quarta-feira, 26 de março de 2025

Contradição insanável - Bernardo Mello Franco

O Globo

No dia em que o Supremo começou a julgar a denúncia contra Jair Bolsonaro e seus generais de estimação, os ministros da Corte formaram maioria para condenar e cassar o mandato de Carla Zambelli. A deputada escapou de ser processada pela tentativa de golpe. Deve ser responsabilizada por outros crimes: porte ilegal de arma e constrangimento ilegal.

O episódio ocorreu na véspera do segundo turno da eleição de 2022. Após se envolver em bate-boca na rua, Zambelli sacou um revólver e saiu correndo atrás de um eleitor do PT. Só parou dentro de uma lanchonete, onde ordenou que o homem deitasse no chão sob a mira da arma. A cena de faroeste expôs a insanidade da política armamentista patrocinada pelo capitão.

Zambelli era uma das estrelas da tropa bolsonarista. Desde que chegou ao Congresso, na onda reacionária de 2018, notabilizou-se por ameaçar adversários, divulgar informações falsas e incitar ataques ao sistema eleitoral. Na pandemia, a deputada inventou que o governo do Ceará estaria enterrando caixões vazios para inflar o número de mortos pela Covid-19. Em outro episódio, disse ter se curado do coronavírus graças à cloroquina. Era lorota. O hospital esclareceu que ela estava internada para tratar outra doença.

A mitomania de Zambelli também marca o caso da perseguição nos Jardins. Os vídeos e os depoimentos de testemunhas indicam que ela tentou enganar a polícia ao menos duas vezes: ao dizer que foi empurrada e ao afirmar que a vítima também sacou um revólver. De acordo com as investigações, a deputada tropeçou no meio-fio e o simpatizante do PT estava desarmado.

O julgamento foi paralisado por pedido de vista do ministro Nunes Marques, nomeado por Bolsonaro. O capitão não teve a mesma benevolência. Em entrevista na segunda-feira, culpou a antiga aliada por sua derrota nas urnas.

O caso pode parecer menor diante da ficha corrida de Zambelli, mas mostra como a extrema direita naturalizou a intimidação e a violência como práticas políticas. Ao votar pela condenação, o ministro Flávio Dino anotou: “É uma contradição insanável que um representante político ameace gravemente um representado, como se estivesse acima do cidadão ao ponto de sujeitá-lo com uma arma de fogo”.

 

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