quarta-feira, 26 de março de 2025

Falta ambição - Nicolau da Rocha Cavalcanti

O Estado de S. Paulo

Falta sonho, falta garra, falta sentido de urgência para enfrentar as causas dos problemas do País. E aqui não há desculpa

A falta de ambição é uma das grandes deficiências do atual governo federal. Ambição de servir, de transformar o País, de produzir mudanças profundas na vida da população. Nota-se um acostumamento com o poder. É estranho – e triste, ao mesmo tempo – ter de dizer: se a realidade social e econômica fosse exatamente igual, mas a popularidade do presidente da República estivesse em alta, a impressão é a de que estariam satisfeitos. Não haveria maiores preocupações.

Talvez alguém do campo da oposição possa questionar: “Como é possível afirmar que falta ambição ao PT? Eles querem a hegemonia do poder”. Falo de outro tipo de ambição, mais audaz e disruptivo. A ambição de que o exercício do poder tenha profundo e positivo impacto sobre a vida das pessoas no curto, médio e longo prazos.

É triste ver o governo pensando que o seu grande desafio é uma questão de popularidade. Não é a primeira vez que estão no poder. Venceram uma eleição disputadíssima em 2022. Mas, mesmo assim, não compreenderam em que consiste o poder e, principalmente, para que existe o poder.

Falta ambição, falta sonho, falta garra, falta sentido de urgência para enfrentar as causas dos problemas do País. E, nesse tópico, não há desculpa. O problema não são os outros. Não são as condições externas. Não é o Judiciário. Não é o Centrão. Não é o presidencialismo de coalizão. Não é a direita. A ambição – o tamanho do sonho – depende apenas de cada um. A disposição de trabalhar por essa ambição depende apenas de cada um. A disposição de congregar pessoas em torno dessa ambição – desse ideal – depende apenas de cada um.

Dizia acima: é estranho que o Palácio do Planalto veja os desafios do governo como uma questão essencialmente de popularidade. É estranho porque significa ignorar a incrível excepcionalidade que é chegar à Presidência da República. Trata-se do resultado de um conjunto imenso de fatores, que nunca dependem apenas do candidato e do seu partido. Sempre há virtude – há mérito – e sempre também há sorte. No entanto, quando se pensa nos desafios do governo a partir da lente da popularidade, perde-se a grande potencialidade que é ser governo. É paradoxal. Sob essa lógica, estar no poder é ser refém de um sentimento difuso da população, perdendo a oportunidade única que é poder servir a sociedade a partir dessa posição tão especial. Está num lugar de poder, mas não entende o tamanho da cadeira: o tamanho da responsabilidade, o tamanho da potência.

Entre outras áreas, a falta de ambição do governo federal é evidente no campo da segurança pública. Sua prioridade é a aprovação de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) sobre as competências da União no tema. Sem entrar no mérito da proposta em si, haja fetiche positivista para pensar que a causa da atual insegurança é essencialmente um problema de ordenamento jurídico.

Tal situação não é causada por falta de conhecimento ou de boas ideias. Para ficar num único caso, recentemente o professor de Direito Penal da Universidade de São Paulo (USP) Pierpaolo Cruz Bottini reuniu num artigo as prioridades para a segurança pública no País ( Só a força não resolve, revista Veja, 7/3/2025).

Para fazer frente efetiva às facções, segundo Bottini, é necessário “organizar o sistema de inteligência policial, exigir das unidades da Federação o compartilhamento de informações sobre segurança pública, interligar as agências governamentais para facilitar a detecção dos produtos do crime e dos recursos das organizações, no Brasil e no exterior, e fortalecer o Coaf”. Ele menciona também a necessidade de “ações sobre o sistema prisional. (...) É preciso executar um plano nacional que integre políticas de educação e trabalho com estratégias de reduzir o espaço do crime organizado nas prisões”. Por último, “é importante gerir melhor as polícias. Parte considerável do efetivo não está nas ruas, mas em gabinetes, prestando serviços a parlamentares, juízes, agentes públicos, em funções distantes daquelas esperadas de agentes policiais”.

Pode-se discordar de algum elemento, mas na proposta há uma ideia clara sobre o que precisa ser feito, para que o País de fato avance na segurança pública – o que é muito diferente do que simplesmente transferir o assunto para o Congresso por meio de uma PEC.

Surge, então, a pergunta: o atual governo federal tem a ambição de promover, no campo da segurança pública – e em tantos outros campos: na educação, na saúde, na cidadania –, um antes e um depois do seu mandato? Tem a ambição de aproveitar as melhores ideias? Ou o seu empenho é, no limite, para que a área não prejudique a popularidade?

É preciso, no entanto, reconhecer. Esse problema não está restrito ao governo federal, tampouco ao setor público. Falta também a muitos governos estaduais, a muitas administrações municipais, a muitas empresas e instituições a ambição de transformar, a ambição de fazer de fato a diferença. É preciso – é urgente – resgatar a capacidade de sonhar. O sonho grande não pode ser – quer maior sintoma de visão pequena? – simplesmente manter-se no poder.

 

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