sexta-feira, 13 de outubro de 2023

Michel Gherman* - Depois do terror e da guerra

O Globo

Serão semanas difíceis. Ao final, descobriremos que não temos solução militar para o conflito e começaremos as negociações

Começo com o lado israelense da fronteira.

Depois de apelos emocionais e diretos, moradores do sul começaram a receber visitas de políticos apoiadores do governo Benjamin Netanyahu.

A vida no entorno da Faixa de Gaza nunca foi simples. O ambiente pastoral, de periferia rural, contrastava com eventuais ataques de foguetes do Hamas. Isso ocorre desde 2004. Com momentos mais tensos ou menos tensos. Moradores dessa região sempre reclamaram de pouco investimento na segurança e de falta de vontade de solução definitiva do imbróglio com o Hamas de Gaza.

Negociações indiretas ocorriam, principalmente durante os governos de Netanyahu; elas podiam resultar em alargamento dos intervalos dos ataques. Mas não resolviam definitivamente a situação. Aqui a lógica de ganhos pontuais e de administração do conflito era a dominante. Netanyahu sobrevivia politicamente, e os habitantes reivindicavam mais. Vida que seguia.

Hoje tudo mudou. Na realidade, tudo ficou diferente na última semana, no último sábado, na festa judaica de Simchat Torá (que celebra a conclusão e reinício da leitura anual da Torá, livro mais sagrado do judaísmo). Exatos 50 anos e um dia depois do início da Guerra do Yom Kippur, o maior fiasco militar de Israel até então.

Desta vez, centenas ou milhares (não se sabe ao certo) de terroristas do Hamas entraram em Israel. Foi uma operação meticulosamente calculada, por terra, mar e ar. O objetivo eram dois: matar quem encontrassem pela frente e capturar o maior número de reféns possível. Como em qualquer ataque terrorista, era fundamental gerar pânico.

Em Israel a vida avançava normalmente. Num dia de feriado, as pessoas foram pegas desprevenidas. Sem preparação alguma. Foi uma carnificina. As proporções ainda estão sendo descobertas. Mas as histórias de crueldade e pânico que começam a ser contadas são terríveis. A quantidade de vítimas assusta e, principalmente, seu perfil: crianças, mulheres e idosos foram mortos de forma bárbara.

Os moradores do sul e da região com a fronteira de Gaza se tornaram sobreviventes de um ato de barbárie sem precedentes na História do país.

Algumas histórias acionam, inclusive, a memória coletiva da Shoá, referência tatuada na alma de judeus israelenses. É esse quadro que Nir Barkat encontra no sul.

Deputado pelo Likud, ele é recebido por moradores irados e indignados. Um deles havia sido atacado num abrigo antiaéreo. Os terroristas, conta o morador, invadiram seu kibutz e mataram todos os que estavam ali com ele. Ele era o único sobrevivente. Permanecera entre cadáveres de amigos e vizinhos por 40 horas esperando resgate:

— Talvez você peça desculpa e se demita? — berra o morador depois de contar sua história.

Barkat se cala.

Este governo, o mais de direita da história de Israel, prometeu segurança e governabilidade. Assim foi eleito. Para isso, propôs reformas judiciais, enfrentou manifestações e promoveu um ambiente de forte polarização política. Não entregou o que prometeu. Seu território foi invadido por terror. Agora há um número enorme de vítimas fatais, gente traumatizada e reféns em Gaza. Um caos.

Do lado de lá da fronteira, em Gaza, um grupo terrorista está pronto para a reação que, sabe, virá.

Desta vez não apenas palestinos servirão de escudo humano do Hamas, mas também um número ainda não conhecido de reféns israelenses. Isso dificulta tudo. Israel entrará por terra em Gaza? Isso levará o Hezbollah para a guerra? Podemos estar diante de uma guerra regional? E o terrível número de vítimas civis palestinas que a invasão pode causar?

Não sabemos responder ainda. Netanyahu aceitou a entrada de líderes da oposição num gabinete de crise. Como se as crianças deixassem os adultos entrar na sala. Para um líder experiente e centralizador como ele, é uma humilhação.

Seu governo acabou, provavelmente sua carreira também. Teremos a morte do cisne, longamente afundando num mar de sangue.

Serão semanas difíceis. Morte, bombardeios e civis sofrendo. Ao final, descobriremos que não temos solução militar para o conflito e começaremos as negociações. Sem Bibi e sem o Hamas.

*Michel Gherman é professor do Departamento de Sociologia da UFRJ, pesquisador do Núcleo Interdisciplinar de Estudos Judaicos da UFRJ e assessor do Instituto Brasil-Israel

 

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

O professor que foi ''calado'' por alunos fascistas numa palestra.