O Estado de S. Paulo
Falta sonho, falta garra, falta sentido de urgência para enfrentar as causas dos problemas do País. E aqui não há desculpa
A falta de ambição é uma das grandes
deficiências do atual governo federal. Ambição de servir, de transformar o
País, de produzir mudanças profundas na vida da população. Nota-se um
acostumamento com o poder. É estranho – e triste, ao mesmo tempo – ter de dizer:
se a realidade social e econômica fosse exatamente igual, mas a popularidade do
presidente da República estivesse em alta, a impressão é a de que estariam
satisfeitos. Não haveria maiores preocupações.
Talvez alguém do campo da oposição possa questionar: “Como é possível afirmar que falta ambição ao PT? Eles querem a hegemonia do poder”. Falo de outro tipo de ambição, mais audaz e disruptivo. A ambição de que o exercício do poder tenha profundo e positivo impacto sobre a vida das pessoas no curto, médio e longo prazos.
É triste ver o governo pensando que o seu
grande desafio é uma questão de popularidade. Não é a primeira vez que estão no
poder. Venceram uma eleição disputadíssima em 2022. Mas, mesmo assim, não
compreenderam em que consiste o poder e, principalmente, para que existe o
poder.
Falta ambição, falta sonho, falta garra,
falta sentido de urgência para enfrentar as causas dos problemas do País. E,
nesse tópico, não há desculpa. O problema não são os outros. Não são as
condições externas. Não é o Judiciário. Não é o Centrão. Não é o
presidencialismo de coalizão. Não é a direita. A ambição – o tamanho do sonho –
depende apenas de cada um. A disposição de trabalhar por essa ambição depende
apenas de cada um. A disposição de congregar pessoas em torno dessa ambição –
desse ideal – depende apenas de cada um.
Dizia acima: é estranho que o Palácio do
Planalto veja os desafios do governo como uma questão essencialmente de
popularidade. É estranho porque significa ignorar a incrível excepcionalidade
que é chegar à Presidência da República. Trata-se do resultado de um conjunto
imenso de fatores, que nunca dependem apenas do candidato e do seu partido.
Sempre há virtude – há mérito – e sempre também há sorte. No entanto, quando se
pensa nos desafios do governo a partir da lente da popularidade, perde-se a
grande potencialidade que é ser governo. É paradoxal. Sob essa lógica, estar no
poder é ser refém de um sentimento difuso da população, perdendo a oportunidade
única que é poder servir a sociedade a partir dessa posição tão especial. Está
num lugar de poder, mas não entende o tamanho da cadeira: o tamanho da
responsabilidade, o tamanho da potência.
Entre outras áreas, a falta de ambição do
governo federal é evidente no campo da segurança pública. Sua prioridade é a
aprovação de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) sobre as competências
da União no tema. Sem entrar no mérito da proposta em si, haja fetiche
positivista para pensar que a causa da atual insegurança é essencialmente um
problema de ordenamento jurídico.
Tal situação não é causada por falta de
conhecimento ou de boas ideias. Para ficar num único caso, recentemente o
professor de Direito Penal da Universidade de São Paulo (USP) Pierpaolo Cruz
Bottini reuniu num artigo as prioridades para a segurança pública no País ( Só
a força não resolve, revista Veja, 7/3/2025).
Para fazer frente efetiva às facções, segundo
Bottini, é necessário “organizar o sistema de inteligência policial, exigir das
unidades da Federação o compartilhamento de informações sobre segurança
pública, interligar as agências governamentais para facilitar a detecção dos
produtos do crime e dos recursos das organizações, no Brasil e no exterior, e
fortalecer o Coaf”. Ele menciona também a necessidade de “ações sobre o sistema
prisional. (...) É preciso executar um plano nacional que integre políticas de educação
e trabalho com estratégias de reduzir o espaço do crime organizado nas
prisões”. Por último, “é importante gerir melhor as polícias. Parte
considerável do efetivo não está nas ruas, mas em gabinetes, prestando serviços
a parlamentares, juízes, agentes públicos, em funções distantes daquelas
esperadas de agentes policiais”.
Pode-se discordar de algum elemento, mas na
proposta há uma ideia clara sobre o que precisa ser feito, para que o País de
fato avance na segurança pública – o que é muito diferente do que simplesmente
transferir o assunto para o Congresso por meio de uma PEC.
Surge, então, a pergunta: o atual governo
federal tem a ambição de promover, no campo da segurança pública – e em tantos
outros campos: na educação, na saúde, na cidadania –, um antes e um depois do
seu mandato? Tem a ambição de aproveitar as melhores ideias? Ou o seu empenho
é, no limite, para que a área não prejudique a popularidade?
É preciso, no entanto, reconhecer. Esse
problema não está restrito ao governo federal, tampouco ao setor público. Falta
também a muitos governos estaduais, a muitas administrações municipais, a
muitas empresas e instituições a ambição de transformar, a ambição de fazer de
fato a diferença. É preciso – é urgente – resgatar a capacidade de sonhar. O
sonho grande não pode ser – quer maior sintoma de visão pequena? – simplesmente
manter-se no poder.
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