Mais que só combater a corrupção, Lava-Jato representou um marco no amadurecimento institucional
Nem educação, nem pandemia. Nem saneamento, nem segurança. A prioridade dos políticos em Brasília é um certo “lavajatismo”, expressão do procurador-geral Augusto Aras para qualificar as práticas e métodos de integrantes do Ministério Público no combate à corrupção. Acabar com o que resta da Operação Lava-Jato é uma causa hoje capaz de unir, à chiadeira contumaz dos advogados dos réus, uma fauna improvável com ministros de tribunais superiores e parlamentares de todos os matizes, da esquerda petista à direita bolsonarista, do “centrão fisiológico” ao “centrinho democrático”, presidentes do STF e do Legislativo, para não falar nos próprios Lula e Bolsonaro.
Os adversários do “lavajatismo” podem discordar sobre as palavras que gostariam de ver inscritas na lápide da operação, mas todos se unem no objetivo de vê-la morta e soterrada. O movimento de Aras ganhou corpo depois que saiu do governo o principal rosto dela, o ex-juiz Sergio Moro, rival provável de Bolsonaro nas urnas em 2022. É, antes de tudo, uma jogada política para reduzir a visibilidade e o poder de ação dos aliados de Moro. Em troca, Bolsonaro indicaria Aras à vaga aberta no Supremo com a aposentadoria do ministro Celso de Mello.
As próximas semanas serão críticas para o desfecho da manobra. Os prazos para renovar as forças-tarefas no Paraná e no Rio expiram em setembro e dezembro. Aras tem manifestado a intenção de extinguir ambas e despertado revolta em colegas do MP. Pretende desferir a próxima estocada no julgamento do procurador Deltan Dallagnol, chefe da força-tarefa paranaense, marcado para dia 18. Em jogo estarão as acusações de abuso, derivadas da troca de mensagens entre Moro e a força-tarefa, e de coleta indiscriminada de informações, resultantes do compartilhamento recente de dados com a PGR. Aras e aliados consideram ter votos suficientes para destituir Dallagnol.
Todos devem estar sujeitos à fiscalização das instâncias adequadas. Até o momento, contudo, por mais que o comportamento privado de procuradores possa ser censurável, nada de ilegal veio à tona. O acúmulo de informações não reflete mais que a produtividade de uma força-tarefa que, pela primeira vez na história brasileira, enfrentou sem medo empreiteiras e políticos corruptos, dos mais diversos partidos.
A Lava-Jato jamais foi apenas uma operação anticorrupção. Mais que isso, representou uma oportunidade de amadurecimento das instituições e ruptura dos laços de compadrio na relação entre Estado e empresas no Brasil. Bolsonaro, na defesa dos próprios interesses, já tentou intervir em organismos cuja independência é essencial para a consolidação desse amadurecimento (Coaf, PF e agora MP). Na essência, portanto, a meta de Aras e da coalizão contra o “lavajatismo” configura um retrocesso institucional.
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