mais fraca, o Brasil sofrerá efeitos indiretos. A desaceleração global tende a deprimir os preços das commodities, o que já está acontecendo. O petróleo, 20 dias depois do grave ataque à Arábia Saudita, voltou a cair e está perto do menor nível em dois anos.
A desaceleração global deverá também ter um efeito financeiro, de elevar a aversão ao risco, o que pode afetar os mercados e os investimentos estrangeiros.
Em resumo, o cenário externo jogará contra o Brasil e o governo de Jair Bolsonaro em 2020. Parece mais provável hoje que o presidente e os partidos aliados terão de enfrentar a campanha das eleições municipais do ano que vem num cenário de crescimento econômico fraco.
*Humberto Saccomandi é editor de Internacional.
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