Alta na renda beneficia mais pobres
O Globo
Momento é favorável, mas aposta no crescimento via consumo exige atenção para pressão inflacionária
A conjuntura econômica tem se revelado
positiva para os mais pobres nos últimos meses. Há mais emprego, queda no preço
de alimentos e alta no valor do Bolsa Família. Tudo isso tem tido efeito positivo
no bolso dos brasileiros. A renda proveniente de remuneração do trabalho e
benefícios sociais cresceu, descontada a inflação,
8% no acumulado do ano e 9% nos 12 meses terminados em agosto, segundo noticiou
o jornal Valor Econômico.
Os números significam um alento,
principalmente entre trabalhadores de baixa renda, e também aumento do consumo,
responsável por fatia relevante do PIB. Está aí boa parte da
explicação para o crescimento nos últimos trimestres. Há, porém, ceticismo
sobre a sustentabilidade do ritmo atual.
É verdade que algumas condições deverão se manter favoráveis. Em setembro, pelo quarto mês consecutivo, caíram os preços de alimentos e bebidas levantados para cálculo do IPCA. A queda tem sido um alívio para as famílias de menor poder aquisitivo. Como elas gastam proporção maior do orçamento com comida, sentem mais pequenas flutuações. No acumulado do ano, a inflação para quem tem renda muito baixa está em 2,3%, 1,5 ponto percentual abaixo da taxa para a classe alta, segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
O valor da cesta básica nas cidades do Rio,
São Paulo e Belo Horizonte cai há cinco meses. Como as previsões sobre a
próxima safra são otimistas, os mais pobres deverão continuar livres da pressão
de separar uma fatia maior do dinheiro para comprar comida. Sobrará mais para
gastar em serviços.
Outras causas do aumento da renda têm, no
entanto, vida mais curta. É o caso da antecipação no pagamento do abono
salarial e do 13º salário de aposentados e pensionistas. Como esses pagamentos
já foram efetuados, não terão o mesmo efeito nos últimos meses do ano, quando
contribuem para aquecer o comércio, afirma o último Relatório de Inflação, do
Banco Central (BC), publicado no final de setembro.
Outro impulso ao consumo foi dado pela
redução no endividamento das famílias, como resultado de programas de
renegociação, em particular o Desenrola. Mas esse ímpeto também tende a ser
temporário. O próprio aquecimento do mercado de trabalho desperta dúvidas. O
cenário global de guerras e a desaceleração da economia chinesa criam uma
justificada apreensão sobre a duração da maré positiva.
Por tudo isso, o BC deve ficar atento às
pressões inflacionárias. Os preços no setor de serviços em setembro subiram 0,5%.
Nada fora do esperado, ainda assim um ponto de alerta. O ciclo de queda de
juros iniciado em agosto deve continuar. Mas será preciso manter vigilância
sobre o consumo. Se a renda maior pressionar o preço de serviços, o BC terá de
reavaliar a situação.
Gestões anteriores do PT apostaram
no consumo como motor do crescimento. Funcionou durante um tempo. Quando as
adversidades externas e a incúria fiscal se fizeram sentir, tudo desmoronou. O
país mergulhou em recessão, empobreceu e perdeu pelo menos dez anos de
desenvolvimento. Felizmente, a independência do BC criou uma camada de proteção
ao populismo monetário. Mas, por mais que possa conter a inflação, não garante
o êxito da política econômica. São essenciais o uso do dinheiro público em
políticas de eficácia comprovada e, sobretudo, a sensatez fiscal. Espera-se que
as lições do passado tenham sido aprendidas.
Operação da PF que descobriu fábrica de armas
é exemplo de ação eficaz
O Globo
Investigação no Rio e em Minas mostra por que
combate ao crime depende de política nacional
O Rio de Janeiro não fabrica armas nem
drogas. Por isso a segurança pública no estado depende de políticas com
abrangência nacional. A operação da Polícia Federal (PF) que desbaratou nesta
semana em Belo Horizonte uma linha de montagem de fuzis para abastecer
traficantes e milicianos do Rio é o exemplo perfeito de como tais políticas
deveriam funcionar.
Na última terça-feira, seguindo uma dica
recebida na semana anterior, os policiais apreenderam 47 fuzis com munições e
prenderam três suspeitos numa casa na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio. Um
dos presos, principal alvo da PF, era Silas Diniz Carvalho, considerado pela
polícia “um dos maiores fabricantes de armas do país”. Carvalho, revelaram as
investigações, é dono da Manchester Indústria e Comércio de Móveis Ltda., em
Belo Horizonte. Por trás da fachada de uma fábrica de móveis e esquadrias de
metal, os fuzis eram montados no local. A polícia também apreendeu lá o
maquinário usado na produção das armas. Na casa de Carvalho, em Contagem,
Região Metropolitana de Belo Horizonte, foram apreendidas peças de fuzis,
munição, joias e um carro Lamborghini, avaliado em mais de R$ 1 milhão.
O avanço do crime organizado no Rio
transformou a cidade num ambicionado mercado para fornecedores de armas. Os
fuzis encontrados na casa na Barra, alugada por R$ 30 mil mensais, eram
destinados a uma facção criminosa que opera na Rocinha. “Depois que o fuzil
subiu o morro, a gente já perdeu”, afirma Alberto Kopittke, integrante do Fórum
Brasileiro de Segurança Pública e diretor executivo do Instituto Cidade Segura.
Ele cita a operação da PF como prova de que é possível apreender armas antes
que elas sejam distribuídas pelas diversas facções.
Sob o nome de War Dogs, referência ao filme
americano “Cães de guerra”, sobre tráfico internacional de armas, a operação
obteve sucesso em razão de duas características. Primeiro, como força nacional,
a PF não teve dificuldade para atuar em dois estados com agilidade, evitando
que os criminosos desmontassem a fábrica ou sumissem com provas incriminadoras.
Segundo, ela foi realizada com base em inteligência e investigação, sem a
necessidade de trocar tiros em áreas povoadas, pondo em risco inocentes.
Não há como enfrentar o crime organizado no
Rio e em todo o Brasil sem que os braços da lei tenham alcance nacional. Para
isso, é preciso haver um sistema de informações integrado, acessível a
investigadores em todo o país. Exatamente como foi feito na Olimpíada do Rio e
na Copa do Mundo, quando PF, Polícia
Rodoviária Federal, polícias estaduais, Agência Brasileira de
Inteligência (Abin), representantes de portos e aeroportos atuaram lado a lado
no mesmo centro de operações.
Com integração nacional e inteligência, é
perfeitamente possível abandonar a política de operações pontuais, quase sempre
reativas, e partir para ações com resultados duradouros, lançando mão de todo o
aparato de segurança do Estado. Só assim será possível vencer o crime
organizado no país.
País só tem a ganhar com uma reforma
administrativa
Valor Econômico
Há uma Babel de carreiras no serviço público,
cuja simplificação permitiria progressos importantes na qualidade do serviço
prestado
Instado pelo presidente da Câmara, Arthur
Lira (PP-AL), o governo Lula prepara uma reforma administrativa. Caso prospere,
será uma mudança importante e bem-vinda. A principal sustentação sindical do PT
hoje é o funcionalismo público, o que define limites políticos para os avanços
possíveis. Mas os diagnósticos sobre a baixa produtividade e o mau serviço
prestados pelo Estado, em todos os níveis (União, Estados e municípios), são
tão coincidentes sobre o motivo - baixa qualidade - e as formas de mudar a
situação que mesmo medidas parciais na direção correta poderiam fazer a
diferença.
A reforma administrativa proposta por Jair
Bolsonaro, um presidente corporativista que não estava muito interessado no
assunto, não previa mudanças para os atuais funcionários, de forma que suas
eventuais virtudes só se manifestariam em décadas, caso fossem levadas a sério.
O PT, por seu lado, considera tabu mexer na estabilidade do servidor público e
parte dele considera a ênfase na avaliação do desempenho dos servidores na
proposta da PEC 32/2020 muito “punitivista”.
Este, no entanto, é um dos pontos centrais
que terão de ser resolvidos. A Constituição, em seu artigo 41, admite que
servidores sejam demitidos por insuficiência de desempenho, cuja mecânica
deveria ser disciplinada por lei complementar. Nenhum governo quis mexer nesse
vespeiro, e a lei não foi feita até hoje. As avaliações periódicas que existem
em vários órgãos públicos são pró-forma e aprovam todos. Sem avaliação
verdadeira, é impossível haver incentivo na progressão da carreira, outro ponto
essencial para que os salários possam estar associados ao mérito, e, com ele,
venha o aumento de produtividade.
Ao contrário, com frequência as tentativas de
progressão na carreira são burocráticas e típicas de castas. A simples
permanência no serviço público, a cada cinco anos, daria direito a aumento de
vencimentos. O tal do quinquênio, mesmo extinto, é uma reivindicação
especialmente dos magistrados, que surge e ressurge de tempos em tempos. Outra
forma de agradar a todos às custas dos cofres públicos é a jabuticaba de
reajustar os aposentados pelos mesmos índices dos funcionários da ativa - com o
detalhe de que mais de 95% dos aposentados federais o fizeram com o salário
integral, ao contrário dos da iniciativa privada, que têm teto de R$ 7 mil. Há
hoje tantos aposentados quanto servidores na ativa, cerca de 1 milhão de
pessoas.
Da mesma forma e com a função de aumentar
salários, cuja média é maior do que os da iniciativa privada, há os
penduricalhos, responsáveis pelo fato de hoje 25 mil servidores receberem acima
do teto do funcionalismo, de R$ 41,6 mil. Em projeto de reforma de 2016, foram
identificados 39 deles. Os deputados decidiram manter 32 privilégios, mas a
peça legislativa felizmente não prosperou.
A pirâmide de renda do funcionalismo público
reflete a do país, com sua péssima distribuição. Há 70% dos servidores com
salário de até R$ 5 mil (o dobro da média do setor privado), enquanto que o
salário médio de um servidor do Judiciário é de R$ 18 mil, quase quatro vezes
maior. A elite militar e a dos Três Poderes chega a ser tão bem remunerada
quanto a de países ricos, enquanto servidores da saúde e educação, que atendem
à população, recebem magros salários.
Os altos salários levam a folha de pagamento
de União, Estados e municípios a 13,5% do PIB, montante superior à média da
OCDE, de 9,3%, e à de países com amplas burocracias, como a França. Um problema
a eles relacionado está o fato de que os servidores chegam logo ao topo das
carreiras, em 13 anos em média, e estacionam. A reforma em elaboração no
governo pretende ampliar essa progressão para 20 anos, com, talvez, diminuição
do salário inicial.
Há uma Babel de carreiras no serviço público,
cuja simplificação permitiria progressos importantes na qualidade do serviço
prestado e na gestão de pessoal. Especialistas privados apontam três centenas
delas na União, enquanto o secretário de Gestão e Inovação, Roberto Pojo,
contabiliza 130. O problema disso é que muitas carreiras são afins, mas não
idênticas, dificultando transferências para outras funções, criando excesso de
funcionários em um canto e carência em outros - os primeiros em geral nas
atividades-meio e o segundos, nas atividades-fins, isto é, os serviços prestados
aos cidadãos. O governo crê que é possível racionalizar e reduzir o número de
carreiras a 30 ou 40.
Há obstáculos para uma ampla reforma. Os primeiros são vontade política e capacidade de resistir às fortes reações corporativas. Outro, mais importante, é que o Judiciário, onde se concentram boa parte dos privilégios, tem autonomia constitucional e tem de ser convencido a aderir a propostas do Legislativo. Estados e municípios também estão nesse caso. As barreiras não são intransponíveis - houve reformas antes -, e medidas incrementais bem estudadas, como fim dos penduricalhos e um rearranjo geral das carreiras, apresentariam bons resultados a médio prazo.
Brasil, Gaza
Folha de S. Paulo
Barbárie em Israel açula polarização
brasileira e constrange Lula e a esquerda
O bairro Brasil, na cidade de Rafah, é um dos
lugares mais miseráveis da Faixa de Gaza e monumento à relação do país com
aquele ponto de fratura do Oriente Médio.
De 1956 a 1967, interregno entre 2 dos 4
grandes conflitos entre países árabes e Israel desde que a ONU partilhou a
região, em 1948, o brasileiro Batalhão Suez operou em Gaza em nome da entidade.
A presença acabou em caos e fuga na Guerra dos Seis Dias.
A conturbada história local agora volta ao
Brasil impulsionada pela polarização que dividiu o país entre simpatizantes do
governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e seus críticos, boa parte deles
bolsonarista —os de extração evangélica são especialmente ligados a Israel por
razões teológicas.
O motivo é a eclosão renovada de uma guerra
na região, na esteira do brutal ataque
terrorista do grupo palestino Hamas, que desde 2007 controla a
sitiada Gaza, contra israelenses no sábado (7).
A inominável ação, mais infame a cada imagem
revelada, tornou-se motivo de enfrentamento no Brasil, onde oposicionistas
acusam Lula de tolerar o terror.
O PT e outras siglas de seu espectro sempre
apoiaram a causa palestina de forma irrefutável, a ponto de deixar espaço ao
antissemitismo. Uma coisa, por óbvio, é condenar políticas criminosas de Israel
contra os palestinos. Outra é justificar atos terroristas.
A posição histórica do Itamaraty tende a
coincidir com a da esquerda, embora ela seja mais ponderada na defesa do
direito à existência de Israel ao lado da Palestina —à qual esta Folha se
associa.
Na atual crise, Lula e a chancelaria
começaram titubeantes, criticando corretamente o terrorismo pelo nome, mas
esquecendo de identificar o autor, o Hamas.
O embaraço se espalhou à esquerda, afetando
até a postulação de
Guilherme Boulos à Prefeitura de São Paulo, dado que seu PSOL
esposa teses radicais contra Israel.
Ao longo desta semana de conflito houve novos
deslizes, como o Itamaraty lamentando o massacre de dois brasileiros como meros
"falecimentos" em nota. À pressão para chamar o Hamas de grupo
terrorista, o governo tergiversou e jogou o problema para a ONU.
Mas correções de rumo foram adotadas, ainda
que de forma tíbia, quando Lula enfim criticou o Hamas por sequestrar crianças.
Até Boulos tratou de condenar o terror de forma mais incisiva.
O presidente saiu-se melhor na sua obrigação
de assistir os brasileiros na região. Os que estão em Israel estão sendo
retirados por eficaz operação da Força Aérea.
Já os 22 em
Gaza, sob bombas, estão sendo atendidos até que seja viável
enviá-los ao Egito pelo posto de Rafah —que, a 2 km do bairro Brasil, poderá
sediar um capítulo digno em uma trágica história.
Buracos paulistanos
Folha de S. Paulo
Enquanto prefeito investe em asfalto
bilionário, queixas sobre as ruas disparam
Pouca burocracia envolvida, relativa
celeridade na execução e, sobretudo, inegáveis impacto visual e aprovação
popular. Adotado há décadas por prefeitos país afora, o "asfalto de
eleição", com durabilidades variáveis, é consagrado estratagema em
disputas municipais.
Em São Paulo,
com cerca de 20 mil km de ruas e avenidas e 9 milhões de veículos, a aposta não
é diferente. De olho em um novo mandato e ainda em
busca de uma marca, o prefeito Ricardo Nunes (MDB)
lançou, ao custo de mais de R$ 1 bilhão, o que seria o maior programa de
recapeamento da história.
A promessa é pavimentar 20 milhões de metros
quadrados até o fim de 2024. Cerca de 2.000 km lineares já teriam sido
concluídos.
Tamanha massa asfáltica contrasta com a disparada de
reclamações referentes a buracos nas vias.
Dados da ouvidoria mostram que foram 3.224
registros de janeiro a agosto, maior número desde 2017 e 88% a mais que no
mesmo período do ano passado (1.712 queixas).
A gestão responsabiliza as concessionárias de
água, luz e gás por atrasar as demandas de reparo e admite que há um passivo de
20 mil buracos à espera de atendimento. Só neste ano, essas empresas já foram
multadas em R$ 97,7 milhões.
A Subprefeitura do Campo Limpo, que reúne
bairros periféricos da zona sul, é a campeã em protestos. E são justamente as
regiões mais afastadas do centro expandido as menos
contempladas pelo programa de recuperação do asfalto.
Relatório do Tribunal de Contas do Município
aponta falhas na Operação Tapa-Buraco em todas as regiões de São Paulo. Para os
auditores do órgão, o "alto grau de degradação" das pistas atendidas
torna os consertos uma solução paliativa e com os dias contados.
É evidente que, custosa, a pavimentação
demanda esforço colossal numa cidade em que diariamente milhões de moradores
dependem da mobilidade sobre rodas.
A menos de um
ano do pleito, Nunes, entretanto, conta com capacidade recorde de
investimento. São R$ 16,1 bilhões em 2023 —mais que o dobro do que seu
antecessor, Bruno Covas (PSDB),
dispunha no ano anterior à eleição.
O alcance das realizações, no asfaltamento ou em outras áreas ainda mais urgentes, deve priorizar os estratos mais vulneráveis da população. Trata-se de uma corrida contra o tempo —resta saber como será o caminho do prefeito até lá.
O humanismo seletivo da esquerda
O Estado de S. Paulo
Para partidos de esquerda, a julgar por suas
notas a respeito do ataque terrorista do Hamas contra civis de Israel, a vida
dos que habitam países tidos como imperialistas não vale nada
Esquerdistas gostam de se dizer humanistas,
em contraste com uma suposta indiferença dos liberais em relação à vida dos mais
pobres ou das minorias. A julgar pelas reações de partidos brasileiros de
esquerda ao recente massacre bárbaro de civis israelenses por terroristas
palestinos, no entanto, o “humanismo” dessa turma merece muitas aspas, pois só
são humanos dignos de sua consideração aqueles cuja causa lhe serve. Nesse
humanismo instrumental, a vida dos que habitam países tidos como imperialistas
ou inimigos da classe trabalhadora não vale nada, e se vier a ser eliminada,
terá sido porque, de alguma forma, essas pessoas nem mereciam viver.
Tome-se o exemplo do PSOL, partido nanico que
ganhou alguma relevância porque tem entre seus quadros o atual favorito para
ganhar a eleição para a Prefeitura de São Paulo, Guilherme Boulos. Em sua nota
oficial sobre o assunto, o partido, esse colosso do humanismo com aspas, foi,
previsivelmente, incapaz de mencionar que se trata de terrorismo e de citar a
brutalidade da ação contra inocentes. Em vez disso, a nota serve exclusivamente
para criticar o “apartheid sionista de Israel”, para manifestar “preocupação”
com a reação israelense e para “lamentar” a ajuda dos Estados Unidos a Israel
neste momento. É o cardápio completo: a culpa é de Israel, que não tem o
direito de reagir, e dos Estados Unidos, que investem naquele que é o agressor
em qualquer circunstância.
Já a nota do igualmente nanico PCdoB consegue
ser ainda mais cínica. O texto começa criticando não o ataque do Hamas, mas a
reação de Israel “contra a Palestina”, e qualifica a carnificina dos palestinos
contra inocentes em Israel como “contra-ataque”, praticamente legitimando o
terrorismo. Para piorar, a nota diz que a ação do Hamas “atingiu áreas civis e
militares”. Ora, quase nenhuma área militar foi afetada. O objetivo dos
terroristas, hoje está claro, era exclusivamente atingir civis. Ou seja, a nota
do PCdoB, fiel ao stalinismo que anima o partido, não tem nenhum compromisso
com a verdade dos fatos.
Do PT, já falamos neste espaço. Relembrando:
enquanto o presidente Lula da Silva chamava os terroristas de terroristas, seu
partido emitia uma nota em que se mostrou incapaz de qualificar o agressor e o
agredido, limitandose a expressar “preocupação com a escalada de violência
envolvendo palestinos e israelenses”. Na única concessão ao fato de que
centenas de inocentes haviam sido cruelmente violentados e assassinados pelo
Hamas, a nota do PT menciona que houve “diversas vítimas civis, incluindo
crianças e idosos”, mas não teve a decência de dizer que se tratava de civis de
Israel.
Disso se conclui que, para os partidos de
esquerda brasileiros, os israelenses não têm o direito nem sequer de chorar
seus mortos, pois eles não existem. Sofram o que sofrerem, os israelenses serão
sempre os algozes, a padecer das consequências de sua natureza maléfica; já os
palestinos, façam o que fizerem, serão sempre as vítimas, cujas ações, por mais
torpes que sejam, serão sempre qualificadas como legítimas ante a opressão
israelense.
A bem da verdade, os palestinos sempre foram
irrelevantes nessa equação dos partidos de esquerda brasileiros. São usados como
meros pretextos para demonizar os Estados Unidos e seus aliados, contra os
quais vale tudo, inclusive degolar crianças. Para essa turma, é irrelevante a
causa de quem luta contra Israel, pois o mais importante é a luta em si e a
consequente obliteração de Israel.
Fossem verdadeiros humanistas, esses
esquerdistas se revoltariam não só com o terrorismo do Hamas, mas também com a
perseguição da China aos muçulmanos uigures ou com a recente limpeza étnica dos
armênios em Nagorno-Karabakh. Sobre essas desumanidades e sobre tantas outras,
os humanistas com aspas nada têm a dizer, pois não envolvem nem os Estados
Unidos nem Israel.
Que as autoridades brasileiras, que integram
um governo dito de esquerda, tenham a decência de se distanciar dessa perversa
visão de mundo. A determinação constitucional da defesa dos direitos humanos e
da dignidade da pessoa humana não seleciona quem merece e quem não merece
tê-los.
O problema dos smartphones em escolas
O Estado de S. Paulo
Eles podem ser uma ferramenta de
aprendizagem, mas por ora têm prejudicado o ensino e a sociabilidade. Até que
pais, diretores e professores pactuem o bom uso, é prudente restringi-los
À medida que se dissemina o uso das
tecnologias digitais nas escolas, as colateralidades se multiplicam. Segundo
pesquisa do Centro Regional para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação,
quase metade dos professores relata que precisou auxiliar seus alunos a lidar
com o uso excessivo de jogos e tecnologias digitais, e um terço relatou pedidos
de ajuda após incidentes virtuais de assédio, fotos vazadas ou bullying. Os
casos aumentam a cada ano.
Evidências do mundo inteiro comprovam uma
epidemia de transtornos mentais entre jovens na última década, quando o uso de
smartphones se tornou massivo e rotineiro, especialmente de depressão e
ansiedade, com taxas crescentes de lesões autoinfligidas e suicídios. Estudos
trazem indícios robustos de uma relação causal com o uso abusivo de mídias
sociais. As redes estimulam um comportamento performático e uma preocupação
obsessiva com a imagem corporal e a popularidade, e adolescentes são
especialmente sensíveis ao julgamento de amigos e da multidão digital. As meninas,
um grupo no qual a escalada de desordens emocionais é mais acentuada, parecem
mais vulneráveis.
Já a relação entre transtornos mentais e o
tempo de tela é menos clara. Mas, nas escolas, tudo indica que os smartphones
são um fator de intensa distração, prejudicando o desempenho acadêmico, as
relações sociais e os laços de pertencimento. Como disse a professora do MIT
Sherry Turkle em seu livro Reclaiming Conversation, por causa de nossos
smartphones “estamos sempre em outro lugar”. Para o psicólogo social Jonathan
Haidt, “se queremos que nossas crianças estejam presentes, aprendam bem, façam
amigos e sintam que pertencem à escola, devemos manter os smartphones e as
redes sociais fora da rotina escolar tanto quanto possível”.
Segundo um relatório da Unesco, um em quatro
países introduziu restrições totais ou parciais a smartphones nas escolas. Na
França eles foram banidos, exceto para usos estritamente pedagógicos. Estudos
na Bélgica, Espanha e Reino Unido revelaram melhoras nos resultados
educacionais após a remoção.
Há dificuldades de implementação, a começar
por uma mentalidade hiperprotetiva dos pais, que querem garantir a
possibilidade de entrar em contato com seus filhos a qualquer momento. Superar
esse problema depende da capacidade das escolas de sedimentar relações de
confiança e conscientizar os pais de que um período de seis horas sem contato
será benéfico para o desenvolvimento das crianças.
Depois, há os graus de restrições. Proibir os
alunos de utilizar os dispositivos nas aulas, mas permitir que os mantenham em
seus bolsos ou mochilas, obriga os professores a realizar um policiamento
contraproducente para flagrar aqueles que burlam as regras. Proibir a entrada
com celular na sala de aula, mas permitir o uso nos momentos de recreação pode
fazer com que os alunos tentem compensar o tempo perdido, prejudicando sua
interação social. Por isso, muitas escolas exigem que os dispositivos sejam
guardados em armários.
O risco é jogar fora o bebê com a água do
banho e desperdiçar oportunidades educacionais das novas tecnologias. Numa
classe com dezenas de estudantes, dificilmente os professores conseguem adaptar
o ensino às necessidades e graus de aprendizagem de cada aluno. Mas há
aplicativos que conseguem. A Unesco defende o uso de celular nas escolas desde que
sirvam claramente de apoio ao ensino. A tecnologia pode ajudar a resolver o
problema que ela mesma criou, desenvolvendo aplicativos que façam essa
filtragem e reforcem o controle de pais e professores.
Por ora, os custos da disponibilização dos
smartphones parecem superar seus ganhos, e a prudência recomenda a maior
restrição possível. É crucial que pais, professores e diretores cooperem para
traçar e implementar os limites apropriados. “Manter as necessidades do
estudante em primeiro lugar e apoiar os professores”, nas palavras da diretora
da Unesco, Audrey Azoulay, deve ser o princípio dessa cooperação. Sobretudo, é
preciso ter claro que “conexões online não substituem a interação humana”.
Mercado de carbono pela metade
O Estado de S. Paulo
Avanço da proposta de regulação no Congresso
só foi possível com a exclusão da agropecuária
O acordo que levou à aprovação por
unanimidade, na Comissão de Meio Ambiente do Senado, do projeto de lei que
regulamenta o mercado de carbono no Brasil excluiu de participação obrigatória
a agropecuária. Foi a forma encontrada para fazer avançar no Congresso uma
agenda discutida no País há, pelo menos, duas décadas. Como a tramitação atual,
em caráter terminativo, dispensa a avaliação em plenário do Senado, o projeto
segue direto ao plenário da Câmara dos Deputados e, quando aprovado, à sanção
presidencial.
Apesar das críticas de ambientalistas pela
exclusão de um setor apontado como grande emissor de gases causadores do efeito
estufa, difícil imaginar um andamento célere do projeto sem o entendimento
firmado entre o governo e a Frente Parlamentar Agropecuária, absolutamente
hegemônica no Congresso, com 324 dos 513 deputados federais e 50 dos 81
senadores. Portanto, escolheu-se um avanço tímido, pela metade – mas, ainda
assim, um avanço.
Considerando que, após a sanção da lei, serão
necessários dois anos para a sua regulamentação e outros três para o período de
testes, a tendência é de que somente ao final desta década o Brasil estará
plenamente apto a integrar um mercado que já reúne, de acordo com monitoramento
do Banco Mundial, 39 países e que rendeu receitas de US$ 56 bilhões somente em
2022. A instituição estima para o Brasil um potencial gerador de receitas de R$
128 bilhões em dez anos.
O principal ganho, porém, não está no volume
de receita que esse mercado pode render, mas no incentivo que representará à
adoção de modelos sustentáveis de negócios. Os países da União Europeia, que
compõem o mais importante mercado regulado de carbono, têm evoluído de maneira
firme na escala da transição energética. Excessivamente dependentes da chamada
“energia suja”, em especial petróleo, gás natural e carvão importados da Rússia
– o que elevou a insegurança diante da invasão de Vladimir Putin à Ucrânia –,
os países europeus estão virando a chave.
A matriz energética brasileira, como se sabe,
tem a vantagem de estar muito à frente da média mundial em sustentabilidade.
Enquanto a média mundial de energia renovável gira em torno 15%, no Brasil
representa 47,4%, de acordo com dados da Empresa de Pesquisa Energética. Mas a
redução das emissões na atmosfera para tentar reduzir o aquecimento global é
tarefa indispensável e premente de todos os países.
Para a agropecuária, o mercado de carbono
seguirá como voluntário. Para todos os demais setores serão estabelecidas
regras de compra e venda de cotas baseadas em critérios que, na prática,
funcionam como a fixação de um teto para poluição. Empresas que ultrapassam o
teto compram créditos que servem, basicamente, para ajudar a desenvolver
tecnologias de descarbonização. As que ficam abaixo, vendem seus créditos a um
valor padronizado.
O Brasil está atrasado em um mercado que, além dos países europeus, é realidade nos Estados Unidos, China, Japão, México, Canadá, entre outros. Ainda que incompleto, o acordo para destravar o processo veio, portanto, em boa hora.
As crianças e o autismo
Correio Braziliense
O território brasileiro tem cerca de dois
milhões de autistas, dados estes estimados em 2010
É um absurdo que o Brasil — um dos países
mais populosos do mundo — não tenha dados precisos sobre o número de autistas
no país. A Organização Mundial de Saúde (OMS) não fica muito atrás e divulga
sempre as mesmas informações: o território brasileiro tem cerca de dois milhões
de autistas, dados estes estimados em 2010.
"Já foi diagnosticado(a) com autismo por
algum profissional de saúde?". O Censo 2022 (2020), do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), incluiu essa pergunta apenas em
11% dos domicílios que receberam o questionário da amostra que compunha as
visitas domiciliares.
E isso, em parte, porque contou com a ajuda
do apresentador Marcos Mion, que tem um filho autista e veio a Brasília
reivindicar a medida. Em 2019, foi sancionada a Lei 13.861, que obrigou a
inclusão da pergunta no Censo.
Em março deste ano, o Centro de Controle e
Prevenção de Doenças do Governo dos Estados Unidos (CDC/EUA) divulgou novos
números — uma em cada 36 crianças de oito anos é autista no país
norte-americano, o que corresponde a 2,8% da população, dado que se refere a
2020.
Se comparamos os dados acima — divulgados
pela instituição referência mundial a respeito da prevalência de autismo — com
os números brasileiros, teremos praticamente seis milhões de autistas no
Brasil, quantidade duas vezes maior do que é "presumido" pela OMS, o
que comprova a defasagem de nossas pesquisas.
Mas o que ocorre? Estamos "gerando"
mais autistas do que anteriormente? Talvez também, mas fato é que os
diagnósticos recentes têm se tornado mais precisos graças à maior capacitação
dos profissionais de saúde e à qualidade dos instrumentos que avaliam o
distúrbio.
Kenny Laplante, fundador e CEO da healthtech
Genial Care, especializada nos cuidados com crianças autistas, reforça a
defasagem e, por outro lado, acrescenta que nem sempre um atraso no
desenvolvimento significa que a criança tenha autismo. Sinais como atrasos na
fala ou na linguagem, dificuldades na comunicação, em expressar emoções, ter
comportamentos repetitivos e dificuldades na interação social são exemplos
bastante significativos.
A verdade é que o autismo não é uma doença,
mas uma condição neurológica, que afeta o desenvolvimento da criança,
principalmente nas áreas de comunicação, interação social e comportamento. É
considerada um espectro, o que significa que pode variar amplamente em termos
de gravidade e sintomas.
O que assistimos atualmente é a má condução
do distúrbio tanto pelas autoridades, pelas secretarias de saúde e instituições
de educação, quanto por grande parte da sociedade. Há, é verdade, iniciativas
escassas: organizações não governamentais (sem fins lucrativos), associações
médicas (algumas) ou alguns pais que, num esforço descomunal,
"gritam" por atenção.
Mas se demorou mais de uma década — entre um censo populacional e outro — para incluir uma pergunta sobre o autismo no formulário da pesquisa, quando será que haverá um plano nacional para lidar com essas crianças?
Nenhum comentário:
Postar um comentário