Folha de S. Paulo
Há diferença moral entre mortos pelo Hamas e
pelas forças israelenses?
Qual a diferença moral entre os israelenses
mortos pelo Hamas e os palestinos vitimados pelos bombardeios de
Tel Aviv? Para quem morreu, nenhuma, mas, para os que ficaram, as circunstâncias das mortes importam. O fator mais
saliente é a intenção. A sociedade não pune da mesma forma o motorista
imprudente que atropela um pedestre e o assassino frio que envenena seu
inimigo. Ainda que o resultado objetivo seja o mesmo em ambos os casos —a morte
das vítimas—, o segundo tende a receber uma condenação muito mais gravosa.
Intenções, porém, são um negócio complicado. Consideramos permissível o ato do médico que dá altas doses de morfina para tratar a dor de um paciente terminal mesmo sabendo que a droga poderá provocar parada respiratória e óbito. Na literatura, a distinção entre objetivos explícitos e resultados antevistos mas não desejados leva o nome de doutrina do duplo efeito (DDE).
E o problema com a DDE é que, ao mesmo tempo
em que não podemos abrir mão dela —quase tudo, de tomar um remédio a dar uma
volta de carro, implica algum risco—, quando a abraçamos, escancaramos o
caminho para sua perversão. O médico que prescreveu a morfina pode estar mais
interessado em abreviar o sofrimento do paciente do que em só tratar sua dor.
Voltando ao nosso caso, as ações do Hamas contra civis desarmados são diretas demais para
se confundir com a DDE ou qualquer outro raciocínio que as revista de alguma
aura de moralidade. Já as operações de Israel em
Gaza poderiam, em tese, ser enquadradas como DDE. O objetivo seria debilitar o
Hamas; os civis mortos seriam um efeito colateral indesejado. Mas, para comprar
essa versão, acho que os cuidados dos militares israelenses para evitar baixas
civis teriam de ser maiores do que são.
Meus instintos consequencialistas me fazer ver a própria DDE com desconfiança. É inegável, porém, que intenções são algo para que a nossa espécie liga.
2 comentários:
Há e este tem; o do Thiago não tem.
MAM
Qualquer causa que precise sacrificar pessoas já nasce errada.
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