sexta-feira, 13 de outubro de 2023

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Alta na renda beneficia mais pobres

O Globo

Momento é favorável, mas aposta no crescimento via consumo exige atenção para pressão inflacionária

A conjuntura econômica tem se revelado positiva para os mais pobres nos últimos meses. Há mais emprego, queda no preço de alimentos e alta no valor do Bolsa Família. Tudo isso tem tido efeito positivo no bolso dos brasileiros. A renda proveniente de remuneração do trabalho e benefícios sociais cresceu, descontada a inflação, 8% no acumulado do ano e 9% nos 12 meses terminados em agosto, segundo noticiou o jornal Valor Econômico.

Os números significam um alento, principalmente entre trabalhadores de baixa renda, e também aumento do consumo, responsável por fatia relevante do PIB. Está aí boa parte da explicação para o crescimento nos últimos trimestres. Há, porém, ceticismo sobre a sustentabilidade do ritmo atual.

É verdade que algumas condições deverão se manter favoráveis. Em setembro, pelo quarto mês consecutivo, caíram os preços de alimentos e bebidas levantados para cálculo do IPCA. A queda tem sido um alívio para as famílias de menor poder aquisitivo. Como elas gastam proporção maior do orçamento com comida, sentem mais pequenas flutuações. No acumulado do ano, a inflação para quem tem renda muito baixa está em 2,3%, 1,5 ponto percentual abaixo da taxa para a classe alta, segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

O valor da cesta básica nas cidades do Rio, São Paulo e Belo Horizonte cai há cinco meses. Como as previsões sobre a próxima safra são otimistas, os mais pobres deverão continuar livres da pressão de separar uma fatia maior do dinheiro para comprar comida. Sobrará mais para gastar em serviços.

Outras causas do aumento da renda têm, no entanto, vida mais curta. É o caso da antecipação no pagamento do abono salarial e do 13º salário de aposentados e pensionistas. Como esses pagamentos já foram efetuados, não terão o mesmo efeito nos últimos meses do ano, quando contribuem para aquecer o comércio, afirma o último Relatório de Inflação, do Banco Central (BC), publicado no final de setembro.

Outro impulso ao consumo foi dado pela redução no endividamento das famílias, como resultado de programas de renegociação, em particular o Desenrola. Mas esse ímpeto também tende a ser temporário. O próprio aquecimento do mercado de trabalho desperta dúvidas. O cenário global de guerras e a desaceleração da economia chinesa criam uma justificada apreensão sobre a duração da maré positiva.

Por tudo isso, o BC deve ficar atento às pressões inflacionárias. Os preços no setor de serviços em setembro subiram 0,5%. Nada fora do esperado, ainda assim um ponto de alerta. O ciclo de queda de juros iniciado em agosto deve continuar. Mas será preciso manter vigilância sobre o consumo. Se a renda maior pressionar o preço de serviços, o BC terá de reavaliar a situação.

Gestões anteriores do PT apostaram no consumo como motor do crescimento. Funcionou durante um tempo. Quando as adversidades externas e a incúria fiscal se fizeram sentir, tudo desmoronou. O país mergulhou em recessão, empobreceu e perdeu pelo menos dez anos de desenvolvimento. Felizmente, a independência do BC criou uma camada de proteção ao populismo monetário. Mas, por mais que possa conter a inflação, não garante o êxito da política econômica. São essenciais o uso do dinheiro público em políticas de eficácia comprovada e, sobretudo, a sensatez fiscal. Espera-se que as lições do passado tenham sido aprendidas.

Operação da PF que descobriu fábrica de armas é exemplo de ação eficaz

O Globo

Investigação no Rio e em Minas mostra por que combate ao crime depende de política nacional

O Rio de Janeiro não fabrica armas nem drogas. Por isso a segurança pública no estado depende de políticas com abrangência nacional. A operação da Polícia Federal (PF) que desbaratou nesta semana em Belo Horizonte uma linha de montagem de fuzis para abastecer traficantes e milicianos do Rio é o exemplo perfeito de como tais políticas deveriam funcionar.

Na última terça-feira, seguindo uma dica recebida na semana anterior, os policiais apreenderam 47 fuzis com munições e prenderam três suspeitos numa casa na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio. Um dos presos, principal alvo da PF, era Silas Diniz Carvalho, considerado pela polícia “um dos maiores fabricantes de armas do país”. Carvalho, revelaram as investigações, é dono da Manchester Indústria e Comércio de Móveis Ltda., em Belo Horizonte. Por trás da fachada de uma fábrica de móveis e esquadrias de metal, os fuzis eram montados no local. A polícia também apreendeu lá o maquinário usado na produção das armas. Na casa de Carvalho, em Contagem, Região Metropolitana de Belo Horizonte, foram apreendidas peças de fuzis, munição, joias e um carro Lamborghini, avaliado em mais de R$ 1 milhão.

O avanço do crime organizado no Rio transformou a cidade num ambicionado mercado para fornecedores de armas. Os fuzis encontrados na casa na Barra, alugada por R$ 30 mil mensais, eram destinados a uma facção criminosa que opera na Rocinha. “Depois que o fuzil subiu o morro, a gente já perdeu”, afirma Alberto Kopittke, integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e diretor executivo do Instituto Cidade Segura. Ele cita a operação da PF como prova de que é possível apreender armas antes que elas sejam distribuídas pelas diversas facções.

Sob o nome de War Dogs, referência ao filme americano “Cães de guerra”, sobre tráfico internacional de armas, a operação obteve sucesso em razão de duas características. Primeiro, como força nacional, a PF não teve dificuldade para atuar em dois estados com agilidade, evitando que os criminosos desmontassem a fábrica ou sumissem com provas incriminadoras. Segundo, ela foi realizada com base em inteligência e investigação, sem a necessidade de trocar tiros em áreas povoadas, pondo em risco inocentes.

Não há como enfrentar o crime organizado no Rio e em todo o Brasil sem que os braços da lei tenham alcance nacional. Para isso, é preciso haver um sistema de informações integrado, acessível a investigadores em todo o país. Exatamente como foi feito na Olimpíada do Rio e na Copa do Mundo, quando PF, Polícia Rodoviária Federal, polícias estaduais, Agência Brasileira de Inteligência (Abin), representantes de portos e aeroportos atuaram lado a lado no mesmo centro de operações.

Com integração nacional e inteligência, é perfeitamente possível abandonar a política de operações pontuais, quase sempre reativas, e partir para ações com resultados duradouros, lançando mão de todo o aparato de segurança do Estado. Só assim será possível vencer o crime organizado no país.

País só tem a ganhar com uma reforma administrativa

Valor Econômico

Há uma Babel de carreiras no serviço público, cuja simplificação permitiria progressos importantes na qualidade do serviço prestado

Instado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), o governo Lula prepara uma reforma administrativa. Caso prospere, será uma mudança importante e bem-vinda. A principal sustentação sindical do PT hoje é o funcionalismo público, o que define limites políticos para os avanços possíveis. Mas os diagnósticos sobre a baixa produtividade e o mau serviço prestados pelo Estado, em todos os níveis (União, Estados e municípios), são tão coincidentes sobre o motivo - baixa qualidade - e as formas de mudar a situação que mesmo medidas parciais na direção correta poderiam fazer a diferença.

A reforma administrativa proposta por Jair Bolsonaro, um presidente corporativista que não estava muito interessado no assunto, não previa mudanças para os atuais funcionários, de forma que suas eventuais virtudes só se manifestariam em décadas, caso fossem levadas a sério. O PT, por seu lado, considera tabu mexer na estabilidade do servidor público e parte dele considera a ênfase na avaliação do desempenho dos servidores na proposta da PEC 32/2020 muito “punitivista”.

Este, no entanto, é um dos pontos centrais que terão de ser resolvidos. A Constituição, em seu artigo 41, admite que servidores sejam demitidos por insuficiência de desempenho, cuja mecânica deveria ser disciplinada por lei complementar. Nenhum governo quis mexer nesse vespeiro, e a lei não foi feita até hoje. As avaliações periódicas que existem em vários órgãos públicos são pró-forma e aprovam todos. Sem avaliação verdadeira, é impossível haver incentivo na progressão da carreira, outro ponto essencial para que os salários possam estar associados ao mérito, e, com ele, venha o aumento de produtividade.

Ao contrário, com frequência as tentativas de progressão na carreira são burocráticas e típicas de castas. A simples permanência no serviço público, a cada cinco anos, daria direito a aumento de vencimentos. O tal do quinquênio, mesmo extinto, é uma reivindicação especialmente dos magistrados, que surge e ressurge de tempos em tempos. Outra forma de agradar a todos às custas dos cofres públicos é a jabuticaba de reajustar os aposentados pelos mesmos índices dos funcionários da ativa - com o detalhe de que mais de 95% dos aposentados federais o fizeram com o salário integral, ao contrário dos da iniciativa privada, que têm teto de R$ 7 mil. Há hoje tantos aposentados quanto servidores na ativa, cerca de 1 milhão de pessoas.

Da mesma forma e com a função de aumentar salários, cuja média é maior do que os da iniciativa privada, há os penduricalhos, responsáveis pelo fato de hoje 25 mil servidores receberem acima do teto do funcionalismo, de R$ 41,6 mil. Em projeto de reforma de 2016, foram identificados 39 deles. Os deputados decidiram manter 32 privilégios, mas a peça legislativa felizmente não prosperou.

A pirâmide de renda do funcionalismo público reflete a do país, com sua péssima distribuição. Há 70% dos servidores com salário de até R$ 5 mil (o dobro da média do setor privado), enquanto que o salário médio de um servidor do Judiciário é de R$ 18 mil, quase quatro vezes maior. A elite militar e a dos Três Poderes chega a ser tão bem remunerada quanto a de países ricos, enquanto servidores da saúde e educação, que atendem à população, recebem magros salários.

Os altos salários levam a folha de pagamento de União, Estados e municípios a 13,5% do PIB, montante superior à média da OCDE, de 9,3%, e à de países com amplas burocracias, como a França. Um problema a eles relacionado está o fato de que os servidores chegam logo ao topo das carreiras, em 13 anos em média, e estacionam. A reforma em elaboração no governo pretende ampliar essa progressão para 20 anos, com, talvez, diminuição do salário inicial.

Há uma Babel de carreiras no serviço público, cuja simplificação permitiria progressos importantes na qualidade do serviço prestado e na gestão de pessoal. Especialistas privados apontam três centenas delas na União, enquanto o secretário de Gestão e Inovação, Roberto Pojo, contabiliza 130. O problema disso é que muitas carreiras são afins, mas não idênticas, dificultando transferências para outras funções, criando excesso de funcionários em um canto e carência em outros - os primeiros em geral nas atividades-meio e o segundos, nas atividades-fins, isto é, os serviços prestados aos cidadãos. O governo crê que é possível racionalizar e reduzir o número de carreiras a 30 ou 40.

Há obstáculos para uma ampla reforma. Os primeiros são vontade política e capacidade de resistir às fortes reações corporativas. Outro, mais importante, é que o Judiciário, onde se concentram boa parte dos privilégios, tem autonomia constitucional e tem de ser convencido a aderir a propostas do Legislativo. Estados e municípios também estão nesse caso. As barreiras não são intransponíveis - houve reformas antes -, e medidas incrementais bem estudadas, como fim dos penduricalhos e um rearranjo geral das carreiras, apresentariam bons resultados a médio prazo.

Brasil, Gaza

Folha de S. Paulo

Barbárie em Israel açula polarização brasileira e constrange Lula e a esquerda

O bairro Brasil, na cidade de Rafah, é um dos lugares mais miseráveis da Faixa de Gaza e monumento à relação do país com aquele ponto de fratura do Oriente Médio.

De 1956 a 1967, interregno entre 2 dos 4 grandes conflitos entre países árabes e Israel desde que a ONU partilhou a região, em 1948, o brasileiro Batalhão Suez operou em Gaza em nome da entidade. A presença acabou em caos e fuga na Guerra dos Seis Dias.

A conturbada história local agora volta ao Brasil impulsionada pela polarização que dividiu o país entre simpatizantes do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e seus críticos, boa parte deles bolsonarista —os de extração evangélica são especialmente ligados a Israel por razões teológicas.

O motivo é a eclosão renovada de uma guerra na região, na esteira do brutal ataque terrorista do grupo palestino Hamas, que desde 2007 controla a sitiada Gaza, contra israelenses no sábado (7).

A inominável ação, mais infame a cada imagem revelada, tornou-se motivo de enfrentamento no Brasil, onde oposicionistas acusam Lula de tolerar o terror.

O PT e outras siglas de seu espectro sempre apoiaram a causa palestina de forma irrefutável, a ponto de deixar espaço ao antissemitismo. Uma coisa, por óbvio, é condenar políticas criminosas de Israel contra os palestinos. Outra é justificar atos terroristas.

A posição histórica do Itamaraty tende a coincidir com a da esquerda, embora ela seja mais ponderada na defesa do direito à existência de Israel ao lado da Palestina —à qual esta Folha se associa.

Na atual crise, Lula e a chancelaria começaram titubeantes, criticando corretamente o terrorismo pelo nome, mas esquecendo de identificar o autor, o Hamas.

O embaraço se espalhou à esquerda, afetando até a postulação de Guilherme Boulos à Prefeitura de São Paulo, dado que seu PSOL esposa teses radicais contra Israel.

Ao longo desta semana de conflito houve novos deslizes, como o Itamaraty lamentando o massacre de dois brasileiros como meros "falecimentos" em nota. À pressão para chamar o Hamas de grupo terrorista, o governo tergiversou e jogou o problema para a ONU.

Mas correções de rumo foram adotadas, ainda que de forma tíbia, quando Lula enfim criticou o Hamas por sequestrar crianças. Até Boulos tratou de condenar o terror de forma mais incisiva.

O presidente saiu-se melhor na sua obrigação de assistir os brasileiros na região. Os que estão em Israel estão sendo retirados por eficaz operação da Força Aérea.

Já os 22 em Gaza, sob bombas, estão sendo atendidos até que seja viável enviá-los ao Egito pelo posto de Rafah —que, a 2 km do bairro Brasil, poderá sediar um capítulo digno em uma trágica história.

Buracos paulistanos

Folha de S. Paulo

Enquanto prefeito investe em asfalto bilionário, queixas sobre as ruas disparam

Pouca burocracia envolvida, relativa celeridade na execução e, sobretudo, inegáveis impacto visual e aprovação popular. Adotado há décadas por prefeitos país afora, o "asfalto de eleição", com durabilidades variáveis, é consagrado estratagema em disputas municipais.

Em São Paulo, com cerca de 20 mil km de ruas e avenidas e 9 milhões de veículos, a aposta não é diferente. De olho em um novo mandato e ainda em busca de uma marca, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) lançou, ao custo de mais de R$ 1 bilhão, o que seria o maior programa de recapeamento da história.

A promessa é pavimentar 20 milhões de metros quadrados até o fim de 2024. Cerca de 2.000 km lineares já teriam sido concluídos.

Tamanha massa asfáltica contrasta com a disparada de reclamações referentes a buracos nas vias.

Dados da ouvidoria mostram que foram 3.224 registros de janeiro a agosto, maior número desde 2017 e 88% a mais que no mesmo período do ano passado (1.712 queixas).

A gestão responsabiliza as concessionárias de água, luz e gás por atrasar as demandas de reparo e admite que há um passivo de 20 mil buracos à espera de atendimento. Só neste ano, essas empresas já foram multadas em R$ 97,7 milhões.

A Subprefeitura do Campo Limpo, que reúne bairros periféricos da zona sul, é a campeã em protestos. E são justamente as regiões mais afastadas do centro expandido as menos contempladas pelo programa de recuperação do asfalto.

Relatório do Tribunal de Contas do Município aponta falhas na Operação Tapa-Buraco em todas as regiões de São Paulo. Para os auditores do órgão, o "alto grau de degradação" das pistas atendidas torna os consertos uma solução paliativa e com os dias contados.

É evidente que, custosa, a pavimentação demanda esforço colossal numa cidade em que diariamente milhões de moradores dependem da mobilidade sobre rodas.

A menos de um ano do pleito, Nunes, entretanto, conta com capacidade recorde de investimento. São R$ 16,1 bilhões em 2023 —mais que o dobro do que seu antecessor, Bruno Covas (PSDB), dispunha no ano anterior à eleição.

O alcance das realizações, no asfaltamento ou em outras áreas ainda mais urgentes, deve priorizar os estratos mais vulneráveis da população. Trata-se de uma corrida contra o tempo —resta saber como será o caminho do prefeito até lá.

O humanismo seletivo da esquerda

O Estado de S. Paulo

Para partidos de esquerda, a julgar por suas notas a respeito do ataque terrorista do Hamas contra civis de Israel, a vida dos que habitam países tidos como imperialistas não vale nada

Esquerdistas gostam de se dizer humanistas, em contraste com uma suposta indiferença dos liberais em relação à vida dos mais pobres ou das minorias. A julgar pelas reações de partidos brasileiros de esquerda ao recente massacre bárbaro de civis israelenses por terroristas palestinos, no entanto, o “humanismo” dessa turma merece muitas aspas, pois só são humanos dignos de sua consideração aqueles cuja causa lhe serve. Nesse humanismo instrumental, a vida dos que habitam países tidos como imperialistas ou inimigos da classe trabalhadora não vale nada, e se vier a ser eliminada, terá sido porque, de alguma forma, essas pessoas nem mereciam viver.

Tome-se o exemplo do PSOL, partido nanico que ganhou alguma relevância porque tem entre seus quadros o atual favorito para ganhar a eleição para a Prefeitura de São Paulo, Guilherme Boulos. Em sua nota oficial sobre o assunto, o partido, esse colosso do humanismo com aspas, foi, previsivelmente, incapaz de mencionar que se trata de terrorismo e de citar a brutalidade da ação contra inocentes. Em vez disso, a nota serve exclusivamente para criticar o “apartheid sionista de Israel”, para manifestar “preocupação” com a reação israelense e para “lamentar” a ajuda dos Estados Unidos a Israel neste momento. É o cardápio completo: a culpa é de Israel, que não tem o direito de reagir, e dos Estados Unidos, que investem naquele que é o agressor em qualquer circunstância.

Já a nota do igualmente nanico PCdoB consegue ser ainda mais cínica. O texto começa criticando não o ataque do Hamas, mas a reação de Israel “contra a Palestina”, e qualifica a carnificina dos palestinos contra inocentes em Israel como “contra-ataque”, praticamente legitimando o terrorismo. Para piorar, a nota diz que a ação do Hamas “atingiu áreas civis e militares”. Ora, quase nenhuma área militar foi afetada. O objetivo dos terroristas, hoje está claro, era exclusivamente atingir civis. Ou seja, a nota do PCdoB, fiel ao stalinismo que anima o partido, não tem nenhum compromisso com a verdade dos fatos.

Do PT, já falamos neste espaço. Relembrando: enquanto o presidente Lula da Silva chamava os terroristas de terroristas, seu partido emitia uma nota em que se mostrou incapaz de qualificar o agressor e o agredido, limitandose a expressar “preocupação com a escalada de violência envolvendo palestinos e israelenses”. Na única concessão ao fato de que centenas de inocentes haviam sido cruelmente violentados e assassinados pelo Hamas, a nota do PT menciona que houve “diversas vítimas civis, incluindo crianças e idosos”, mas não teve a decência de dizer que se tratava de civis de Israel.

Disso se conclui que, para os partidos de esquerda brasileiros, os israelenses não têm o direito nem sequer de chorar seus mortos, pois eles não existem. Sofram o que sofrerem, os israelenses serão sempre os algozes, a padecer das consequências de sua natureza maléfica; já os palestinos, façam o que fizerem, serão sempre as vítimas, cujas ações, por mais torpes que sejam, serão sempre qualificadas como legítimas ante a opressão israelense.

A bem da verdade, os palestinos sempre foram irrelevantes nessa equação dos partidos de esquerda brasileiros. São usados como meros pretextos para demonizar os Estados Unidos e seus aliados, contra os quais vale tudo, inclusive degolar crianças. Para essa turma, é irrelevante a causa de quem luta contra Israel, pois o mais importante é a luta em si e a consequente obliteração de Israel.

Fossem verdadeiros humanistas, esses esquerdistas se revoltariam não só com o terrorismo do Hamas, mas também com a perseguição da China aos muçulmanos uigures ou com a recente limpeza étnica dos armênios em Nagorno-Karabakh. Sobre essas desumanidades e sobre tantas outras, os humanistas com aspas nada têm a dizer, pois não envolvem nem os Estados Unidos nem Israel.

Que as autoridades brasileiras, que integram um governo dito de esquerda, tenham a decência de se distanciar dessa perversa visão de mundo. A determinação constitucional da defesa dos direitos humanos e da dignidade da pessoa humana não seleciona quem merece e quem não merece tê-los.

O problema dos smartphones em escolas

O Estado de S. Paulo

Eles podem ser uma ferramenta de aprendizagem, mas por ora têm prejudicado o ensino e a sociabilidade. Até que pais, diretores e professores pactuem o bom uso, é prudente restringi-los

À medida que se dissemina o uso das tecnologias digitais nas escolas, as colateralidades se multiplicam. Segundo pesquisa do Centro Regional para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação, quase metade dos professores relata que precisou auxiliar seus alunos a lidar com o uso excessivo de jogos e tecnologias digitais, e um terço relatou pedidos de ajuda após incidentes virtuais de assédio, fotos vazadas ou bullying. Os casos aumentam a cada ano.

Evidências do mundo inteiro comprovam uma epidemia de transtornos mentais entre jovens na última década, quando o uso de smartphones se tornou massivo e rotineiro, especialmente de depressão e ansiedade, com taxas crescentes de lesões autoinfligidas e suicídios. Estudos trazem indícios robustos de uma relação causal com o uso abusivo de mídias sociais. As redes estimulam um comportamento performático e uma preocupação obsessiva com a imagem corporal e a popularidade, e adolescentes são especialmente sensíveis ao julgamento de amigos e da multidão digital. As meninas, um grupo no qual a escalada de desordens emocionais é mais acentuada, parecem mais vulneráveis.

Já a relação entre transtornos mentais e o tempo de tela é menos clara. Mas, nas escolas, tudo indica que os smartphones são um fator de intensa distração, prejudicando o desempenho acadêmico, as relações sociais e os laços de pertencimento. Como disse a professora do MIT Sherry Turkle em seu livro Reclaiming Conversation, por causa de nossos smartphones “estamos sempre em outro lugar”. Para o psicólogo social Jonathan Haidt, “se queremos que nossas crianças estejam presentes, aprendam bem, façam amigos e sintam que pertencem à escola, devemos manter os smartphones e as redes sociais fora da rotina escolar tanto quanto possível”.

Segundo um relatório da Unesco, um em quatro países introduziu restrições totais ou parciais a smartphones nas escolas. Na França eles foram banidos, exceto para usos estritamente pedagógicos. Estudos na Bélgica, Espanha e Reino Unido revelaram melhoras nos resultados educacionais após a remoção.

Há dificuldades de implementação, a começar por uma mentalidade hiperprotetiva dos pais, que querem garantir a possibilidade de entrar em contato com seus filhos a qualquer momento. Superar esse problema depende da capacidade das escolas de sedimentar relações de confiança e conscientizar os pais de que um período de seis horas sem contato será benéfico para o desenvolvimento das crianças.

Depois, há os graus de restrições. Proibir os alunos de utilizar os dispositivos nas aulas, mas permitir que os mantenham em seus bolsos ou mochilas, obriga os professores a realizar um policiamento contraproducente para flagrar aqueles que burlam as regras. Proibir a entrada com celular na sala de aula, mas permitir o uso nos momentos de recreação pode fazer com que os alunos tentem compensar o tempo perdido, prejudicando sua interação social. Por isso, muitas escolas exigem que os dispositivos sejam guardados em armários.

O risco é jogar fora o bebê com a água do banho e desperdiçar oportunidades educacionais das novas tecnologias. Numa classe com dezenas de estudantes, dificilmente os professores conseguem adaptar o ensino às necessidades e graus de aprendizagem de cada aluno. Mas há aplicativos que conseguem. A Unesco defende o uso de celular nas escolas desde que sirvam claramente de apoio ao ensino. A tecnologia pode ajudar a resolver o problema que ela mesma criou, desenvolvendo aplicativos que façam essa filtragem e reforcem o controle de pais e professores.

Por ora, os custos da disponibilização dos smartphones parecem superar seus ganhos, e a prudência recomenda a maior restrição possível. É crucial que pais, professores e diretores cooperem para traçar e implementar os limites apropriados. “Manter as necessidades do estudante em primeiro lugar e apoiar os professores”, nas palavras da diretora da Unesco, Audrey Azoulay, deve ser o princípio dessa cooperação. Sobretudo, é preciso ter claro que “conexões online não substituem a interação humana”.

Mercado de carbono pela metade

O Estado de S. Paulo

Avanço da proposta de regulação no Congresso só foi possível com a exclusão da agropecuária

O acordo que levou à aprovação por unanimidade, na Comissão de Meio Ambiente do Senado, do projeto de lei que regulamenta o mercado de carbono no Brasil excluiu de participação obrigatória a agropecuária. Foi a forma encontrada para fazer avançar no Congresso uma agenda discutida no País há, pelo menos, duas décadas. Como a tramitação atual, em caráter terminativo, dispensa a avaliação em plenário do Senado, o projeto segue direto ao plenário da Câmara dos Deputados e, quando aprovado, à sanção presidencial.

Apesar das críticas de ambientalistas pela exclusão de um setor apontado como grande emissor de gases causadores do efeito estufa, difícil imaginar um andamento célere do projeto sem o entendimento firmado entre o governo e a Frente Parlamentar Agropecuária, absolutamente hegemônica no Congresso, com 324 dos 513 deputados federais e 50 dos 81 senadores. Portanto, escolheu-se um avanço tímido, pela metade – mas, ainda assim, um avanço.

Considerando que, após a sanção da lei, serão necessários dois anos para a sua regulamentação e outros três para o período de testes, a tendência é de que somente ao final desta década o Brasil estará plenamente apto a integrar um mercado que já reúne, de acordo com monitoramento do Banco Mundial, 39 países e que rendeu receitas de US$ 56 bilhões somente em 2022. A instituição estima para o Brasil um potencial gerador de receitas de R$ 128 bilhões em dez anos.

O principal ganho, porém, não está no volume de receita que esse mercado pode render, mas no incentivo que representará à adoção de modelos sustentáveis de negócios. Os países da União Europeia, que compõem o mais importante mercado regulado de carbono, têm evoluído de maneira firme na escala da transição energética. Excessivamente dependentes da chamada “energia suja”, em especial petróleo, gás natural e carvão importados da Rússia – o que elevou a insegurança diante da invasão de Vladimir Putin à Ucrânia –, os países europeus estão virando a chave.

A matriz energética brasileira, como se sabe, tem a vantagem de estar muito à frente da média mundial em sustentabilidade. Enquanto a média mundial de energia renovável gira em torno 15%, no Brasil representa 47,4%, de acordo com dados da Empresa de Pesquisa Energética. Mas a redução das emissões na atmosfera para tentar reduzir o aquecimento global é tarefa indispensável e premente de todos os países.

Para a agropecuária, o mercado de carbono seguirá como voluntário. Para todos os demais setores serão estabelecidas regras de compra e venda de cotas baseadas em critérios que, na prática, funcionam como a fixação de um teto para poluição. Empresas que ultrapassam o teto compram créditos que servem, basicamente, para ajudar a desenvolver tecnologias de descarbonização. As que ficam abaixo, vendem seus créditos a um valor padronizado.

O Brasil está atrasado em um mercado que, além dos países europeus, é realidade nos Estados Unidos, China, Japão, México, Canadá, entre outros. Ainda que incompleto, o acordo para destravar o processo veio, portanto, em boa hora.

 As crianças e o autismo

Correio Braziliense

O território brasileiro tem cerca de dois milhões de autistas, dados estes estimados em 2010

É um absurdo que o Brasil — um dos países mais populosos do mundo — não tenha dados precisos sobre o número de autistas no país. A Organização Mundial de Saúde (OMS) não fica muito atrás e divulga sempre as mesmas informações: o território brasileiro tem cerca de dois milhões de autistas, dados estes estimados em 2010.

"Já foi diagnosticado(a) com autismo por algum profissional de saúde?". O Censo 2022 (2020), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), incluiu essa pergunta apenas em 11% dos domicílios que receberam o questionário da amostra que compunha as visitas domiciliares.

E isso, em parte, porque contou com a ajuda do apresentador Marcos Mion, que tem um filho autista e veio a Brasília reivindicar a medida. Em 2019, foi sancionada a Lei 13.861, que obrigou a inclusão da pergunta no Censo.

Em março deste ano, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças do Governo dos Estados Unidos (CDC/EUA) divulgou novos números — uma em cada 36 crianças de oito anos é autista no país norte-americano, o que corresponde a 2,8% da população, dado que se refere a 2020.

Se comparamos os dados acima — divulgados pela instituição referência mundial a respeito da prevalência de autismo — com os números brasileiros, teremos praticamente seis milhões de autistas no Brasil, quantidade duas vezes maior do que é "presumido" pela OMS, o que comprova a defasagem de nossas pesquisas.

Mas o que ocorre? Estamos "gerando" mais autistas do que anteriormente? Talvez também, mas fato é que os diagnósticos recentes têm se tornado mais precisos graças à maior capacitação dos profissionais de saúde e à qualidade dos instrumentos que avaliam o distúrbio.

Kenny Laplante, fundador e CEO da healthtech Genial Care, especializada nos cuidados com crianças autistas, reforça a defasagem e, por outro lado, acrescenta que nem sempre um atraso no desenvolvimento significa que a criança tenha autismo. Sinais como atrasos na fala ou na linguagem, dificuldades na comunicação, em expressar emoções, ter comportamentos repetitivos e dificuldades na interação social são exemplos bastante significativos.

A verdade é que o autismo não é uma doença, mas uma condição neurológica, que afeta o desenvolvimento da criança, principalmente nas áreas de comunicação, interação social e comportamento. É considerada um espectro, o que significa que pode variar amplamente em termos de gravidade e sintomas.

O que assistimos atualmente é a má condução do distúrbio tanto pelas autoridades, pelas secretarias de saúde e instituições de educação, quanto por grande parte da sociedade. Há, é verdade, iniciativas escassas: organizações não governamentais (sem fins lucrativos), associações médicas (algumas) ou alguns pais que, num esforço descomunal, "gritam" por atenção.

Mas se demorou mais de uma década — entre um censo populacional e outro — para incluir uma pergunta sobre o autismo no formulário da pesquisa, quando será que haverá um plano nacional para lidar com essas crianças?

 

 

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