quarta-feira, 26 de março de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

AGU faz bem em disciplinar ação da primeira-dama

O Globo

É evidente que Janja tem exercido função pública no governo, ainda que não tenha cargo formal

É oportuna a iniciativa da Advocacia-Geral da União (AGU) de impor limites à atuação do cônjuge do presidente da República nas situações em que representa simbolicamente o chefe de Estado em eventos nacionais ou internacionais. O parecer, inédito, é elaborado a pedido do próprio Palácio do Planalto, em meio a contestações à atuação da primeira-dama, Janja da Silva. As críticas se multiplicam nas redes sociais e impõem desgaste ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Elas vêm sobretudo da oposição, mas encontram eco também dentro do próprio governo e em aliados. Têm sido frequentes os relatos de gafes, falta de transparência, quebra de protocolo e interferência em assuntos do governo.

O objetivo da medida, diz a AGU, é relacionar direitos e deveres de natureza pública em relação à atuação do cônjuge, além de estabelecer o apoio logístico e financeiro necessário, como diárias, hospedagem, transporte ou comitiva. O documento deverá abordar ainda a questão da transparência, não só em relação à agenda, mas também ao uso de recursos. No entender da AGU, por se tratar de interesse público, cabe ao Estado arcar com as despesas — opinião longe de ser consensual.

A fixação de normas é importante porque a Constituição é omissa a respeito. O texto não terá o peso de uma decisão judicial ou portaria, mas servirá de referência à administração pública federal. Será um passo importante diante do vácuo de normas que abre espaço a críticas e interpretações de acordo com simpatias políticas e pessoais.

A iniciativa não surgiu exatamente da preocupação do Planalto com transparência ou gastos, mas da intenção de blindar Janja de ações na Justiça e da constatação de que sua atuação controversa tem contribuído para minar a popularidade de Lula, já desgastada por inflação, violência e outros problemas. De acordo com levantamento AtlasIntel/Bloomberg, 58% dos brasileiros têm imagem negativa dela (em outubro eram 40%). Em pesquisa PoderData, metade dos 83% que declararam conhecer a primeira-dama desaprovam sua participação no governo (apenas 29% aprovam).

A socióloga Janja exibe estilo próprio e, desde o início do terceiro mandato de Lula, assumiu protagonismo em decisões do governo. Tem exercido seu papel de forma pouco protocolar e pouco transparente. Em dois anos e três meses, coleciona um sem-número de gafes. Em evento paralelo ao G20, soltou um palavrão para se referir ao empresário Elon Musk. Debochou da morte de um homem-bomba em frente ao Supremo Tribunal Federal e gerou constrangimento no evento oficial ao ser a única primeira-dama a ficar na mesa dos líderes globais, diante das câmeras. Em visita à galeria de ex-presidentes da República, causou mal-estar ao dizer que vários não mereciam estar ali. A lista é longa.

É pouco provável que as gafes cessem a partir da iniciativa da AGU. Mas sem dúvida é preciso estabelecer limites. Pedidos de informação sobre a agenda de Janja ou despesas em suas viagens têm sido negados pelo governo, quase sempre sob alegação de que ela não ocupa cargo público oficial, por isso não é obrigada a divulgar suas atividades. Ora, desde o início do mandato de Lula, é evidente que Janja tem exercido função pública, mesmo sem cargo formal. A sociedade tem o direito de saber, o governo tem o dever de informar. Se o protocolo da AGU ao menos trouxer mais transparência, já terá sido útil.

Ata do Copom confirma preocupação sensata com pressão inflacionária

O Globo

Gestão da política de juros continua amparada na técnica e em justificativas razoáveis

A ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central, divulgada ontem, confirma que a atual composição do colegiado se mantém atenta aos riscos inflacionários. Com a maioria dos integrantes indicados pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva, inclusive o presidente Gabriel Galípolo, chegou a haver receio de que a instituição pudesse ficar suscetível à influência política, apesar de sua autonomia estar garantida em lei. Felizmente, tal temor tem sido desmentido pelos fatos.

Na semana passada, o Copom elevou a Selic, a taxa básica de juros, para 14,25%, patamar mais alto desde outubro de 2016. Na ata, os diretores do BC confirmam que preveem novo aumento em maio — inferior ao 1 ponto percentual da última reunião — e não fecham a porta a novas altas. A “magnitude total” do ciclo de aperto monetário, afirmam, dependerá da dinâmica da inflação. É a atitude tecnicamente correta. O compromisso com o controle de preços, determinado em lei como mandato do BC, parece cristalino e inalterado.

Embora indesejável, a alta dos juros e a manutenção em patamar elevado se fazem necessárias. As expectativas de inflação estão longe da meta perseguida pelo BC (3%) e da faixa máxima superior (4,5%). As instituições financeiras preveem alta de preços de 5,65% ao longo de 2025. A estimativa para 2026 está em 4,5%, mas tem subido. Com projeções assim, a atividade econômica ainda mostrando vigor e pressionando os preços e o mercado de trabalho aquecido, não há como escapar da política contracionista.

Nas palavras dos próprios diretores do BC, a inflação acumulada em 12 meses deverá permanecer acima do teto por seis meses consecutivos, inviabilizando o cumprimento da meta de 2025. Isso deverá acontecer porque a inflação de serviços segue alta, e o câmbio tem pressionado os preços de produtos industrializados no atacado. Para completar, os preços de alimentos continuam elevados e “tendem a se propagar para outros preços no médio prazo”, segundo a ata. Todas essas questões ficam claras nos dados coletados e analisados pelo BC e justificam, do ponto de vista técnico, suas decisões até agora.

Há ainda o imponderável. Com Donald Trump na Casa Branca, as incertezas ganharam outra proporção. É difícil prever o impacto da guerra comercial deflagrada pelo governo americano, mas é esperada alta nos preços cotados em dólar. Muitas dúvidas pairam sobre as consequências da política de combate à imigração ilegal no mercado de trabalho e na inflação dos salários. O próprio Fed, banco central americano, tem falado em incertezas maiores. O tamanho do corte nos gastos do governo e de eventuais estímulos fiscais poderá ter efeitos para além das fronteiras dos Estados Unidos. A resposta de outras grandes economias, como a chinesa ou a europeia, também tem o poder de transformar o panorama financeiro global. Em situação tão desafiadora, faz bem o BC em conduzir a política monetária sem sobressaltos, sempre amparado em dados tecnicamente sólidos e justificativas razoáveis.

Copom indica que ciclo de aperto não está perto do fim

Valor Econômico

O BC continua sozinho na luta contra a inflação. Em modo eleitoral, o Planalto pretende manter o crescimento de toda amaneira, o que aumentará a inflação e os custos de combatê-la

A ata do Comitê de Política Monetária (Copom) revelou claramente que o ciclo de aperto monetário não tem data para acabar, dadas as evidências de desancoragem adicional da inflação e de expectativas inflacionárias crescentes em todos os prazos. Há “sinais incipientes de desaceleração”, como seria de se esperar diante de taxas de juros muito altas, mas há muito mais dúvidas do que certezas se esses sinais sinalizam de fato uma tendência. A indicação de uma nova elevação de juros, de menor magnitude, no contexto da reunião, pode significar um número ainda forte, e não o ponto médio de 0,5 para o qual se inclinam os investidores.

Na primeira reunião em que Gabriel Galípolo decidiu com a equipe majoritariamente escolhida pelo novo governo, a ata é perfeitamente ortodoxa, sem qualquer fresta possível para uma acomodação de curto prazo da política monetária. Diante do descolamento largo entre a inflação corrente e a meta, é bom que seja assim.

A ata de março é uma continuação da de janeiro, com perspectivas pioradas. A indicação de alguma desaceleração econômica consta em ambas, com a diferença de que os indícios tênues de antes ganharam reforço considerável com a divulgação do PIB do quarto trimestre de 2024, que evoluiu apenas 0,2%. No entanto, esse resultado não é suficiente para definir o futuro a curto prazo da economia. Os motivos relacionados pelo Copom para isso são contundentes. As conclusões a extrair são necessariamente condicionais e cautelosas, tanto em relação ao passado, “sujeito a revisões e sazonalidades”, quanto ao presente, “com dados mistos contemporâneos que não são uníssonos em uma direção”, e ao futuro, no qual se prevê “forte crescimento agrícola no primeiro trimestre com possíveis desdobramentos para outros setores”.

Além disso, indicadores de confiança e de crédito merecem igual avaliação cautelosa, pois estão apontando um refluxo da economia maior do que o até agora observado nos dados. Mesmo em relação à perda de fôlego do mercado de trabalho, os números são voláteis e há certeza de que o desemprego é baixo e os rendimentos do trabalho são elevados. É o mercado de trabalho dinâmico e a economia crescendo acima do potencial que fizeram com que o mercado de crédito se mantivesse “pujante” nos últimos trimestres. O crédito, porém, mostra “alguma inflexão”, decorrente da elevação forte dos juros, menor apetite ao risco e redução no ritmo de concessão.

O BC não deixou de anotar a dissonância de sua política de aperto monetário e outras políticas que buscam objetivo contrário. Parece endereçado o novo parágrafo que diz respeito à “política econômica”. “O aspecto mais ressaltado foi a relevância da manutenção de canais de política monetária desobstruídos e sem elementos mitigadores para sua ação”. Para isso, é relevante que o “volume de empréstimos reaja às condições financeiras e às expectativas, à medida que avaliações sobre o futuro impactam o consumo e o investimento correntes”. O lançamento de programas de crédito consignado privado e permissão dos saques FGTS seguramente estimulam os empréstimos e o consumo, na direção oposta à almejada pelo BC, embora isso não esteja escrito diretamente.

O ambiente de curto prazo da inflação é adverso. A inflação de serviços, a mais resistente, acelerou recentemente e se mantém em nível incompatível com o atingimento da meta. Os preços dos bens industriais ainda sentem impacto da megadesvalorização cambial, presente no atacado e que deverá ser repassado ao varejo ainda. Os preços dos alimentos continuam altos, e os mecanismos inerciais ainda existentes na economia tendem a propagá-los aos demais preços, segundo o Copom.

É curioso que o BC não conte com fatores atenuantes de seu cenário, como o da supersafra, para conter possíveis altas dos preços dos alimentos. Muito menos registrou qualquer efeito positivo sobre a inflação do recuo significativo do dólar, perto de 8% no ano. O cenário de referência do BC considerou o dólar a R$ 5,80, ante R$ 6 na estimativa de janeiro, e, mesmo assim, o prognóstico para o IPCA recuou quase nada, de 5,2% para 5,1% em 2025 e de 4% para 3,9% no segundo trimestre de 2026, horizonte relevante da política monetária.

A conclusão é que o balanço de riscos pende para uma inflação mais alta, o que, junto com expectativas desancoradas em prazos mais longos, “exige uma restrição monetária maior e por mais tempo do que outrora seria apropriado”. Por isso, explica a ata, o Copom deu três sinalizações sobre seus próximos passos. Como o cenário é adverso, era importante “indicar que o ciclo não está encerrado” e, dada a defasagem dos efeitos da política monetária, apontou que o juro subirá em menor ritmo do que a cadência acelerada de 1 ponto percentual das três últimas reuniões. As enormes incertezas, especialmente vindas do cenário externo, não permitiram apontar o próximo movimento.

O BC continua sozinho na luta contra a inflação. Em modo eleitoral, o Planalto pretende manter o crescimento de toda a maneira, o que aumentará a inflação e os custos de combatê-la.

Norma para ações policiais exige sensatez do Rio e do STF

Folha de S. Paulo

Governo deveria entender que medidas são em grande parte regras civilizatórias; corte precisa zelar por comedimento

O Supremo Tribunal Federal deve retomar nesta quarta (26) o julgamento da arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) que trata de operações policiais em comunidades do Rio, que se converteu em imbróglio político.

A ação, movida pelo PSB em 2019, tem apoio de pesquisadores e ONGs que atuam nesses territórios, mas enfrenta resistência do governador Cláudio Castro (PL).

Em 2020, durante a pandemia, o relator do caso, ministro Edson Fachin, ordenou por meio de liminar que a polícia fluminense só realizasse operações em comunidades "em hipóteses absolutamente excepcionais".

Note-se que o Supremo, ao contrário do que alegam autoridades do estado, não proibiu as grandes ações das forças de segurança, apenas estabeleceu critérios.

Tanto que, durante a vigência da liminar, a quantidade de operações subiu —apesar da queda inicial, acompanhada por redução da letalidade policial.

No primeiro mês após a medida, o número de operações caiu 78% ante o mês anterior, e o de mortos em incursões das forças, 72,5%, enquanto as taxas de crimes contra a vida e o patrimônio também diminuíram no mesmo período, segundo estudo da Universidade Federal Fluminense.

Mas tal efeito durou pouco. Relatório do Instituto Fogo Cruzado mostrou que, de 2020 para 2021, as mortes em chacinas aumentaram 50%, de 170 para 255. Ademais, ocorreram operações com alta letalidade em Jacarezinho (2021), na Vila Cruzeiro (2022) e no Complexo do Alemão (2022).

Mesmo assim, no período de 2019 a 2024, a letalidade policial caiu 61,5% no Rio de Janeiro, de 1.814 para 699 casos.

O debate em torno da ADPF exige bom senso tanto das autoridades estaduais como do STF.

O governo fluminense deveria considerar que grande parte do que está em exame são regras civilizatórias básicas que deveriam reger qualquer atuação policial complexa, como a a presença de equipes de saúde e o respeito à lei no caso de busca domiciliar, bem como limites ao uso de helicóptero como plataforma de tiro em regiões populosas.

Já o Supremo deve zelar pela contenção —cuidado que tem sido deixado de lado em não poucas decisões nos últimos anos.

Não cabe à corte constitucional formular a política de segurança pública que governadores eleitos vão implementar. Assim, é necessário que module seu entendimento para que as instituições regionais exerçam suas funções.

Mas há um espaço em que o STF pode exigir que autoridades sigam preceitos fundamentais expressos na Constituição, como promover segurança pública e combater a criminalidade sem estímulo ao abuso de força policial —que resulta em violações dos direitos humanos e de garantias do Estado de Direito.

Cabe aos estados incentivar a atuação técnica das polícias, com treinamento de agentes, mais inteligência investigativa e fortalecimento de órgãos de controle.

Do chuchu ao barril de petróleo

Folha de S. Paulo

Alckmin defende que preços de alimentos não entrem no cálculo dos juros, mas BC adverte que eles impactam outros setores

Num episódio quase folclórico dos tempos de inflação exorbitante e de ditadura militar, em 1977 o então ministro da Fazenda, Mário Henrique Simonsen, culpou o chuchu, à frente dos produtos hortifrutigranjeiros, pela alta geral de preços de 4% no mês de março. A queixa levou a mudanças no IGP da Fundação Getulio Vargas, o principal índice da época.

A busca por vilões da inflação é recorrente no debate nacional, mesmo nesta era de taxas bem mais civilizadas. O vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin (PSB), defendeu na segunda-feira (24) que o Banco Central desconsidere os preços de alimentos e energia ao definir sua taxa de juros.

"Não adianta eu aumentar os juros, porque não vai fazer chover", argumentou Alckmin —curiosamente já apelidado, em razão de suas posições moderadas, com o nome do vegetal outrora atacado por Simonsen. De modo similar, acrescentou, a política monetária não fará aumentar a oferta global de petróleo.

O que há de mais razoável nas declarações de 1977 e de agora é que alimentos e alguns outros produtos de fato têm preços muito voláteis, com variações bruscas devido a fatores imponderáveis, do clima até a geopolítica.

Não por acaso, economistas, incluindo os do BC, incorporam a suas análises medidas que excluem bens e setores capazes de distorcer os índices —são os chamados núcleos da inflação. O BC também tem evitado subir juros em resposta direta a choques de oferta, tanto que os tetos fixados para o IPCA foram descumpridos em 3 dos últimos 4 anos.

Daí a desconsiderar os produtos de preços voláteis, porém, vai grande distância. Só os alimentos representam cerca de 20% do custo de vida das famílias, enquanto energia elétrica e combustíveis têm grande peso nos gastos com habitação e transportes.

Diante do encarecimento de tais artigos, assalariados buscarão reajustes, prestadores de serviços cobrarão mais por seu trabalho e empresas repassarão os custos a seus produtos. "Os preços de alimentos mantêm-se elevados e tendem a se propagar para outros preços no médio prazo", diz a ata da reunião do BC que elevou os juros a 14,25% anuais, divulgada nesta terça-feira (25).

Será missão da política monetária sustar o crédito e o consumo para reduzir a intensidade dessa propagação —e evitar que ela desencadeie novas altas de preços em espiral. A tarefa é amarga, mas o BC e um governo preocupado com o poder aquisitivo da população não podem ignorá-la.

São Paulo insegura

O Estado de S. Paulo

O medo dos paulistanos mora no hiato entre estatísticas, percepção de violência e tipos de crime que se espalham uniformemente pela cidade – o roubo à mão armada e o latrocínio

Há um aparente contrassenso na segurança pública de São Paulo: enquanto a população paulistana coloca a insegurança e a violência como um dos maiores, se não o maior, problemas da capital, indicadores exibem melhora, o que, em tese, desabonaria essa percepção popular. Só em tese. Tanto a capital quanto o Estado em geral parecem hoje mais seguros, se observadas algumas tendências como as quedas nos números de homicídios e de roubos e furtos. Os paulistanos, no entanto, precisam lidar com o crescimento no número de latrocínios (roubos seguidos de morte), roubo à mão armada, estupro e feminicídio – além do assustador aumento da letalidade policial. Em entrevista a este jornal, a socióloga Samira Bueno, diretora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, sintetizou esse aparente paradoxo, a ponto de dizer que, apesar do hiato entre as estatísticas e o sentimento da população, a percepção de insegurança não é desproporcional: “A população tem toda razão de estar amedrontada”.

E como. Enquanto homicídios ocorrem em áreas mais restritas, concentrando-se em regiões periféricas da cidade, crimes como roubo à mão armada e latrocínio se espalham por toda a capital. Em outras palavras, como explicou a socióloga, a redução de homicídios não necessariamente gera sensação de segurança mais generalizada porque a maioria da população não se sente exposta a esse tipo de violência. O mesmo não se pode dizer do roubo e do latrocínio. Como disse ao vodcast Dois Pontos, do Estadão, o coronel reformado José Vicente da Silva Filho, para cada homicídio – decerto o crime mais grave – há entre 150 e 200 roubos registrados nas capitais. Sua extensão e variedade, inclusive com uso de arma de fogo que transforma o roubo em latrocínio, é o que explica em grande medida a sensação de medo na população.

O resultado está nos números e no sentimento popular: no ano passado, houve aumento de 23% dos latrocínios. É um tipo de crime que, para se consumar, há violência extrema, como o caso do ciclista Vitor Medrado, que em fevereiro foi assassinado no Itaim Bibi, ou do jovem Vitor Rocha e Silva, morto em janeiro após assalto em Pinheiros. Arrastões e casos de agressões e mortes provocadas por policiais integram o arsenal motivador da insegurança. Em janeiro, pesquisa da organização Rede Nossa São Paulo mostrou que 74% da população aponta a segurança como o maior problema da cidade, à frente da saúde (36% das menções), transporte coletivo (15%) e habitação e educação (12%). Um resultado que confirma outra sondagem, de setembro, realizada pelo Datafolha, que apontou a violência como o problema mais grave da cidade, voltando a encabeçar a lista após 11 anos de pesquisas similares do instituto.

Especialistas são unânimes ao reconhecer que modalidades criminosas vão e voltam como ondas, mas não há dúvida de que o celular como alvo preferencial de ladrões veio para ficar. É pequeno, fácil de portar e pode ser facilmente vendido para um mercado que compra produtos de origem criminosa, além de oferecer a bandidos a possibilidade de acessar dados pessoais, entrar em aplicativos de bancos e realizar compras com cartões cadastrados – informações que ainda servem para aplicar golpes de estelionato (que, não à toa, cresceram 260% no Brasil entre 2018 e 2023, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública).

Estudos do governo americano já mostraram que o medo da violência pode ser pior do que a própria violência, pois atinge uma população muito maior do que as vítimas de crimes. Segundo a mesma lógica, a exposição de casos violentos amplifica a percepção de insegurança. Um crime cometido em um lugar cria medo em outro. A Secretaria da Segurança Pública de São Paulo tem afirmado que o policiamento preventivo e ostensivo está sendo reorientado, com base na análise dos indicadores criminais. É uma medida acertada, mas convém lembrar que, na atual gestão, a população viu o enfraquecimento de políticas que, em gestões anteriores, garantiram a profissionalização da Polícia Militar e, simultaneamente, a notável melhora nos indicadores. Hoje, como disse a especialista, a população tem toda razão de estar amedrontada – e o medo, como se sabe, é péssimo conselheiro de políticas de segurança.

A ética da companheirada

O Estado de S. Paulo

Uma investigação sobre indicados do governo em empresas nas quais o Estado tem participação expõe o ‘modus operandi’ petista: triturar a boa governança para fabricar sinecuras

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) abriu processo administrativo para apurar possíveis irregularidades na nomeação de três ministros de Lula da Silva para cargos em conselho de uma empresa privada. Isso porque os titulares dos Ministérios da Previdência, Carlos Lupi, e da Igualdade Racial, Anielle Franco, e da Controladoria-Geral da União, Vinicius Marques de Carvalho, assumiram, por indicação do BNDES, postos no Conselho de Administração da Tupy, uma metalúrgica multinacional, sem a prévia autorização da Comissão de Ética Pública, como exige a Lei de Conflito de Interesses.

Lula e seus correligionários vendem a si mesmos como campeões da ética e defensores do Estado, mas há muito a maioria dos brasileiros não compra essa fantasia por seu valor de face e sabe o que se esconde sob a retórica virtuosa do “desenvolvimentismo”: o desenvolvimento dos interesses do PT.

A captura dos interesses públicos a serviço de ambições privadas é bem evidente no aparelhamento da máquina pública. Muito antes do PT, é verdade, ela já fora moldada pelas elites políticas para saciar apetites patrimonialistas. Só no governo federal são quase 30 mil cargos e funções preenchidos por nomeação. Mas o lulopetismo atingiu o estado da arte da contaminação político-partidária da máquina estatal.

Por onde quer que passe, o PT manobra para inchar e abastardar o Estado, preenchendo-o com companheiros e submetendo-o aos seus desígnios. Não é nenhum paradoxo incompreensível, mas uma mera consequência lógica desse modus operandi, que o PT, tão obcecado por regulações estatais sobre o mercado, tenha horror justamente a regulamentos que impõem ao próprio Estado parâmetros de boa governança, como a Lei das Estatais ou das Agências Reguladoras.

Quando o PT aparelha empresas privadas nas quais o Estado tem participação, imagina-se que o objetivo seja tentar submeter essas empresas ao projeto político do lulopetismo. No entanto, considerando o total despreparo técnico dos indicados, conclui-se que o propósito real é mais trivial: recompensar a companheirada com cargos e salários generosos.

O BNDES, por exemplo, tem asseguradas cerca de 30 indicações em conselhos administrativos de mais de 20 empresas nas quais tem participação. Se o objetivo do governo fosse submeter a gestão dessas empresas a fins políticos, nomearia ao menos gente que é do ramo. Não foi o caso quando indicou, por exemplo, o então ministro de Direitos Humanos, Silvio Almeida, para o conselho de uma empresa de gás e eletricidade ou a então ministra da Saúde, Nísia Trindade, para o de uma empresa de transformação digital.

No caso da Tupy, até agosto de 2023 o BNDES era representado por dois conselheiros de seus próprios quadros com experiência em energia e gestão empresarial, o que era condizente com a política de indicações do banco, que visa a “estimular a adoção de melhores práticas de gestão, governança e sustentabilidade pelas companhias investidas e, assim, promover a geração de valor para tais empresas”. Mas o governo entendeu que seria muito mais condizente substituí-los por Carlos Lupi e Anielle Franco.

A indicação de Lupi, licenciado da presidência do PDT, violou a própria política interna do banco de não nomear dirigentes partidários. Se entregar o comando de um ministério a Anielle – cuja credencial mais vistosa até então era ser irmã de Marielle Franco – já era questionável, que dirá sua nomeação ao conselho de uma multinacional de ferro fundido?

Se os indicados do governo “geraram valor” ou não para a Tupy, cabe aos acionistas dizer – na época das indicações, as ações chegaram a cair 3% –, mas é certo que a Tupy gerou valor real para os indicados: mais de R$ 40 mil por mês, em média, um polpudo complemento de renda ao seu salário de R$ 44 mil.

Essa lógica se aplica a toda a máquina petista de fabricar cabides e sinecuras. Para os seus apaniguados, ela gera muitos dividendos. Do ponto de vista do País, a única coisa que gera é o descrédito em suas instituições e a desconfiança dos investidores.

Para que não restem dúvidas

O Estado de S. Paulo

Ata do Copom frisa que ciclo de alta de juros não acabou e tem visão distinta da do governo

O ciclo de alta de juros para conter a inflação não se encerrou. Foi essa a mensagem central da ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC). Decerto para dirimir quaisquer dúvidas que ainda pairassem sobre a decisão, que elevou em 1 ponto porcentual a Selic, para 14,25% ao ano, o comitê listou os três motivos que justificam a manutenção do rigor da política monetária: a dinâmica da inflação, que considera adversa; a defasagem dos efeitos dos juros altos; e a elevada incerteza do cenário econômico, tanto externo quanto doméstico.

Com isso, a direção do BC ao mesmo tempo invalida avaliações que apontavam para o fim próximo do ciclo de aumento de juros e mostra ter visão distinta da do governo sobre o comportamento da inflação. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, mesmo contemporizando sobre o último aumento da Selic – usando a mesma imagem adotada pelo presidente Lula da Silva de que é impossível “dar um cavalo de pau” nos juros –, tem insistido na previsão de que a inflação vai surpreender e cair, dando margem à queda dos juros ainda em 2025.

Não é essa a perspectiva do BC, que vê na indefinição sobre a inflação um “fator de desconforto comum a todos os membros do Copom”, mostrando que a unanimidade do colegiado não está restrita à calibragem da alta dos juros, mas se estende aos fatores que levam à decisão. Vale ressaltar que no cenário interno foi dado destaque ao esmorecimento do esforço para reformas estruturais e em prol da disciplina fiscal, o aumento do crédito direcionado e as incertezas sobre a estabilização da dívida pública.

Ou seja, está mais do que comprovado que Planalto e Banco Central seguem caminhos distintos. Lula da Silva vê no crédito a salvação da economia; o BC vê com preocupação o mercado de crédito “pujante dos últimos trimestres”; Haddad vê possibilidade de recuo do câmbio, com consequente melhora dos preços internos; o BC avalia que parte da deterioração com as incertezas nos Estados Unidos começa a se materializar e que preços industrializados seguem pressionados pelo câmbio, preços dos serviços continuam acima do nível para o cumprimento da meta de inflação e, no setor de alimentos, os preços elevados tendem a se propagar para outros preços a médio prazo.

Todos os sinais são de que a tal “necessidade de políticas fiscal e monetária harmoniosas”, como preconiza o Copom, é um objetivo bastante difícil. O governo comemora a enorme procura pela nova modalidade de empréstimo consignado privado que criou. Já o BC observa como positiva a inflexão do crédito bancário, diante do menor apetite ao risco pelos bancos e o elevado comprometimento da renda das famílias com o pagamento de dívidas.

Para a autoridade monetária, o arrefecimento da demanda é elemento essencial do processo de reequilíbrio entre oferta e demanda da economia e convergência da inflação à meta. O BC ainda vê como incipiente a moderação da atividade econômica. Já o ministro Haddad, com certo exagero, diz que não precisa de recessão para baixar a inflação. É uma Babel econômica.

Supremo acerta ao rejeitar o "juridiquês"

Correio Braziliense

A escolha do STF por um vocabulário mais próximo da realidade, sem os termos jurídicos pouco inteligíveis à sociedade, vem em boa hora, sobretudo em um período de pouca confiabilidade nas instituições

Quem dedicou essa terça-feira à transmissão da TV Justiça, que teve suas imagens compartilhadas em diferentes sites, perfis e canais por assinatura, da primeira fase do julgamento da denúncia contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e outras sete pessoas pode ter terminado o dia ansioso pelos votos dos ministros, que só devem acontecer hoje em Brasília. 

Mais do que inquieto, o cidadão pode também ter se cansado com as longas argumentações da Procuradoria-Geral da República (PGR) e das defesas dos oito acusados. Na primeira fase da agenda, a PGR, por meio do chefe do Ministério Público, Paulo Gonet, reapresentou com detalhes a denúncia oferecida contra os possíveis réus pela articulação dos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023. Documentos que já foram amplamente divulgados e debatidos na imprensa.

Na sequência, foi a vez dos advogados de cada um dos acusados apresentarem os motivos pelos quais seus clientes não devem ser processados. Faz parte do rito judiciário. Cada um tem um tempo pré-determinado para apresentar seu ponto de vista sobre o fato em questão, e o uso como bem pretender.

Na parte que coube aos ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), destaque especial para a didática de Alexandre de Moraes. Ao contrário do que se espera de um julgamento como esse, o relator do caso adotou uma linguagem mais próxima do cidadão, usando gráficos, dados sobre as condenações assinadas por ele no âmbito do 8 de Janeiro e, até mesmo, expressões mais populares, longe do tão reclamado "juridiquês". 

"Há uma narrativa, assim como se a Terra fosse plana, de que o Supremo estaria condenando 'velhinhas com a Bíblia na mão' que estariam passeando num domingo ensolarado (...) Nada mais mentiroso do que isso", disse Moraes ao introduzir sua argumentação em defesa do trabalho feito pela Corte para punir os participantes dos atos de 8 de Janeiro. A linguagem direta e simples é uma bola dentro do ministro, sobretudo em um julgamento de ampla repercussão popular. 

Postura semelhante adotou o ministro Flávio Dino — esse já conhecido pela habilidade discursiva — ao dizer que a Corte não terá seu trabalho comprometido por "milícias digitais, sejam as nacionais, sejam strangeiras, porque o Brasil é um país soberano". O recado tem destinatário claro: o bilionário Elon Musk, dono do X (antigo Twitter) e integrante do governo de Donald Trump, que trava uma longa batalha discursiva e judicial com o STF.

A escolha do Supremo por um vocabulário mais próximo da realidade, sem os termos jurídicos pouco inteligíveis à sociedade, vem em boa hora, sobretudo em se tratando de um processo polêmico — com críticas, inclusive, à forma como tem sido conduzido — e de um período de pouca confiabilidade nas instituições — incluindo as que fazem parte do Judiciário.

Cidadãos capturados pelas "milícias digitais" citadas por Dino e descrentes da seriedade esperada de agentes públicos tendem ao extremismo que tanto ataca a nossa democracia. Espera-se, portanto, que o abandono do "juridiquês" se expanda para além de casos de ampla repercussão. Comunicar é algo ainda mais fundamental em tempos de fake news e de ameaças às liberdades.

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