Folha de S. Paulo
Em texto para a Folha, de 2015, compositor
falou do radicalismo dos dois lados
Em 2015, após apelos de Roger Waters,
ex-líder do Pink Floyd,
e do bispo sul-africano (e Nobel da
Paz) Desmond Tutu, para que cancelassem shows em Israel, Caetano
Veloso e Gilberto Gil decidiram
manter o que estava programado. Em resposta a Waters e seu movimento BDS
(boicote, desinvestimento e sanções), Caetano expôs suas razões. Dizia ele na
carta, em junho daquele ano:
"Eu preciso lhe dizer como meu coração é
fortemente contra a posição de direita arrogante do governo israelense. Eu
odeio a política de ocupação, as decisões desumanas que Israel tomou naquilo
que Netanyahu nos
diz ser sua autodefesa. E acho que a maioria dos israelenses que se interessam
por nossa música tende a reagir de forma similar à política de seu país".
E prosseguia:
"Eu cantei nos Estados
Unidos durante o governo Bush e isso não significava que eu aprovasse
a invasão do Iraque. Escrevi e gravei uma música que se opunha à política que
levou à prisão de Guantánamo —e a cantei em Nova York e Los Angeles.
Eu quero aprender mais sobre o que está acontecendo em Israel agora. Eu nunca
cancelaria um show para dizer que sou basicamente contra um país, a não ser que
eu estivesse realmente e de todo o meu coração contra ele. O que não é o caso.
Eu me lembro que Israel foi um lugar de esperança. Sartre e Simone de Beuvoir
morreram pró-Israel".
Meses depois, por sugestão do compositor
uruguaio Jorge Drexler, num encontro em Madri, Caetano
aceitou o convite para uma visita à Cisjordânia,
guiada por ativistas do grupo Break the Silence, formado por ex-soldados israelenses
que serviram na Cisjordânia e se revoltaram com ordens que recebiam. Gil o
acompanhou.
O relato sobre a visita foi publicado em novembro de 2015 pela
Ilustríssima. O texto mescla impressões, nada animadoras, sobre a
situação da Cisjordânia com reflexões a respeito dos radicalismos latentes.
"Vi muita loucura de ambos os lados", resumiu numa passagem. Ao mesmo
tempo, Caetano problematiza seus sentimentos sobre o país e Tel Aviv,
cidade pela qual nutria espontânea simpatia. Lá, "perto mar, longe da
cruz", a sensação de paz era um alívio e um incômodo. A contradição é
resumida pelo autor com o título de uma canção de Marcelo Yuka, do Rappa:
"A paz que eu não quero".
Diz o texto a certa altura:
"Ao voltar ao Brasil, recebi emails com
atualizações do Breaking the Silence. Numa das mensagens estava anexado um
vídeo em que Nasser, o palestino com quem conversamos em Susiya, era surrado
com pedaços de pau por jovens israelenses moradores de um assentamento.
É uma imagem brutal. Soldados do Exército de
Israel assistem à cena impassíveis. Agora que uma terceira intifada se esboça
–e que Netanyahu se vê isolado não só pela oposição mas também por
correligionários que o acusam de não conseguir proteger Israel– constato, de
longe, que a paz que eu julgava ver dentro de Tel Aviv –e que começava a pensar
ser a paz que eu não quero– era, como, no entanto, eu sabia o tempo todo,
frágil, superficial e ilusória".
Oito anos se passaram, e em lance macabro
dessa guerra que não começou ontem, a
milícia terrorista Hamas promove uma inédita e inominável matança de civis
israelenses —e usa concidadãos como escudo. Estranhamente apanhado de surpresa,
o autocrático e extremista Netanyahu, há 13 anos no poder, ainda lidera
o governo do país ao qual prometia paz com políticas criminosas.
É impossível ter esperança quanto a um bom
desenlace para essa insanidade. Mas como diz um verso de Caetano, "coragem
grande é poder dizer sim". Que possamos dizer sim ao Estado de Israel e a
seu direito de defesa e sim a um Estado palestino. Sobretudo sim a uma paz que
não seja superficial e ilusória.
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