segunda-feira, 3 de agosto de 2020

A reforma tributária ampla é o melhor caminho – Editorial | Valor Econômico

País deve seguir as melhores práticas internacionais, acolhidas pela OCDE, que apontam para a criação de um IVA nacional

Quando surgiu, no início do século passado, a ideia de tributar apenas o valor que cada empresa adiciona a um determinado produto ou serviço foi uma verdadeira revolução. O que veio a ser chamado de IVA demorou a ser adotado. A França foi o primeiro país a usar essa nova forma de tributação, ainda na década de 1950, em substituição ao imposto sobre vendas.

Ao longo do tempo, o IVA foi sendo adotado por vários países e, hoje, cerca de 170 nações utilizam este modelo de tributação do consumo. Nas Américas, o Brasil foi o primeiro país a adotar a tributação sobre valor adicionado, com o Imposto sobre Produto Industrializado (IPI), em 1964, segundo o economista Ricardo Varsano, especialista em tributação. Em 1967, o país foi o primeiro a adotar também um imposto sobre valor adicionado subnacional, com o então Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICM).

A vantagem do IVA é que essa forma de tributação evita o que se chama de “efeito cascata”, pois permite que o produtor se credite do imposto que foi pago nas etapas anteriores da cadeia produtiva. A empresa só é tributada sobre o valor que agregou efetivamente ao produto ou serviço.

Na prática, o imposto incide efetivamente apenas sobre a venda final, pois todo o tributo pago nas etapas anteriores é recuperado como crédito. O IVA não incide sobre exportações e investimentos, apenas sobre o consumo.

Em texto de 2018, Varsano diz que o ICM já nasceu com duas importantes deficiências, os serviços estavam excluídos e foi adotado o princípio de origem nas transações interestaduais. Além disso, as exportações de produtos agrícolas e industrializados semielaborados eram tributadas.

Com a Constituição de 1988, a base do ICMS passou a incluir os combustíveis, energia elétrica, minerais e serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicações. Os Estados passaram a ter autonomia para determinar suas alíquotas incidentes nas operações internas.

A partir de 1988, muitas ações adotadas pelos Estados pioraram a tributação sobre o valor agregado. O Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) foi praticamente transformado em um fórum para concessão de isenções. Instalou-se, entre os Estados, uma verdadeira guerra fiscal, com isenções sendo concedidas à revelia do Confaz.
Houve ainda uma substituição tributária abusiva e a adoção de inúmeras alíquotas, com algumas muito altas. Para piorar, não há garantia da restituição de créditos líquidos de ICMS. A Lei Kandir desonerou as exportações e os bens de capital. Hoje existem 27 legislações sobre ICMS, com regimes especiais.

O PIS/Pasep e a Cofins são tributos que também incidem sobre o consumo e apresentam numerosas distorções. Varsano observa que o PIS e a Cofins nasceram como tributos em cascata sobre o faturamento e a receita bruta, respectivamente. A partir de 2003, o PIS/Pasep foi reformado, o mesmo acontecendo, a partir de 2004 com a Cofins. Para algumas atividades, essencialmente os serviços, Varsano explica que foi mantida a tributação original. Para as demais, foi adotada a tributação do valor adicionado. A tributação é complexa, com mais de 100 regimes diferenciados e favorecidos e, por causa da cumulatividade, o brasileiro não sabe exatamente quanto paga desses tributos.

Um texto do Ministério da Economia informa que a legislação sobre PIS/Pasep e Cofins tem mais de duas mil páginas, 60 só de índice. A cobrança desses tributos é tão complexa que, segundo o Ministério da Economia, há 71 mil processos sobre eles na Receita Federal e no Conselho Administrativo e Recursos Fiscais (Carf). No Superior Tribunal de Justiça (STJ), os processos sobre o PIS/Cofins representam 25% do total em que a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) atua.

É evidente que a complexa tributação brasileira sobre consumo deve mudar, ser simplificada. Para isso, o país deve seguir as melhores práticas internacionais, acolhidas pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que apontam para a criação de um IVA nacional, que incorpore todos os impostos sobre consumo, sem as distorções que foram se acumulando no Brasil ao longo dos anos.

Neste sentido, é saudável a iniciativa adotada na semana passada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, de conversar com os governadores para firmar um entendimento em torno de uma reforma tributária ampla, que resultará na proposta de um IVA nacional. Este é o melhor caminho para o país.

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