O Globo
Faltam 15 meses para o pleito de novembro
de 2024. Há uma Justiça no caminho de Trump
Que ninguém se engane: será o julgamento político do século. Por enquanto, a laboriosa cobertura jornalística dos processos criminais contra Donald Trump ainda é inversamente proporcional à lassidão da opinião pública diante do emaranhado de acusações. Aos poucos, contudo, a Justiça avança. Desbarata o cipoal. Uma primeira frente contra Trump foi aberta em abril numa Corte distrital de Nova York, com 34 acusações de registros contábeis fraudulentos envolvendo, entre outros, uma atriz pornô. Todos os atos a que terá de responder nesse processo são anteriores a sua eleição em 2016. As outras 40 acusações de retenção e ocultação de documentos de Estado, com obstrução da Justiça, referem-se a crimes praticados já como ex-presidente derrotado nas urnas. Esse pacote será julgado num tribunal de Miami. É o processo federal apresentado nesta semana no Tribunal Distrital de Washington pelo promotor especial Jack Smith que tem maior potencial de sugar a atenção mundial quando for a julgamento. De gravidade máxima, esse lote é o único a tratar de crimes cometidos pelo réu enquanto ainda ocupava a Casa Branca: conspiração para fraudar a nação, conspiração para obstruir o processo eleitoral, obstrução de um procedimento oficial, conspiração contra o exercício de um direito constitucional (o do cidadão, de seu voto ser validado).
Convém esclarecer que nenhuma lei americana
impede Trump de proferir mentiras ou negar o resultado das urnas — tanto é que
continua a fazê-lo livremente. A acusação que pesa contra ele é por ter
conspirado para converter em realidade suas mentiras e negação. Foi por agir
com o intento de subverter o resultado eleitoral que o ex-presidente passou a
ser o 1.097º acusado de envolvimento na invasão do Capitólio de 6 de janeiro de
2021.
Como tudo que é pertinente a Trump, o desenrolar
dessa trama com drama se dará em tons superlativos. Sua chegada a Washington na
tarde de quinta-feira já foi estrepitosa. Pousou em grande estilo na capital
que comandou por quatro anos — que outro réu no mundo desembarca de um
imponente Boeing 757 particular para que suas dez impressões digitais sejam
fichadas? Apelidado de Trump Force One, em referência ao Air Force One
reservado aos ocupantes da Casa Branca, a aeronave azulão do ex costuma exercer
fascínio único sobre seus seguidores. Com a logomarca TRUMP estampada em letras
garrafais na fuselagem, o aparelho recebe aplausos já ao pousar em locais de
comício. Ele exala poder, posse, impunidade — todo trumpista raiz se orgulha do
líder que tem um aviãozão assim, cujo acabamento em couro com detalhes de ouro
alimenta o imaginário. Para seu eleitorado mais fiel, Trump só pode estar sendo
acusado por uma Justiça vingativa, por um establishment corrupto, sinistro e
depravado. “PRECISO APENAS DE UMA ACUSAÇÃO A MAIS PARA SER ELEITO”, escreveu
Trump em maiúsculas, a bordo do avião-fetiche. Referia-se ao aumento de
intenções de voto a seu favor registrado a cada nova denúncia.
Se a eleição fosse hoje, Trump e seu
adversário Biden, do Partido Democrata, estariam rigorosamente empatados (50%
do voto popular), prenunciando novo imbróglio de proporção mamute na contagem
dos votos no Colégio Eleitoral. Na seara republicana, o predomínio de Trump se
mantém incólume, com sete aspirantes patinando abaixo de 10% das intenções de
voto, e apenas o governador da Flórida, Ron DeSantis,
com a cabeça ainda fora do afogamento. Ainda. Um primeiro debate entre essa
plêiade de candidatos a candidato está previsto para este mês. Tem tudo para
ser tedioso sem a participação daquele que sequestrou o partido para si —
Donald Trump.
Por sorte, a eleição não é hoje. Faltam
cinco meses para o início das prévias do Partido Republicano. E faltam 15 meses
para o pleito de novembro de 2024. Entre um e outro evento, há uma Justiça no
caminho de Trump. A defesa do réu tentará o impossível para postergar o
julgamento para depois da eleição, mas nada indica que contará com a
colaboração da juíza de primeira instância que julgará o caso apresentado em
Washington. Nascida na Jamaica, indicada ao cargo por Barack Obama e agora
sorteada para julgar Trump, Tanya Chutkan já tem no currículo a condenação de
três dúzias de envolvidos na tentativa de impedir a posse de Biden. Nada,
porém, da magnitude do que vem sendo considerado “o crime político mais grave
cometido nos Estados Unidos desde a Guerra Civil”.
Estão em jogo o respeito às leis, à razão
como meio de busca da verdade, e o compromisso com um dos princípios
fundamentais da democracia. Por tudo isso e muito mais, vale desejar que Trump
faça história uma derradeira vez: além de primeiro ex-presidente americano a
sofrer dois impeachments no Congresso e primeiro a tornar-se réu em quatro
processos criminais, tornar-se, também, o primeiro a ser condenado, com pena de
prisão. Em contrapartida, se Donald Trump conseguir manter sua candidatura e
favoritismo e reeleger-se presidente apesar de condenado (o que é permitido
pela legislação americana), será preciso inventar novos parâmetros para
explicar o comportamento dos bípedes no mundo.
2 comentários:
Viva Dorrit Harazim
Já não há explicação possível,tanto lá,quanto cá.
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