domingo, 6 de agosto de 2023

Samuel Pessôa* - Início do ciclo de queda da Selic

Folha de S. Paulo

Política monetária ainda freará a atividade econômica por alguns meses

Banco Central iniciou na quarta-feira (2) um ciclo de redução da taxa de juros. O corte da Selic era totalmente esperado. Havia dúvida quanto à magnitude. Poderia ser de 0,25 ponto percentual (pp) ou de 0,5 pp. O corte foi de 0,5 pp, levando a Selic a 13,25%.

O placar da votação do Comitê de Política Monetária (Copom) foi de 5 a 4. O presidente Roberto Campos Neto deu o voto de minerva se alinhando com os dois novos diretores indicados por Lula e na direção contrária à Diretoria de Política Econômica e à Diretoria de Assuntos Internacionais.

A informação mais importante do comunicado divulgado logo após a reunião foi que "em se confirmando o cenário esperado, os membros do Comitê, unanimemente, anteveem redução de mesma magnitude nas próximas reuniões e avaliam que esse é o ritmo apropriado para manter a política monetária contracionista necessária para o processo desinflacionário".

Apesar da divisão do Comitê quanto ao passo inicial, todos concordam que, se nada de diferente ocorrer, haverá até o final do ano mais três quedas de 0,5 pp, com a Selic fechando 2023 a 11,75%. Não muito diferente do que o apontado pelo Focus (expectativas de mercado) da semana passada, que marcava 12%. A simulação do Copom com esses parâmetros gera inflação a 4,9% em 2023, 3,4% em 2024, e 3,0% para 2025. A meta é de 3% ao ano. Logo, a inflação, segundo a simulação do BC, fechará 2024 0,4 pp acima da meta, e na meta em 2025.

Rigorosamente, o Copom deveria esperar uma reunião a mais para iniciar o ciclo de queda de juros. O juro seria um pouco mais elevado do que as pessoas esperariam, haveria uma revisão de toda a trajetória dos juros para 2024, o que seria suficiente para que a simulação do Copom para 2024 na próxima reunião se aproximasse mais de 3%.

No entanto, o Copom resolveu empregar o objetivo subsidiário de suavização do ciclo econômico, e iniciar o ciclo de queda agora. Como explicou no comunicado, "sem prejuízo de seu objetivo fundamental de assegurar a estabilidade de preços, essa decisão também implica suavização das flutuações do nível de atividade econômica e fomento do pleno emprego".

Considero que o grande risco é o fato de o ciclo de queda da taxa de juros ter começado sem que o núcleo de serviços, conhecido por serviços subjacentes, tenha iniciado uma trajetória consistente de queda. Em 12 meses, o indicador acumula 6% e, no último trimestre, também rodou a 6% (na taxa anualizada).

É normal serviços girarem um pouco acima do IPCA, mas 6% é um pouco alto demais para uma meta de 3%; 4,5% seria compatível com a meta. A preocupação deve-se ao fato de o mercado de trabalho estar bem apertado. Segundo a Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua), o desemprego no segundo trimestre do ano fechou a 7,9%, um nível muito baixo. Os serviços subjacentes acompanham de perto o ciclo econômico.

De qualquer forma, e exatamente pelos serviços subjacentes ainda não terem iniciado uma trajetória consistente de queda, o Copom reforça no comunicado "a necessidade de perseverar com uma política monetária contracionista até que se consolide não apenas o processo de desinflação como também a ancoragem das expectativas em torno de suas metas". Ou seja, a política monetária ainda freará a atividade econômica por alguns meses.

Penso que a decisão foi normal e o que preocupa mesmo é o retorno da prática de controle do preço da gasolina pela Petrobras. Cheiro de nova matriz econômica no ar. Mas isso já é tema para outra coluna

*Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e da Julius Baer Family Office (JBFO). É doutor em economia pela USP.

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