Correio Braziliense
As nações que enfrentaram
anos de chumbo devem usar a democracia como farol para iluminar a verdade e
assegurar a reparação a familiares e vítimas das masmorras
Olhar para o passado para que ele não se repita no presente. É dever sagrado de toda a nação preservar o Estado de Direito como joia rara. Aquelas que enfrentaram anos de chumbo devem usar a democracia como farol para iluminar a verdade e assegurar a reparação a familiares e vítimas das masmorras. Acertar as contas com a história é essencial para garantir que o horror não se repita. Também para que os mortos pelo regime militar descansem em paz. Na segunda-feira, entrevistei dois sobreviventes da ditadura argentina e um homem que tinha apenas dois anos quando testemunhou o assassinato dos pais. Depois de quase meio século, tudo o que pedem é justiça. É exatamente isso o que nós, brasileiros, devemos cobrar das nossas autoridades.
Chega a ser vergonhoso que o
Brasil não tenha avançado na busca pela verdade e na reparação às vítimas.
Mais: que cidadãos não se importem em defender o retorno da ditadura militar ao
país. Tal comportamento demonstra distopia em relação aos fatos da história ou
mesmo ignorância. Em 2023, estivemos à beira de novo golpe militar, 59 anos
depois. Não fosse a sobriedade do comandante do Exército e o compromisso com as
instituições do Estado, estaríamos todos amordaçados e sob o risco de
desaparecimento forçado.
Discutir anistia aqui, na
Argentina, no Chile ou no Uruguai equivale a lançar a história na lata de lixo
e cuspir sobre os caixões das vítimas. Uma coisa é perdoar um pai de familia
que rouba um litro de leite ou uma bolacha para dar ao filho. Outra coisa é
anistiar os filhos de uma nação que conspiram contra sua mãe.
Não se trata de vingança,
mas de justiça. A punição deve ser proporcional ao crime. O Brasil e os países
que fizeram parte da Operação Condor — que lançou presos políticos no Oceano
Atlântico — precisam avançar nos tribunais. Alguns deles, como a Argentina e o
Uruguai, fizeram avanços ao levar ao banco dos réus e condenar agentes da
ditadura. Outros, como o Brasil, chegaram a instalar comissões da verdade, mas
permaneceram estagnados. O desleixo e a cegueira histórica abrem espaço para
ameaças à democracia.
É preciso punir os que
cometeram barbáries durante o regime militar — os poucos ainda vivos — e
aqueles que tentaram violentar o Estado de Direito. Punição não apenas aos
donos dos coturnos que brutalizaram seres humanos, mas também aos mandantes da
tentativa de golpe e aos que, seduzidos por um discurso distorcido, lançaram-se
em uma "aventura" antidemocrática.
Negar a anistia é ter
coerência. Quem viola os direitos humanos, comete crimes de lesa-humanidade ou
atenta contra o Estado de Direito tem que prestar contas com a Justiça. Seis
décadas depois de 1964, cabe a nós escutar os gritos de dor vindos do pau-de-arara
e confrontar os fantasmas que assombram o passado da nossa nação.
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