domingo, 6 de agosto de 2023

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Fim da ‘legítima defesa da honra’ é só primeiro passo

O Globo

Decisão unânime do STF é histórica. Judiciário terá papel essencial para conter epidemia de feminicídios

Em rara unanimidade, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiram fechar definitivamente a porta para que assassinos de mulheres fiquem impunes, amparados na tese descabida da “legítima defesa da honra”. É um espanto que, por mais anacrônica que seja, ela ainda sensibilizasse tribunais. Não mais. Pela decisão do STF, o argumento não poderá ser usado nem nas investigações nem na fase processual. A Corte o considerou inconstitucional, por contrariar os princípios de igualdade de gênero, dignidade humana e proteção à vida. Num país em que os feminicídios se tornaram uma epidemia, a decisão de enterrar esse entulho jurídico não poderia ser mais oportuna.

O julgamento, motivado por ação do PDT, confirmou outra decisão da Corte de 2021, quando o plenário, também por unanimidade, corroborou liminar concedida pelo ministro Dias Toffoli contra a “legítima defesa da honra”. Toffoli considerou o argumento “desumano e cruel” e disse que contribuía para naturalizar a violência contra a mulher, ao “imputar às vítimas a causa de suas próprias mortes e lesões”.

Na terça-feira, ao julgar o mérito da ação, a presidente do STF, Rosa Weber, ressaltou o caráter anacrônico e injusto da tese: “Simplesmente não há espaço, no contexto de uma sociedade democrática, livre, justa e solidária, fundada no primado da dignidade da pessoa humana, para restauração dos costumes medievais e desumanos do passado”.

A despeito de sobreviver por tanto tempo, a tese sempre foi absurda. Só encontrou terreno fértil numa sociedade machista. O Código Penal estabelece que “a legítima defesa pode ser empregada para repelir injusta agressão, atual ou iminente a direito seu ou de outrem”. Nada a ver com assassinos que cometem crimes torpes, depois recorrem a interpretações estapafúrdias da lei para escapar da punição.

O caso mais conhecido em que o argumento foi usado ocorreu em dezembro de 1976, numa casa de praia de Búzios. O empresário Raul Fernando do Amaral Street, conhecido como Doca Street, matou a namorada, a socialite Ângela Diniz, com quatro tiros no rosto, em meio a discussões em que ela pedia o fim do relacionamento. Defendido pelo criminalista Evandro Lins e Silva, Doca foi condenado a apenas dois anos de prisão, tendo direito à suspensão condicional da pena, sob alegação de “legítima defesa da honra”. O desfecho causou indignação. Somente num julgamento posterior, ele foi condenado a 15 anos de prisão. O caso foi lembrado pela ministra Cármen Lúcia.

Impressiona como, meio século depois, a tragédia se repete de forma frequente, sob o mesmo roteiro perverso, apenas com outros nomes e outros cenários. Pelos números do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 1.437 mulheres foram vítimas de feminicídio no Brasil em 2022, aumento de 6,7% em relação a 2021. Quatro são mortas a cada dia. As tentativas de feminicídio — não menos trágicas —, somaram 2.563, 17,5% acima do ano anterior.

Não se pode minimizar tal ignomínia. A decisão do STF de enterrar a “legítima defesa da honra” é um passo fundamental para fazer criminosos pagar por seus atos, sem se beneficiar de teses jurídicas descabidas. Mas é só o primeiro. O país tem de avançar muito no combate à violência contra a mulher. Além de punir culpados, é preciso tentar impedir que os crimes aconteçam. A contribuição da Justiça para isso também é essencial.

É papel do BNDES financiar projetos de transição para a energia limpa

O Globo

Em vez da ‘reindustrialização’ e de outros fetiches do passado, banco faz bem em tentar olhar para o futuro

Fundado em 1952, o BNDES nasceu para impulsionar a industrialização. Agora planeja ser o principal agente de financiamento da transição energética, para substituir combustíveis fósseis por fontes de energia limpa. É verdade que o Brasil já dispõe de uma das matrizes energéticas menos poluídas do planeta, mesmo assim será necessário substituir no futuro próximo a frota automotiva e processos industriais que emitem gases poluentes.

Precisa ser essa a prioridade do banco, e não a “reindustrialização” da forma como se pensa em Brasília, com proteção aduaneira e reserva de mercado, pilares de todo programa de substituição de importações cujo resultado invariável são empresas improdutivas, incapazes de sobreviver à competição externa, e ineficiência econômica.

A diretora do BNDES responsável pelo setor de Infraestrutura, Transição Energética e Mudança Climática, Luciana Costa, estima que estarão disponíveis para projetos na área mais de R$ 50 bilhões, por meio do Fundo Clima, do Ministério do Meio Ambiente, que tem o BNDES como agente financeiro. Os empréstimos serão subsidiados, mas se espera que não como nos governos anteriores do PT, quando o Tesouro bancava o subsídio com generosas transferências de recursos ao banco (mais tarde o dinheiro teve de ser devolvido para aliviar a crise fiscal). O assunto está em discussão com o Ministério da Fazenda.

Uma das alternativas para financiar subsídios é lançar no mercado “títulos verdes”(green bonds) à taxa de juros de 8% no longo prazo, com vencimento em até 24 anos. Com juros na faixa dos 8%, diz Luciana Costa, o empréstimo “começa a fazer sentido para o investidor”. É mais caro que empréstimos nos Estados Unidos, “mas vai ficar abaixo do [juro cobrado pelo] mercado”.

As primeiras operações serão feitas ainda neste ano, para financiar a eletrificação do transporte urbano. O BNDES está em contato com 30 prefeituras para desenhar o modelo final dos empréstimos. A frota nacional de ônibus reúne 107 mil veículos, dos quais apenas 376 elétricos. O Rio tinha ônibus elétricos, aos poucos substituídos por veículos a diesel. Em São Paulo há linhas remanescentes, mas são poucas. Como no caso das ferrovias, o Brasil precisa retomar investimentos perdidos por falta de visão, num passado em que os preços do diesel e dos ônibus eram fatores imbatíveis para convencer o administrador público a aposentar os veículos elétricos. Luciana prevê que levará 13 anos para reciclar toda a frota, operação que custará R$ 214 bilhões.

O foco do BNDES está também em projetos no hidrogênio verde, na produção de energia eólica no mar, no combustível sustentável para aviação e noutras tecnologias de baixo carbono. Os R$ 50 bilhões, somados a R$ 2,3 bilhões do Fundo Clima, só darão para o começo. Trata-se, mesmo assim, de excelente missão para o banco público.

Olho na Petrobras

Folha de S. Paulo

Preços de combustíveis e política de investimentos geram preocupação com estatal

Com a queda nas cotações internacionais de petróleo e das margens de venda de derivados, a Petrobras apresentou lucro de R$ 28,8 bilhões no segundo trimestre, 47% abaixo do registrado no período correspondente de 2022.

O resultado já se dá sob a nova política de preços dos combustíveis, promessa de campanha de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que abre espaço para maior diferença entre as cifras domésticas e as cotações no mercado externo.

Os parâmetros exatos não são explicitados pela gigante estatal, o que acentua temores de gestão populista para controlar artificialmente os valores cobrados dos consumidores —algo que a nova direção promete que não vai fazer.

Com o encarecimento mais recente do petróleo no exterior, contudo, o desvio dos preços locais da gasolina já se aproxima de 20%, percentual ainda compatível com os observados nos últimos anos.

No entanto eventuais diferenças maiores podem ser indicativos de disposição a um comportamento temerário e em desacordo com o estatuto da empresa —o que também traria risco de desabastecimento, na medida em que se tornaria antieconômica a importação de combustíveis por concorrentes.

Além da política de preços, há outros mecanismos de influência do governo na companhia que merecem escrutínio, casos das regras de distribuição dos resultados para os acionistas e do programa de investimentos, objetos de crítica petista nos últimos anos.

As novas diretrizes reduzem o pagamento de dividendos de 60% para 45% do fluxo de caixa que resulta das operações, deduzidos os investimentos. A alteração trouxe alívio ao mercado, que temia por mudanças mais drásticas.

Há mais em curso, porém. A definição do que são investimentos, por exemplo, foi alterada para incluir não apenas novos aportes em projetos mas também aquisições de empresas e participações.

A gestão atual não esconde seu desejo de reverter desinvestimentos anteriores, principalmente em refino e, talvez, na distribuição de combustíveis. Prometem-se maiores desembolsos em fertilizantes e em áreas ligadas à transição energética, como geração eólica em alto mar, de rentabilidade duvidosa.

Eis onde reside o maior risco. Foram justamente empreendimentos perdulários, mal concebidos e, em muitos casos, sujeitos à corrupção que levaram a empresa a megaprejuízos na gestão petista anterior. A restauração de sua saúde financeira custou vários anos de trabalho.

Desde então, é certo que os mecanismos internos de controle foram fortalecidos e que a atenção da sociedade e dos acionistas minoritários se tornou maior. Todo cuidado é pouco, entretanto.

Questão democrática

Folha de S. Paulo

Queima do Alcorão provoca conflito, mas não está acima da liberdade de expressão

A liberdade de expressão é um dos pilares da democracia, mas manifestações populares em que exemplares do Alcorão, o livro sagrado do islamismo, foram queimados na Suécia e na Dinamarca estão criando tensões diplomáticas e dúvidas sobre esse direito individual.

Em reação, o governo do Iraque expulsou a embaixadora sueca do país, e centenas de manifestantes invadiram e incendiaram a embaixada da Suécia em Bagdá. No Líbano, também houve protestos.

As repercussões podem ser problemáticas para a nação nórdica, que atualmente depende do beneplácito da Turquia para ser aceita como membro da Otan.

Não é desprezível tampouco o risco de grupos radicais se verem estimulados a perpetrar algum ataque terrorista em territórios nórdicos. Na sexta (4), o governo da Dinamarca anunciou que reforçou a vigilância nas fronteiras, com escrutínio rigoroso sobre viajantes.

Autoridades suecas e dinamarquesas repudiam a queima dos livros e afirmam que as forças de segurança, às quais compete autorizar ou não os atos, não avaliam o conteúdo político ou a forma dos protestos, apenas aspectos logísticos e de segurança.

A liberdade de expressão é um valor fundamental para as democracias e, nas mais avançadas, ela inclui, sim, o direito de destruir livros religiosos e bandeiras.

Sob pressão, o ministro das Relações Exteriores da Dinamarca disse que o país pretende buscar "uma ferramenta legal" que possa impedir a queima do Alcorão, mas que mantenha preservada a liberdade de expressão.

Um pragmático poderia concluir que as leis deveriam ser alteradas a fim de evitar possíveis prejuízos. Seria uma conclusão errada, contudo, por limitar-se ao curto prazo. Em primeiro lugar, há o risco de nações livres se tornarem reféns de regimes autoritários.

Ademais, o que está em disputa são as regras do jogo da democracia. Dois dos elementos-chave desse sistema de governo são a liberdade de opinião, que estimula o debate público sobre todos os temas, e a estabilidade de regras transparentes, que gera confiança e facilita investimentos não só econômicos mas também pessoais.

Nesses regimes, é permitido questionar dogmas religiosos, como qualquer outro, e as regras acordadas pela sociedade não mudam ao sabor das circunstâncias de momento. Essa é a melhor maneira de viver que conhecemos.

O Brics que não interessa ao Brasil

O Estado de S. Paulo

O País deveria repensar sua presença no bloco se prosperar a ideia de ampliação advogada pela China, que faria do Brics um grupo geopolítico de orientação autocrática e antiocidental

A Cúpula do Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) nos dias 22 e 23 de agosto, em Johannesburgo, pode ser um divisor de águas para o grupo. A presença de 22 países que manifestaram interesse em integrá-lo, entre eles Argentina, Arábia Saudita, Cuba, Irã e Venezuela, realça a discussão mais importante do fórum: criar ou não um processo formal para admitir novos integrantes e em que termos. Até o momento, o bloco foi mais simbólico do que concreto, mais econômico do que geopolítico, mais defensivo do que construtivo. A prevalecerem as ambições da China, que pressiona pela expansão, essas condições podem se inverter. Mas isso dificilmente serviria aos interesses do Brasil.

O acrônimo “Bric” foi fabricado como uma ferramenta de marketing pelos economistas da Goldman Sachs em 2001 para descrever grandes economias emergentes em crescimento acelerado. Mas, à parte essa similaridade, desde a formalização do grupo, em 2009, era indisfarçável um certo caráter contingencial e acidental, dada a heterogeneidade entre os membros. São duas das maiores democracias do mundo (Brasil e Índia) e duas das maiores autocracias (China e Rússia), uma das duas potências nucleares (Rússia) e um dos maiores produtores agrícolas (Brasil). Em geral, o Brics atuou como um grupo de pressão, relativamente unido pela desconfiança ao poder exercido pelos EUA por meio de sanções e intervenções militares. Não surpreende que, além de discussões abstratas sobre governança, a única iniciativa concreta do grupo tenha sido a criação de um banco de desenvolvimento, mas que é relativamente pequeno.

Ao longo da última década, mesmo a confluência econômica foi afetada por disparidades. O único país que cresceu expressivamente, investindo em uma economia baseada em conhecimento e inovação tecnológica, foi a China. A Índia começa a seguir esses passos, enquanto os outros permaneceram estagnados, dependentes de commodities, com sistemas políticos marcados por disfuncionalidades e carentes de reformas.

Em princípio, a guerra da Rússia contra a Ucrânia e a intensificação da rivalidade entre China e EUA sugeririam que o grupo deveria se concentrar em questões de interesse comum, como o financiamento de projetos, e evitar a pauta da expansão. Mas justamente essas circunstâncias têm motivado a China a fazer uma campanha agressiva pela ampliação. Para Pequim, ela seria uma oportunidade de expandir sua influência política e econômica. Para a Rússia, por sua vez, seria um meio de se defender do crescente isolamento diplomático por parte do Ocidente.

Brasil e Índia sempre resistiram à ampliação, conscientes de que ela diluiria sua influência no grupo em favor da China. Declarações recentes do presidente Lula da Silva parecem favorecer uma inversão dessa atitude. Mas, na atual circunstância, a resistência é mais, não menos, importante.

Como apontou o diplomata Rubens Barbosa no “num clube de dez ou quinze membros que votam exatamente como a China e a Rússia em questões como direitos humanos, democracia e guerra na Ucrânia, o Brasil vai ficar ainda mais isolado”. A estratégia brasileira (e indiana) de manter equidistância na rivalidade entre China (e Rússia) e EUA (e Europa) ficaria comprometida. O clube de economias emergentes não alinhadas se tornaria um clube geopolítico de orientação autocrática pautado pelos interesses chineses.

Nessas condições, não surpreende que um analista de relações internacionais reputado por posições conciliatórias, como Barbosa, seja taxativo: “Caso haja incorporação desse grande número de países, não restará ao Brasil alternativa senão deixar o grupo para manter sua posição de independência e afirmar uma posição de liderança no Sul Global”. Na sua condição de grupo de pressão sobre o “Norte” e de foro de aproximação diplomática entre grandes economias emergentes e ocasionalmente de financiamento de projetos de interesse comum, o Brics mantém seu valor para o Brasil. Mas, se prevalecerem os termos de expansão da China, o País tem muito a perder e nada a ganhar.

A recessão democrática na América Latina

O Estado de S. Paulo

Ao constatar a precária percepção de benefício do Estado de Direito entre os cidadãos da região, a pesquisa Latinobarómetro expõe o risco de avanço do populismo e da via autoritária

Passadas quatro décadas de gradual reforço das instituições e do Estado Democrático de Direito na América Latina, soa no mínimo preocupante o fato de a região atravessar mais de dez anos de “recessão democrática”. A constatação apoia-se nos resultados de pesquisa realizada neste ano em 17 países pelo Latinobarómetro, organização sediada em Santiago, Chile. Não há conforto ao nos inteirarmos que menos da metade (48%) dos latino-americanos consideram a democracia como modelo preferível à via autoritária, apoiada por 17% – ou que, para 28%, pouco importa o regime político do país. O quadro traz grave alerta sobre a vulnerabilidade da região ao populismo e à ascensão de regimes autocráticos.

A base de dados do Latinobarómetro mostra ter havido melhores momentos para a democracia na região, como no início da década passada, quando a preferência por esse regime alcançava 63%. Desde então, segundo a organização, a percepção sobre seus benefícios foi desgastada por crises econômicas, escândalos de corrupção, demandas não atendidas pelos governos e fragilidade do sistema partidário. O estudo A recessão democrática da América Latina atribui boa parte desse descalabro à omissão das elites diante da erosão das instituições e de pressões pela mudança nas regras do jogo – ou a sua atuação intensa em prol desses resultados. Essa visão, obviamente, deve ser considerada, mas está longe de esgotar todos os alvos de responsabilização.

Expressiva é a insatisfação com a democracia, apontada por 69% das 19.205 pessoas consultadas. É certo que houve recuo de três pontos porcentuais nesse universo desde 2018, quando atingiu o recorde de 72%. Mas a magnitude dos insatisfeitos não dá margem para nenhum alento. Sinal menos ruim surge na aversão de 61% a golpes militares – 63% no Brasil. Novamente, não é possível ser otimista quando a pesquisa também mostra que 54% dos latinoamericanos não se importariam com um governo não democrático, desde que resolvesse os problemas nacionais.

A preocupação cresce ao se observar o menor engajamento dos jovens na democracia. “Quanto menor a idade, mais autoritários são”, diz o estudo, ao alertar para a diluição dos valores democráticos entre os cidadãos que, na América Latina, enfrentam maiores taxas de desemprego e menores perspectivas de futuro. O apoio às instituições que sustentam o Estado de Direito é declarado por 43% dos latino-americanos de 16 a 25 anos. Nessa faixa, que não chegou a viver o período ditatorial, a opção autoritária tem a preferência de 20%.

No Brasil, a pesquisa foi realizada logo depois dos ataques às sedes dos Três Poderes por uma horda que defendia um golpe militar para derrubar o governo eleito de Lula da Silva. A preferência pelo Estado de Direito mantevese em 46%, pouco abaixo da média regional, e escalou seis pontos porcentuais em relação ao nível de 2020. Os dados indicam que a percepção foi mais afetada pelos quatro anos de investidas do governo de Jair Bolsonaro contra as instituições do que pelos eventos do 8 de Janeiro.

A opção pela via autoritária cresceu dois pontos porcentuais, para 13% – curiosamente, o mesmo que na Venezuela. O total de brasileiros indiferentes caiu seis pontos, para 30%, um porcentual nada confortável. A pesquisa, porém, traz outro dado preocupante: 43% dos brasileiros concordam com a possibilidade de o governo controlar os meios de comunicação – ou seja, romper um princípio basilar da Constituição.

O estudo do Latinobarómetro de 2023 teve o cuidado de não mergulhar na análise dos regimes ditatoriais da América Latina, embora tenha havido pesquisa na Venezuela. Nicarágua e Cuba foram evitados. Para a organização, o governo de Nayib Bukele, presidente de El Salvador, já rompeu a integridade democrática.

A escolha do termo “recessão”, mais afeito ao léxico econômico, está em linha com o déficit de percepção dos benefícios da democracia por parte expressiva da cidadania. Nada pode ser mais perturbador para a América Latina que as vozes populistas e os desmandos autoritários. É preciso, mais do que nunca, zelar pelo futuro das instituições.

Sem pressa, com pressão

O Estado de S. Paulo

Lira quer o PP no Ministério. Lula quer dinheiro para fechar as contas. Enquanto isso, o tempo voa

O governo precisa garantir arrecadação extra de, ao menos, R$ 100 bilhões no segundo semestre para zerar o déficit público em 2024, como prevê o projeto de arcabouço fiscal, avaliaram especialistas ouvidos pelo Estadão. No mercado financeiro circulam projeções ainda mais vultosas para a receita extraordinária, em torno de R$ 130 bilhões. Levantar adicional tão robusto fica ainda mais incerto por depender da aprovação, pelo Congresso, de projetos essenciais ao governo.

Além do próprio arcabouço, que retornou à Câmara depois das alterações no Senado, ainda estão pendentes matérias como o voto de qualidade do Carf; a reforma tributária no Senado; a adaptação tributária decorrente da retirada dos impostos federais PIS/Cofins da base de créditos do ICMS; e medidas a serem enviadas, como taxação de fundos dos super-ricos e a segunda etapa da reforma tributária, que trata dos impostos sobre a renda. E, por fim, a definição do Orçamento de 2024.

Com a visão pragmática de formar maioria para aprovação de temas caros ao governo, o presidente Lula da Silva abriu as portas da Esplanada aos partidos amigos. Na verdade, não amigos, mas dispostos a colaborar – ainda que, em alguns casos, paramentados como oposição. Mas, até agora, depois de longa negociação, a única mudança foi a entrada de Celso Sabino (União Brasil), aliado do presidente da Câmara, Arthur Lira, no Ministério do Turismo.

“Não tem pressa”, foi a resposta de Lula ao ser questionado, num programa de rádio, sobre a “minirreforma”. O presidente admitiu que ainda não definiu quais cargos vai oferecer, seguindo a lógica transversa de que os novos ministros – aposta-se nos deputados federais André Fufuca, do PP, e Silvio Costa Filho, do Republicanos – possam se adaptar a qualquer função. Em sua explicação, Lula da Silva chegou a ponderar a necessidade de ver “que Estado vai ser beneficiado”.

Enquanto ele prolonga a indefinição, o líder do Centrão, Arthur Lira, arrasta a entrada dos temas econômicos na pauta do plenário da Câmara. Mas jura que não faz pressão para ver o seu partido, PP, com assento no Ministério. O fato é que, antes do recesso parlamentar, havia um acordo informal de discutir na Câmara, já na primeira semana de agosto, o novo arcabouço fiscal modificado pelo Senado. Não aconteceu.

Lira já fala no prazo mínimo de 31 de agosto, mesma data em que o governo precisa mandar sua proposta de Orçamento para 2024 ao Congresso. Em entrevista à Globonews, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, fez uma declaração que alguns poderiam entender como ameaça. “Estamos colocando a decisão política (de aprovar medidas arrecadatórias) nas mãos do Congresso”, disse, lembrando que, se não conseguir aumentar a receita, terá de “cortar o pobre do Orçamento de 2024”.

É um jogo engenhoso, esse praticado em Brasília. O pior é que a incerteza não acabará mesmo se os ponteiros para aprovar as medidas forem acertados. Ainda restará saber, na ponta do lápis, se há mesmo potencial para chegar aos tais R$ 100 bilhões a mais.

 

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