Fim da ‘legítima defesa da honra’ é só primeiro passo
O Globo
Decisão unânime do STF é histórica.
Judiciário terá papel essencial para conter epidemia de feminicídios
Em rara unanimidade, os ministros do
Supremo Tribunal Federal (STF)
decidiram fechar definitivamente a porta para que assassinos de mulheres fiquem
impunes, amparados na tese descabida da “legítima defesa da honra”. É um
espanto que, por mais anacrônica que seja, ela ainda sensibilizasse tribunais.
Não mais. Pela decisão do STF, o argumento não poderá ser usado nem nas
investigações nem na fase processual. A Corte o considerou inconstitucional,
por contrariar os princípios de igualdade de gênero, dignidade humana e
proteção à vida. Num país em que os feminicídios se tornaram uma epidemia, a
decisão de enterrar esse entulho jurídico não poderia ser mais oportuna.
O julgamento, motivado por ação do PDT, confirmou outra decisão da Corte de 2021, quando o plenário, também por unanimidade, corroborou liminar concedida pelo ministro Dias Toffoli contra a “legítima defesa da honra”. Toffoli considerou o argumento “desumano e cruel” e disse que contribuía para naturalizar a violência contra a mulher, ao “imputar às vítimas a causa de suas próprias mortes e lesões”.
Na terça-feira, ao julgar o mérito da ação,
a presidente do STF, Rosa Weber, ressaltou o caráter anacrônico e injusto da
tese: “Simplesmente não há espaço, no contexto de uma sociedade democrática,
livre, justa e solidária, fundada no primado da dignidade da pessoa humana,
para restauração dos costumes medievais e desumanos do passado”.
A despeito de sobreviver por tanto tempo, a
tese sempre foi absurda. Só encontrou terreno fértil numa sociedade machista. O
Código Penal estabelece que “a legítima defesa pode ser empregada para repelir
injusta agressão, atual ou iminente a direito seu ou de outrem”. Nada a ver com
assassinos que cometem crimes torpes, depois recorrem a interpretações
estapafúrdias da lei para escapar da punição.
O caso mais conhecido em que o argumento
foi usado ocorreu em dezembro de 1976, numa casa de praia de Búzios. O
empresário Raul Fernando do Amaral Street, conhecido como Doca Street, matou a
namorada, a socialite Ângela Diniz, com quatro tiros no rosto, em meio a
discussões em que ela pedia o fim do relacionamento. Defendido pelo
criminalista Evandro Lins e Silva, Doca foi condenado a apenas dois anos de
prisão, tendo direito à suspensão condicional da pena, sob alegação de
“legítima defesa da honra”. O desfecho causou indignação. Somente num
julgamento posterior, ele foi condenado a 15 anos de prisão. O caso foi
lembrado pela ministra Cármen Lúcia.
Impressiona como, meio século depois, a
tragédia se repete de forma frequente, sob o mesmo roteiro perverso, apenas com
outros nomes e outros cenários. Pelos números do Fórum Brasileiro de Segurança
Pública, 1.437 mulheres foram vítimas de feminicídio no Brasil em 2022, aumento
de 6,7% em relação a 2021. Quatro são mortas a cada dia. As tentativas de
feminicídio — não menos trágicas —, somaram 2.563, 17,5% acima do ano anterior.
Não se pode minimizar tal ignomínia. A
decisão do STF de enterrar a “legítima defesa da honra” é um passo fundamental
para fazer criminosos pagar por seus atos, sem se beneficiar de teses jurídicas
descabidas. Mas é só o primeiro. O país tem de avançar muito no combate à
violência contra a mulher. Além de punir culpados, é preciso tentar impedir que
os crimes aconteçam. A contribuição da Justiça para isso também é essencial.
É papel do BNDES financiar projetos de
transição para a energia limpa
O Globo
Em vez da ‘reindustrialização’ e de outros
fetiches do passado, banco faz bem em tentar olhar para o futuro
Fundado em 1952, o BNDES nasceu
para impulsionar a industrialização. Agora planeja ser o principal agente de
financiamento da transição energética, para substituir combustíveis fósseis por
fontes de energia limpa.
É verdade que o Brasil já dispõe de uma das matrizes energéticas menos poluídas
do planeta, mesmo assim será necessário substituir no futuro próximo a frota
automotiva e processos industriais que emitem gases poluentes.
Precisa ser essa a prioridade do banco, e
não a “reindustrialização” da forma como se pensa em Brasília, com proteção
aduaneira e reserva de mercado, pilares de todo programa de substituição de
importações cujo resultado invariável são empresas improdutivas, incapazes de
sobreviver à competição externa, e ineficiência econômica.
A diretora do BNDES responsável pelo setor
de Infraestrutura, Transição Energética e Mudança Climática, Luciana Costa,
estima que estarão disponíveis para projetos na área mais de R$ 50 bilhões, por
meio do Fundo Clima, do Ministério do Meio Ambiente, que tem o BNDES como
agente financeiro. Os empréstimos serão subsidiados, mas se espera que não como
nos governos anteriores do PT, quando o Tesouro bancava o subsídio com generosas
transferências de recursos ao banco (mais tarde o dinheiro teve de ser
devolvido para aliviar a crise fiscal). O assunto está em discussão com o
Ministério da Fazenda.
Uma das alternativas para financiar
subsídios é lançar no mercado “títulos verdes”(green bonds) à taxa de juros de
8% no longo prazo, com vencimento em até 24 anos. Com juros na faixa dos 8%,
diz Luciana Costa, o empréstimo “começa a fazer sentido para o investidor”. É
mais caro que empréstimos nos Estados Unidos, “mas vai ficar abaixo do [juro
cobrado pelo] mercado”.
As primeiras operações serão feitas ainda
neste ano, para financiar a eletrificação do transporte urbano. O BNDES está em
contato com 30 prefeituras para desenhar o modelo final dos empréstimos. A
frota nacional de ônibus reúne 107 mil veículos, dos quais apenas 376
elétricos. O Rio tinha ônibus elétricos, aos poucos substituídos por veículos a
diesel. Em São Paulo há linhas remanescentes, mas são poucas. Como no caso das
ferrovias, o Brasil precisa retomar investimentos perdidos por falta de visão,
num passado em que os preços do diesel e dos ônibus eram fatores imbatíveis
para convencer o administrador público a aposentar os veículos elétricos.
Luciana prevê que levará 13 anos para reciclar toda a frota, operação que
custará R$ 214 bilhões.
O foco do BNDES está também em projetos no
hidrogênio verde, na produção de energia eólica no mar, no combustível
sustentável para aviação e noutras tecnologias de baixo carbono. Os R$ 50
bilhões, somados a R$ 2,3 bilhões do Fundo Clima, só darão para o começo.
Trata-se, mesmo assim, de excelente missão para o banco público.
Olho na Petrobras
Folha de S. Paulo
Preços de combustíveis e política de
investimentos geram preocupação com estatal
Com a queda nas cotações internacionais de
petróleo e das margens de venda de derivados, a Petrobras apresentou lucro de
R$ 28,8 bilhões no segundo trimestre, 47% abaixo do
registrado no período correspondente de 2022.
O resultado já se dá sob a nova política de
preços dos combustíveis, promessa de campanha de Luiz Inácio Lula da Silva
(PT), que abre espaço para maior diferença entre as cifras domésticas e as
cotações no mercado externo.
Os parâmetros exatos não são explicitados
pela gigante estatal, o que acentua temores de gestão populista para controlar
artificialmente os valores cobrados dos consumidores —algo que a nova direção
promete que não vai fazer.
Com o encarecimento mais recente do
petróleo no exterior, contudo, o desvio dos preços locais da gasolina já se
aproxima de 20%, percentual ainda compatível com os observados nos últimos
anos.
No entanto eventuais diferenças maiores
podem ser indicativos de disposição a um comportamento temerário e em desacordo
com o estatuto da empresa —o que também traria risco de desabastecimento, na
medida em que se tornaria antieconômica a importação de combustíveis por
concorrentes.
Além da política de preços, há outros
mecanismos de influência do governo na companhia que merecem escrutínio, casos
das regras de distribuição dos resultados para os acionistas e do programa de
investimentos, objetos de crítica petista nos últimos anos.
As novas diretrizes reduzem o pagamento de
dividendos de 60% para 45% do fluxo de caixa que resulta das operações,
deduzidos os investimentos. A alteração trouxe alívio ao mercado, que temia por
mudanças mais drásticas.
Há mais em curso, porém. A definição do que
são investimentos, por exemplo, foi alterada para incluir não apenas novos
aportes em projetos mas também aquisições de empresas e participações.
A gestão atual não esconde seu desejo de
reverter desinvestimentos anteriores, principalmente em refino e, talvez, na
distribuição de combustíveis. Prometem-se
maiores desembolsos em fertilizantes e em áreas ligadas à
transição energética, como geração eólica em alto mar, de rentabilidade
duvidosa.
Eis onde reside o maior risco. Foram
justamente empreendimentos perdulários, mal concebidos e, em muitos casos,
sujeitos à corrupção que levaram a empresa a megaprejuízos na gestão petista
anterior. A restauração de sua saúde financeira custou vários anos de trabalho.
Desde então, é certo que os mecanismos
internos de controle foram fortalecidos e que a atenção da sociedade e dos
acionistas minoritários se tornou maior. Todo cuidado é pouco, entretanto.
Questão democrática
Folha de S. Paulo
Queima do Alcorão provoca conflito, mas não
está acima da liberdade de expressão
A liberdade de expressão é um dos pilares
da democracia, mas manifestações populares em que exemplares do Alcorão, o
livro sagrado do islamismo, foram queimados na Suécia e na Dinamarca estão
criando tensões diplomáticas e dúvidas sobre esse direito individual.
Em reação, o governo do Iraque expulsou a
embaixadora sueca do país, e centenas de
manifestantes invadiram e incendiaram a embaixada da Suécia em Bagdá.
No Líbano, também houve protestos.
As repercussões podem ser problemáticas
para a nação nórdica, que atualmente depende do beneplácito da Turquia para ser
aceita como membro da Otan.
Não é desprezível tampouco o risco de
grupos radicais se verem estimulados a perpetrar algum ataque terrorista em
territórios nórdicos. Na sexta (4), o governo da Dinamarca anunciou que
reforçou a vigilância nas fronteiras, com escrutínio rigoroso sobre viajantes.
Autoridades suecas e dinamarquesas repudiam
a queima dos livros e afirmam que as forças de segurança, às quais compete
autorizar ou não os atos, não avaliam o conteúdo político ou a forma dos
protestos, apenas aspectos logísticos e de segurança.
A liberdade de expressão é um valor
fundamental para as democracias e, nas mais avançadas, ela inclui, sim, o
direito de destruir livros religiosos e bandeiras.
Sob pressão, o ministro das Relações
Exteriores da Dinamarca disse que o país pretende buscar
"uma ferramenta legal" que possa impedir a queima do Alcorão,
mas que mantenha preservada a liberdade de expressão.
Um pragmático poderia concluir que as leis
deveriam ser alteradas a fim de evitar possíveis prejuízos. Seria uma conclusão
errada, contudo, por limitar-se ao curto prazo. Em primeiro lugar, há o risco
de nações livres se tornarem reféns de regimes autoritários.
Ademais, o que está em disputa são as
regras do jogo da democracia. Dois dos elementos-chave desse sistema de governo
são a liberdade de opinião, que estimula o debate público sobre todos os temas,
e a estabilidade de regras transparentes, que gera confiança e facilita
investimentos não só econômicos mas também pessoais.
Nesses regimes, é permitido questionar dogmas religiosos, como qualquer outro, e as regras acordadas pela sociedade não mudam ao sabor das circunstâncias de momento. Essa é a melhor maneira de viver que conhecemos.
O Brics que não interessa ao Brasil
O Estado de S. Paulo
O País deveria repensar sua presença no
bloco se prosperar a ideia de ampliação advogada pela China, que faria do Brics
um grupo geopolítico de orientação autocrática e antiocidental
A Cúpula do Brics (Brasil, Rússia, Índia,
China e África do Sul) nos dias 22 e 23 de agosto, em Johannesburgo, pode ser
um divisor de águas para o grupo. A presença de 22 países que manifestaram
interesse em integrá-lo, entre eles Argentina, Arábia Saudita, Cuba, Irã e Venezuela,
realça a discussão mais importante do fórum: criar ou não um processo formal
para admitir novos integrantes e em que termos. Até o momento, o bloco foi mais
simbólico do que concreto, mais econômico do que geopolítico, mais defensivo do
que construtivo. A prevalecerem as ambições da China, que pressiona pela
expansão, essas condições podem se inverter. Mas isso dificilmente serviria aos
interesses do Brasil.
O acrônimo “Bric” foi fabricado como uma
ferramenta de marketing pelos economistas da Goldman Sachs em 2001 para
descrever grandes economias emergentes em crescimento acelerado. Mas, à parte
essa similaridade, desde a formalização do grupo, em 2009, era indisfarçável um
certo caráter contingencial e acidental, dada a heterogeneidade entre os membros.
São duas das maiores democracias do mundo (Brasil e Índia) e duas das maiores
autocracias (China e Rússia), uma das duas potências nucleares (Rússia) e um
dos maiores produtores agrícolas (Brasil). Em geral, o Brics atuou como um
grupo de pressão, relativamente unido pela desconfiança ao poder exercido pelos
EUA por meio de sanções e intervenções militares. Não surpreende que, além de
discussões abstratas sobre governança, a única iniciativa concreta do grupo
tenha sido a criação de um banco de desenvolvimento, mas que é relativamente
pequeno.
Ao longo da última década, mesmo a
confluência econômica foi afetada por disparidades. O único país que cresceu
expressivamente, investindo em uma economia baseada em conhecimento e inovação
tecnológica, foi a China. A Índia começa a seguir esses passos, enquanto os
outros permaneceram estagnados, dependentes de commodities, com sistemas
políticos marcados por disfuncionalidades e carentes de reformas.
Em princípio, a guerra da Rússia contra a
Ucrânia e a intensificação da rivalidade entre China e EUA sugeririam que o
grupo deveria se concentrar em questões de interesse comum, como o
financiamento de projetos, e evitar a pauta da expansão. Mas justamente essas
circunstâncias têm motivado a China a fazer uma campanha agressiva pela
ampliação. Para Pequim, ela seria uma oportunidade de expandir sua influência
política e econômica. Para a Rússia, por sua vez, seria um meio de se defender
do crescente isolamento diplomático por parte do Ocidente.
Brasil e Índia sempre resistiram à
ampliação, conscientes de que ela diluiria sua influência no grupo em favor da
China. Declarações recentes do presidente Lula da Silva parecem favorecer uma
inversão dessa atitude. Mas, na atual circunstância, a resistência é mais, não
menos, importante.
Como apontou o diplomata Rubens Barbosa no
“num clube de dez ou quinze membros que votam exatamente como a China e a
Rússia em questões como direitos humanos, democracia e guerra na Ucrânia, o
Brasil vai ficar ainda mais isolado”. A estratégia brasileira (e indiana) de
manter equidistância na rivalidade entre China (e Rússia) e EUA (e Europa)
ficaria comprometida. O clube de economias emergentes não alinhadas se tornaria
um clube geopolítico de orientação autocrática pautado pelos interesses chineses.
Nessas condições, não surpreende que um
analista de relações internacionais reputado por posições conciliatórias, como
Barbosa, seja taxativo: “Caso haja incorporação desse grande número de países,
não restará ao Brasil alternativa senão deixar o grupo para manter sua posição
de independência e afirmar uma posição de liderança no Sul Global”. Na sua
condição de grupo de pressão sobre o “Norte” e de foro de aproximação
diplomática entre grandes economias emergentes e ocasionalmente de
financiamento de projetos de interesse comum, o Brics mantém seu valor para o
Brasil. Mas, se prevalecerem os termos de expansão da China, o País tem muito a
perder e nada a ganhar.
A recessão democrática na América Latina
O Estado de S. Paulo
Ao constatar a precária percepção de
benefício do Estado de Direito entre os cidadãos da região, a pesquisa
Latinobarómetro expõe o risco de avanço do populismo e da via autoritária
Passadas quatro décadas de gradual reforço
das instituições e do Estado Democrático de Direito na América Latina, soa no
mínimo preocupante o fato de a região atravessar mais de dez anos de “recessão
democrática”. A constatação apoia-se nos resultados de pesquisa realizada neste
ano em 17 países pelo Latinobarómetro, organização sediada em Santiago, Chile.
Não há conforto ao nos inteirarmos que menos da metade (48%) dos
latino-americanos consideram a democracia como modelo preferível à via
autoritária, apoiada por 17% – ou que, para 28%, pouco importa o regime
político do país. O quadro traz grave alerta sobre a vulnerabilidade da região
ao populismo e à ascensão de regimes autocráticos.
A base de dados do Latinobarómetro mostra
ter havido melhores momentos para a democracia na região, como no início da
década passada, quando a preferência por esse regime alcançava 63%. Desde
então, segundo a organização, a percepção sobre seus benefícios foi desgastada
por crises econômicas, escândalos de corrupção, demandas não atendidas pelos
governos e fragilidade do sistema partidário. O estudo A recessão democrática
da América Latina atribui boa parte desse descalabro à omissão das elites
diante da erosão das instituições e de pressões pela mudança nas regras do jogo
– ou a sua atuação intensa em prol desses resultados. Essa visão, obviamente,
deve ser considerada, mas está longe de esgotar todos os alvos de
responsabilização.
Expressiva é a insatisfação com a
democracia, apontada por 69% das 19.205 pessoas consultadas. É certo que houve
recuo de três pontos porcentuais nesse universo desde 2018, quando atingiu o
recorde de 72%. Mas a magnitude dos insatisfeitos não dá margem para nenhum
alento. Sinal menos ruim surge na aversão de 61% a golpes militares – 63% no
Brasil. Novamente, não é possível ser otimista quando a pesquisa também mostra
que 54% dos latinoamericanos não se importariam com um governo não democrático,
desde que resolvesse os problemas nacionais.
A preocupação cresce ao se observar o menor
engajamento dos jovens na democracia. “Quanto menor a idade, mais autoritários
são”, diz o estudo, ao alertar para a diluição dos valores democráticos entre
os cidadãos que, na América Latina, enfrentam maiores taxas de desemprego e
menores perspectivas de futuro. O apoio às instituições que sustentam o Estado
de Direito é declarado por 43% dos latino-americanos de 16 a 25 anos. Nessa
faixa, que não chegou a viver o período ditatorial, a opção autoritária tem a
preferência de 20%.
No Brasil, a pesquisa foi realizada logo
depois dos ataques às sedes dos Três Poderes por uma horda que defendia um
golpe militar para derrubar o governo eleito de Lula da Silva. A preferência
pelo Estado de Direito mantevese em 46%, pouco abaixo da média regional, e
escalou seis pontos porcentuais em relação ao nível de 2020. Os dados indicam
que a percepção foi mais afetada pelos quatro anos de investidas do governo de
Jair Bolsonaro contra as instituições do que pelos eventos do 8 de Janeiro.
A opção pela via autoritária cresceu dois
pontos porcentuais, para 13% – curiosamente, o mesmo que na Venezuela. O total
de brasileiros indiferentes caiu seis pontos, para 30%, um porcentual nada
confortável. A pesquisa, porém, traz outro dado preocupante: 43% dos
brasileiros concordam com a possibilidade de o governo controlar os meios de
comunicação – ou seja, romper um princípio basilar da Constituição.
O estudo do Latinobarómetro de 2023 teve o
cuidado de não mergulhar na análise dos regimes ditatoriais da América Latina,
embora tenha havido pesquisa na Venezuela. Nicarágua e Cuba foram evitados.
Para a organização, o governo de Nayib Bukele, presidente de El Salvador, já
rompeu a integridade democrática.
A escolha do termo “recessão”, mais afeito ao léxico econômico, está em linha com o déficit de percepção dos benefícios da democracia por parte expressiva da cidadania. Nada pode ser mais perturbador para a América Latina que as vozes populistas e os desmandos autoritários. É preciso, mais do que nunca, zelar pelo futuro das instituições.
Sem pressa, com pressão
O Estado de S. Paulo
Lira quer o PP no Ministério. Lula quer
dinheiro para fechar as contas. Enquanto isso, o tempo voa
O governo precisa garantir arrecadação extra
de, ao menos, R$ 100 bilhões no segundo semestre para zerar o déficit público
em 2024, como prevê o projeto de arcabouço fiscal, avaliaram especialistas
ouvidos pelo Estadão. No mercado financeiro circulam projeções ainda mais
vultosas para a receita extraordinária, em torno de R$ 130 bilhões. Levantar
adicional tão robusto fica ainda mais incerto por depender da aprovação, pelo
Congresso, de projetos essenciais ao governo.
Além do próprio arcabouço, que retornou à
Câmara depois das alterações no Senado, ainda estão pendentes matérias como o
voto de qualidade do Carf; a reforma tributária no Senado; a adaptação
tributária decorrente da retirada dos impostos federais PIS/Cofins da base de
créditos do ICMS; e medidas a serem enviadas, como taxação de fundos dos
super-ricos e a segunda etapa da reforma tributária, que trata dos impostos
sobre a renda. E, por fim, a definição do Orçamento de 2024.
Com a visão pragmática de formar maioria
para aprovação de temas caros ao governo, o presidente Lula da Silva abriu as
portas da Esplanada aos partidos amigos. Na verdade, não amigos, mas dispostos
a colaborar – ainda que, em alguns casos, paramentados como oposição. Mas, até
agora, depois de longa negociação, a única mudança foi a entrada de Celso
Sabino (União Brasil), aliado do presidente da Câmara, Arthur Lira, no
Ministério do Turismo.
“Não tem pressa”, foi a resposta de Lula ao
ser questionado, num programa de rádio, sobre a “minirreforma”. O presidente
admitiu que ainda não definiu quais cargos vai oferecer, seguindo a lógica
transversa de que os novos ministros – aposta-se nos deputados federais André
Fufuca, do PP, e Silvio Costa Filho, do Republicanos – possam se adaptar a
qualquer função. Em sua explicação, Lula da Silva chegou a ponderar a
necessidade de ver “que Estado vai ser beneficiado”.
Enquanto ele prolonga a indefinição, o
líder do Centrão, Arthur Lira, arrasta a entrada dos temas econômicos na pauta
do plenário da Câmara. Mas jura que não faz pressão para ver o seu partido, PP,
com assento no Ministério. O fato é que, antes do recesso parlamentar, havia um
acordo informal de discutir na Câmara, já na primeira semana de agosto, o novo
arcabouço fiscal modificado pelo Senado. Não aconteceu.
Lira já fala no prazo mínimo de 31 de
agosto, mesma data em que o governo precisa mandar sua proposta de Orçamento
para 2024 ao Congresso. Em entrevista à Globonews, o ministro da Fazenda,
Fernando Haddad, fez uma declaração que alguns poderiam entender como ameaça.
“Estamos colocando a decisão política (de aprovar medidas arrecadatórias) nas
mãos do Congresso”, disse, lembrando que, se não conseguir aumentar a receita,
terá de “cortar o pobre do Orçamento de 2024”.
É um jogo engenhoso, esse praticado em Brasília. O pior é que a incerteza não acabará mesmo se os ponteiros para aprovar as medidas forem acertados. Ainda restará saber, na ponta do lápis, se há mesmo potencial para chegar aos tais R$ 100 bilhões a mais.
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