- Folha de S. Paulo
Ministro da Justiça produziu dossiê contra 'antifascistas' e procurador-geral da República faz guerra contra Lava Jato
O ministro da Justiça, André Mendonça, e o procurador-geral da República, Augusto Aras, são o cabo e o soldado de pés chatos que Bolsonaro usa em seu novo ataque à democracia brasileira.
Mendonça, que virou ministro da Justiça quando Moro deixou o cargo, vem se destacando na perseguição contra adversários do governo.
Produziu um dossiê contra “antifascistas” que incluía dois acadêmicos respeitados, Paulo Sérgio Pinheiro e Luiz Eduardo Soares, bem como policiais de esquerda, que poderiam vir a ser um obstáculo ao aparelhamento das polícias.
Aras, por sua vez, faz guerra contra a força-tarefa da Lava Jato e tenta centralizar os instrumentos de investigação para usá-los no interesse do golpismo. Enquanto Mendonça briga para prender antifascistas honestos, Aras briga para manter fascistas corruptos em liberdade.
A guerra bolsonarista contra a Lava Jato vem produzindo cenas curiosas. Na semana passada, por exemplo, o bolsonarista Alexandre Garcia usou as revelações da Vaza Jato para criticar a turma de Curitiba.
Quando o Intercept Brasil publicou as denúncias, Garcia estava entre os que atacaram os jornalistas. Pesquise o artigo “Estranhas Coincidências”, publicado em 30 de julho de 2019, em que Garcia repete a mesma lista de mentiras que os bolsonaristas lançavam na época contra Glenn Greenwald e sua família.
Na esquerda, que perdeu uma, e talvez duas Presidências da República no auge do lavajatismo, há gente comemorando a guerra de Aras contra Curitiba. Pode ser compreensível, mas é um erro.
Ninguém ficaria surpreso se, enquanto tenta desmontar a Lava Jato, Aras requentasse uma delação contra Lula para acalmar os bolsonaristas que ainda mentem que se preocupam com corrupção.
Na direita tradicional também tem gente querendo ver no desmonte da Lava Jato uma espécie de acomodação de Bolsonaro com o centrão, o que, por um raciocínio meio tortuoso, poderia ser visto como aceitação da política institucional.
A política brasileira vem sendo isso, um esforço para que um sujeito que causou cem mil mortes aceite ser menos golpista se a gente ajudá-lo com uns problemas que ele tem com a polícia.
E mesmo isso me parece otimismo demais. Não acho que o acordão vai parar o golpismo.
Bolsonaro ficou com raiva da polícia e do Judiciário porque eles pegaram Queiroz e atrapalharam seu autogolpe. Quando Judiciário e polícia tiverem sido aparelhados, Bolsonaro voltará à carga.
Talvez por isso MDB e DEM tenham saído do bloco parlamentar do centrão semana passada. A manobra parece ter sido pensada para enfraquecer Bolsonaro na eleição para a presidência da Câmara. Se for isso, MDB e DEM estão certíssimos.
Não se pode entregar o controle da presidência da Câmara, que com Rodrigo Maia foi um dos pontos de resistência ao autoritarismo, a quem se tenha vendido a Bolsonaro.
Da mesma forma, o leilão da vaga no STF para quem fizer a maior oferta de golpismo tem que acabar. É preciso ficar claro que o Senado não aprovará o vencedor da disputa.
De qualquer forma, cabo Mendonça e soldado Aras são bem mais fáceis de combater do que os cabos e soldados com quem Bolsonaro ameaçava o Brasil um mês atrás. Mas são um sinal importante para quem acreditava que Bolsonaro havia se tornado mais moderado nesse mês que ficou em casa apanhando de ema.
*Celso Rocha de Barros, servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).
Nenhum comentário:
Postar um comentário