- Valor Econômico
Camisa de força do orçamento é uma situação absurda
Pela primeira vez o governo se dispõe a firmar um compromisso de que a reforma tributária será neutra do ponto de vista da arrecadação. Para tanto, a área econômica avalia instituir, na proposta de emenda constitucional (PEC), um gatilho para redução automática da alíquota do imposto que, porventura, estiver mal calibrado e resultar em uma relevante elevação de receita.
Essa é uma garantia importante porque nas alterações que costuma fazer a Receita Federal sempre ganha um aumento de arrecadação. E um dos maiores temores, quando se discute a reforma tributária, é o de seu resultado final representar uma elevação da já pesada carga tributária, de 35% do PIB. A Receita Federal tem por filosofia considerar adequada a carga de impostos que financie o gasto público.
A reforma tem por objetivo, também, a simplificação das incansáveis normas emanadas da Secretaria da Receita. Nos últimos 30 anos,o país acumulou um estoque de 390.726 normas tributárias que produziram um contencioso estimado em R$ 4 trilhões, segundo dados coletados pelo secretário de Desestatização e Desinvestimento, Salim Mattar. Os contenciosos de impostos federais, segundo Mattar, somam mais do que os R$ 3,8 trilhões da dívida pública líquida.
As disputas na Justiça decorrem de leis malfeitas, com interpretações dúbias ou de uma legislação que se contradiz. “De duas uma: ou o governo quer receber de alguém que não lhe deve ou os devedores não querem pagar o governo”, disse Mattar.
A proposta de reforma tributária está em discussão na pasta da Economia. Com a demissão do então secretário especial da Receita Federal, Marcos Cintra, o ministro Paulo Guedes teve que remontar o grupo e rediscutir os termos da PEC, sem a inclusão da Contribuição sobre Transações, uma espécie de CPMF que substituiria a tributação da folha de salário das empresas.
Em um prazo curto, uma ou duas semanas, a PEC da reforma tributária será enviada ao Congresso Nacional. Logo em seguida o governo finalizará a emenda do pacto federativo, chamada originalmente de a PEC do Orçamento.
A reforma tributária precedeu a do pacto federativo porque já tramitam na Câmara e no Senado duas propostas de emenda constitucional que mudam o sistema tributário. Existe o risco de alguém decidir votar uma delas antes que o governo envie a sua, que tende a ser uma conciliação de ambas.
Há, agora, uma terceira proposta que está fazendo brilhar os olhos do secretário de Desestatização. Mattar pegou um papel com uma síntese comparativa das três sugestões, sendo que duas já tramitam no Congresso, a do economista Bernardo Appy que foi apadrinhada pelo deputado Baleia Rossi (MDB-SP) e a do ex-deputado Luis Carlos Hauly. A terceira foi elaborada pelo Instituto Atlântico, de Paulo Rabello de Castro.
Na comparação entre as três, a de Rabello sobe no ranking porque ela traz notável simplificação, reduz a regressividade e diminui a carga tributária de forma gradual. Rabello sugere a criação do Imposto sobre o Consumo, como resultado da unificação de seis tributos, sendo quatro federais (CSLL, IPI, Cofins, PIS) e dois de natureza estadual e municipal (respectivamente, ICMS e ISS). Seria um IVA - Imposto sobre Valor Agregado - que incidiria no destino.
O Imposto sobre Consumo poderia ter cinco alíquotas nacionais, dependendo da categoria do produto a ser taxado. Estados e municípios teriam maior participação na arrecadação desse imposto e abririam mão da atual partilha do Imposto de Renda (IR), que ficaria integralmente com a União. A União começaria com uma participação modesta no Imposto sobre Consumo, que seria gradativamente reduzida, liberando recursos para redução da carga tributária. Dessa forma, a tributação da renda ficaria a cargo do governo federal; a do consumo ficaria com os Estados; e os impostos patrimoniais seriam municipais.
Há 25 anos o país discute uma reforma tributária que nunca saiu do papel. Mattar, porém, desta vez está confiante na sua aprovação pelo Congresso. “A votação da reforma da Previdência nos diz que existe um Congresso responsável que, independentemente de partidos, está preocupado em arrumar as contas públicas”, acredita ele.
Além da reforma tributária, haverá um forte embate entre os parlamentares para a aprovação dos três D definidos por Guedes, no âmbito do pacto federativo. São eles a desindexação, a desvinculação e a desobrigação do Orçamento. A ideia é, portanto, desindexar as despesas públicas da variação do salário mínimo e da correção inflacionária, pelo INPC ou pelo IPCA; desvincular as receitas de sua destinação obrigatória para gastos pré-determinados; e desobrigar a aplicação mínima obrigatória de um percentual das receitas, a exemplo da educação, cuja parcela da União não pode ser inferior à 18% da receita de impostos repassada aos entes federados.
A cereja do bolo, nas negociações do novo pacto federativo com o Congresso, do qual a tributária é parte, é a liberação de verbas hoje totalmente carimbadas do Orçamento. Atualmente cerca de 96% do Orçamento federal se destina às despesas obrigatórias e apenas 4% podem ser alocados pelos parlamentares para suas emendas que vão abastecer os Estados e os municípios com investimentos.
Ao aplicar os três D, em tese todo o Orçamento ficaria para livre alocação. Obviamente não é assim, pois os gastos com salários, Previdência e juros da dívida, dentre alguns outros, continuarão sendo obrigatórios. Mas certamente será possível encontrar algumas dezenas de bilhões que poderão ser de livre alocação.
“Estamos convencendo, gradualmente, um grupo de congressistas de que eles serão, afinal, os protagonistas do Orçamento”, contou o secretário de Desestatização.
Hoje, além do manicômio do sistema tributário, a situação orçamentária é absurda pois a destinação do dinheiro público tem que obedecer a escolhas feitas pelos constituintes em 1988. É uma camisa de força como se as prioridades fossem estáticas e não mudassem com o passar dos anos.
*Claudia Safatle é diretora adjunta de Redação
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