AGU faz bem em disciplinar ação da primeira-dama
O Globo
É evidente que Janja tem exercido função
pública no governo, ainda que não tenha cargo formal
É oportuna a iniciativa da Advocacia-Geral da União (AGU) de impor limites à atuação do cônjuge do presidente da República nas situações em que representa simbolicamente o chefe de Estado em eventos nacionais ou internacionais. O parecer, inédito, é elaborado a pedido do próprio Palácio do Planalto, em meio a contestações à atuação da primeira-dama, Janja da Silva. As críticas se multiplicam nas redes sociais e impõem desgaste ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Elas vêm sobretudo da oposição, mas encontram eco também dentro do próprio governo e em aliados. Têm sido frequentes os relatos de gafes, falta de transparência, quebra de protocolo e interferência em assuntos do governo.
O objetivo da medida, diz a AGU, é relacionar
direitos e deveres de natureza pública em relação à atuação do cônjuge, além de
estabelecer o apoio logístico e financeiro necessário, como diárias,
hospedagem, transporte ou comitiva. O documento deverá abordar ainda a questão
da transparência, não só em relação à agenda, mas também ao uso de recursos. No
entender da AGU, por se tratar de interesse público, cabe ao Estado arcar com
as despesas — opinião longe de ser consensual.
A fixação de normas é importante porque a
Constituição é omissa a respeito. O texto não terá o peso de uma decisão
judicial ou portaria, mas servirá de referência à administração pública
federal. Será um passo importante diante do vácuo de normas que abre espaço a
críticas e interpretações de acordo com simpatias políticas e pessoais.
A iniciativa não surgiu exatamente da
preocupação do Planalto com transparência ou gastos, mas da intenção de blindar
Janja de ações na Justiça e da constatação de que sua atuação controversa tem
contribuído para minar a popularidade de Lula, já desgastada por inflação,
violência e outros problemas. De acordo com levantamento AtlasIntel/Bloomberg,
58% dos brasileiros têm imagem negativa dela (em outubro eram 40%). Em pesquisa
PoderData, metade dos 83% que declararam conhecer a primeira-dama desaprovam sua
participação no governo (apenas 29% aprovam).
A socióloga Janja exibe estilo próprio e,
desde o início do terceiro mandato de Lula, assumiu protagonismo em decisões do
governo. Tem exercido seu papel de forma pouco protocolar e pouco transparente.
Em dois anos e três meses, coleciona um sem-número de gafes. Em evento paralelo
ao G20, soltou um palavrão para se referir ao empresário Elon Musk. Debochou da
morte de um homem-bomba em frente ao Supremo Tribunal Federal e gerou
constrangimento no evento oficial ao ser a única primeira-dama a ficar na mesa
dos líderes globais, diante das câmeras. Em visita à galeria de ex-presidentes
da República, causou mal-estar ao dizer que vários não mereciam estar ali. A
lista é longa.
É pouco provável que as gafes cessem a partir
da iniciativa da AGU. Mas sem dúvida é preciso estabelecer limites. Pedidos de
informação sobre a agenda de Janja ou despesas em suas viagens têm sido negados
pelo governo, quase sempre sob alegação de que ela não ocupa cargo público
oficial, por isso não é obrigada a divulgar suas atividades. Ora, desde o
início do mandato de Lula, é evidente que Janja tem exercido função pública,
mesmo sem cargo formal. A sociedade tem o direito de saber, o governo tem o dever
de informar. Se o protocolo da AGU ao menos trouxer mais transparência, já terá
sido útil.
Ata do Copom confirma preocupação sensata com
pressão inflacionária
O Globo
Gestão da política de juros continua amparada
na técnica e em justificativas razoáveis
A ata da última reunião do Comitê de Política
Monetária (Copom), do Banco
Central, divulgada ontem, confirma que a atual composição do colegiado se
mantém atenta aos riscos inflacionários. Com a maioria dos integrantes
indicados pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva, inclusive o presidente Gabriel
Galípolo, chegou a haver receio de que a instituição pudesse ficar
suscetível à influência política, apesar de sua autonomia estar garantida em
lei. Felizmente, tal temor tem sido desmentido pelos fatos.
Na semana passada, o Copom elevou a Selic, a
taxa básica de juros, para 14,25%, patamar mais alto desde outubro de 2016. Na
ata, os diretores do BC confirmam que preveem novo aumento em maio — inferior
ao 1 ponto percentual da última reunião — e não fecham a porta a novas altas. A
“magnitude total” do ciclo de aperto monetário, afirmam, dependerá da dinâmica
da inflação.
É a atitude tecnicamente correta. O compromisso com o controle de preços,
determinado em lei como mandato do BC, parece cristalino e inalterado.
Embora indesejável, a alta dos juros e a
manutenção em patamar elevado se fazem necessárias. As expectativas de inflação
estão longe da meta perseguida pelo BC (3%) e da faixa máxima superior (4,5%).
As instituições financeiras preveem alta de preços de 5,65% ao longo de 2025. A
estimativa para 2026 está em 4,5%, mas tem subido. Com projeções assim, a
atividade econômica ainda mostrando vigor e pressionando os preços e o mercado
de trabalho aquecido, não há como escapar da política contracionista.
Nas palavras dos próprios diretores do BC, a
inflação acumulada em 12 meses deverá permanecer acima do teto por seis meses
consecutivos, inviabilizando o cumprimento da meta de 2025. Isso deverá
acontecer porque a inflação de serviços segue alta, e o câmbio tem pressionado
os preços de produtos industrializados no atacado. Para completar, os preços de
alimentos continuam elevados e “tendem a se propagar para outros preços no
médio prazo”, segundo a ata. Todas essas questões ficam claras nos dados coletados
e analisados pelo BC e justificam, do ponto de vista técnico, suas decisões até
agora.
Há ainda o imponderável. Com Donald Trump na Casa Branca, as incertezas ganharam outra proporção. É difícil prever o impacto da guerra comercial deflagrada pelo governo americano, mas é esperada alta nos preços cotados em dólar. Muitas dúvidas pairam sobre as consequências da política de combate à imigração ilegal no mercado de trabalho e na inflação dos salários. O próprio Fed, banco central americano, tem falado em incertezas maiores. O tamanho do corte nos gastos do governo e de eventuais estímulos fiscais poderá ter efeitos para além das fronteiras dos Estados Unidos. A resposta de outras grandes economias, como a chinesa ou a europeia, também tem o poder de transformar o panorama financeiro global. Em situação tão desafiadora, faz bem o BC em conduzir a política monetária sem sobressaltos, sempre amparado em dados tecnicamente sólidos e justificativas razoáveis.
Copom indica que ciclo de aperto não está
perto do fim
Valor Econômico
O BC continua sozinho na luta contra a inflação. Em modo eleitoral, o Planalto pretende manter o crescimento de toda amaneira, o que aumentará a inflação e os custos de combatê-la
A ata do Comitê de Política Monetária (Copom)
revelou claramente que o ciclo de aperto monetário não tem data para acabar,
dadas as evidências de desancoragem adicional da inflação e de expectativas
inflacionárias crescentes em todos os prazos. Há “sinais incipientes de
desaceleração”, como seria de se esperar diante de taxas de juros muito altas,
mas há muito mais dúvidas do que certezas se esses sinais sinalizam de fato uma
tendência. A indicação de uma nova elevação de juros, de menor magnitude, no contexto
da reunião, pode significar um número ainda forte, e não o ponto médio de 0,5
para o qual se inclinam os investidores.
Na primeira reunião em que Gabriel Galípolo
decidiu com a equipe majoritariamente escolhida pelo novo governo, a ata é
perfeitamente ortodoxa, sem qualquer fresta possível para uma acomodação de
curto prazo da política monetária. Diante do descolamento largo entre a
inflação corrente e a meta, é bom que seja assim.
A ata de março é uma continuação da de
janeiro, com perspectivas pioradas. A indicação de alguma desaceleração
econômica consta em ambas, com a diferença de que os indícios tênues de antes
ganharam reforço considerável com a divulgação do PIB do quarto trimestre de
2024, que evoluiu apenas 0,2%. No entanto, esse resultado não é suficiente para
definir o futuro a curto prazo da economia. Os motivos relacionados pelo Copom
para isso são contundentes. As conclusões a extrair são necessariamente
condicionais e cautelosas, tanto em relação ao passado, “sujeito a revisões e
sazonalidades”, quanto ao presente, “com dados mistos contemporâneos que não
são uníssonos em uma direção”, e ao futuro, no qual se prevê “forte crescimento
agrícola no primeiro trimestre com possíveis desdobramentos para outros
setores”.
Além disso, indicadores de confiança e de
crédito merecem igual avaliação cautelosa, pois estão apontando um refluxo da
economia maior do que o até agora observado nos dados. Mesmo em relação à perda
de fôlego do mercado de trabalho, os números são voláteis e há certeza de que o
desemprego é baixo e os rendimentos do trabalho são elevados. É o mercado de
trabalho dinâmico e a economia crescendo acima do potencial que fizeram com que
o mercado de crédito se mantivesse “pujante” nos últimos trimestres. O crédito,
porém, mostra “alguma inflexão”, decorrente da elevação forte dos juros, menor
apetite ao risco e redução no ritmo de concessão.
O BC não deixou de anotar a dissonância de
sua política de aperto monetário e outras políticas que buscam objetivo
contrário. Parece endereçado o novo parágrafo que diz respeito à “política
econômica”. “O aspecto mais ressaltado foi a relevância da manutenção de canais
de política monetária desobstruídos e sem elementos mitigadores para sua ação”.
Para isso, é relevante que o “volume de empréstimos reaja às condições
financeiras e às expectativas, à medida que avaliações sobre o futuro impactam
o consumo e o investimento correntes”. O lançamento de programas de crédito
consignado privado e permissão dos saques FGTS seguramente estimulam os
empréstimos e o consumo, na direção oposta à almejada pelo BC, embora isso não
esteja escrito diretamente.
O ambiente de curto prazo da inflação é
adverso. A inflação de serviços, a mais resistente, acelerou recentemente e se
mantém em nível incompatível com o atingimento da meta. Os preços dos bens
industriais ainda sentem impacto da megadesvalorização cambial, presente no
atacado e que deverá ser repassado ao varejo ainda. Os preços dos alimentos
continuam altos, e os mecanismos inerciais ainda existentes na economia tendem
a propagá-los aos demais preços, segundo o Copom.
É curioso que o BC não conte com fatores
atenuantes de seu cenário, como o da supersafra, para conter possíveis altas
dos preços dos alimentos. Muito menos registrou qualquer efeito positivo sobre
a inflação do recuo significativo do dólar, perto de 8% no ano. O cenário de
referência do BC considerou o dólar a R$ 5,80, ante R$ 6 na estimativa de
janeiro, e, mesmo assim, o prognóstico para o IPCA recuou quase nada, de 5,2%
para 5,1% em 2025 e de 4% para 3,9% no segundo trimestre de 2026, horizonte
relevante da política monetária.
A conclusão é que o balanço de riscos pende
para uma inflação mais alta, o que, junto com expectativas desancoradas em
prazos mais longos, “exige uma restrição monetária maior e por mais tempo do
que outrora seria apropriado”. Por isso, explica a ata, o Copom deu três
sinalizações sobre seus próximos passos. Como o cenário é adverso, era
importante “indicar que o ciclo não está encerrado” e, dada a defasagem dos
efeitos da política monetária, apontou que o juro subirá em menor ritmo do que
a cadência acelerada de 1 ponto percentual das três últimas reuniões. As
enormes incertezas, especialmente vindas do cenário externo, não permitiram
apontar o próximo movimento.
O BC continua sozinho na luta contra a
inflação. Em modo eleitoral, o Planalto pretende manter o crescimento de toda a
maneira, o que aumentará a inflação e os custos de combatê-la.
Norma para ações policiais exige sensatez do
Rio e do STF
Folha de S. Paulo
Governo deveria entender que medidas são em
grande parte regras civilizatórias; corte precisa zelar por comedimento
O Supremo Tribunal Federal deve
retomar nesta quarta (26) o julgamento da arguição de descumprimento
de preceito fundamental (ADPF) que trata de operações policiais em comunidades
do Rio, que se converteu em imbróglio político.
A ação, movida pelo PSB em 2019, tem apoio de
pesquisadores e ONGs que atuam nesses territórios, mas enfrenta resistência do
governador Cláudio
Castro (PL).
Em 2020, durante a pandemia, o relator do
caso, ministro Edson Fachin,
ordenou por meio de liminar que a polícia fluminense
só realizasse operações
em comunidades "em hipóteses absolutamente excepcionais".
Note-se que o Supremo, ao contrário do que
alegam autoridades do estado, não proibiu as grandes ações das forças de
segurança, apenas estabeleceu critérios.
Tanto que, durante a vigência da liminar, a
quantidade de operações subiu —apesar da queda inicial, acompanhada por redução
da letalidade policial.
No primeiro mês após a medida, o número de
operações caiu 78% ante o mês anterior, e o de mortos em incursões das forças,
72,5%, enquanto as taxas de crimes contra a vida e o patrimônio também
diminuíram no mesmo período, segundo estudo da Universidade Federal Fluminense.
Mas tal efeito durou pouco. Relatório do
Instituto Fogo Cruzado mostrou que, de 2020 para 2021, as mortes em chacinas
aumentaram 50%, de 170 para 255. Ademais, ocorreram operações com alta
letalidade em Jacarezinho (2021), na Vila Cruzeiro (2022) e no Complexo do
Alemão (2022).
Mesmo assim, no período de 2019 a 2024, a
letalidade policial caiu 61,5% no Rio de Janeiro, de 1.814 para 699 casos.
O debate em torno da ADPF exige bom senso
tanto das autoridades estaduais como do STF.
O governo fluminense deveria considerar que
grande parte do que está em exame são regras civilizatórias básicas que
deveriam reger qualquer atuação policial complexa, como a a presença de equipes
de saúde e o respeito à lei no caso de busca domiciliar, bem como limites ao
uso de helicóptero como plataforma de tiro em regiões populosas.
Já o Supremo deve zelar pela contenção
—cuidado que tem sido deixado de lado em não poucas decisões nos últimos anos.
Não cabe à corte constitucional formular a
política de segurança pública que governadores eleitos vão implementar. Assim,
é necessário que module seu entendimento para que as instituições regionais
exerçam suas funções.
Mas há um espaço em que o STF pode exigir que
autoridades sigam preceitos fundamentais expressos na Constituição, como
promover segurança pública e combater a criminalidade sem
estímulo ao abuso de força policial —que resulta em violações dos
direitos humanos e de garantias do Estado de Direito.
Cabe aos estados incentivar a atuação técnica
das polícias, com treinamento de agentes, mais inteligência investigativa e
fortalecimento de órgãos de controle.
Do chuchu ao barril de petróleo
Folha de S. Paulo
Alckmin defende que preços de alimentos não
entrem no cálculo dos juros, mas BC adverte que eles impactam outros setores
Num episódio quase folclórico dos tempos
de inflação exorbitante
e de ditadura militar, em 1977 o então ministro da Fazenda, Mário Henrique
Simonsen, culpou o chuchu, à frente dos produtos hortifrutigranjeiros, pela
alta geral de preços de 4% no mês de março. A queixa levou a mudanças no IGP da
Fundação Getulio Vargas, o principal índice da época.
A busca por vilões da inflação é recorrente
no debate nacional, mesmo nesta era de taxas bem mais civilizadas. O
vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e
Serviços, Geraldo
Alckmin (PSB),
defendeu na segunda-feira (24) que o Banco Central desconsidere
os preços de alimentos e energia ao definir sua taxa de juros.
"Não
adianta eu aumentar os juros, porque não vai fazer chover", argumentou
Alckmin —curiosamente já apelidado, em razão de suas posições moderadas, com o
nome do vegetal outrora atacado por Simonsen. De modo similar, acrescentou, a
política monetária não fará aumentar a oferta global de petróleo.
O que há de mais razoável nas declarações de
1977 e de agora é que alimentos e alguns outros produtos de fato têm preços
muito voláteis, com variações bruscas devido a fatores imponderáveis, do clima até a
geopolítica.
Não por acaso, economistas, incluindo os do
BC, incorporam a suas análises medidas que excluem bens e setores capazes de
distorcer os índices —são os chamados núcleos da inflação. O BC também tem
evitado subir juros em resposta direta a choques de oferta, tanto que os tetos
fixados para o IPCA foram descumpridos em 3 dos últimos 4 anos.
Daí a desconsiderar os produtos de preços
voláteis, porém, vai grande distância. Só os alimentos representam cerca de 20%
do custo de vida das famílias, enquanto energia elétrica e combustíveis têm
grande peso nos gastos com habitação e transportes.
Diante do encarecimento de tais artigos,
assalariados buscarão reajustes, prestadores de serviços cobrarão mais por seu
trabalho e empresas repassarão os custos a seus produtos. "Os preços de
alimentos mantêm-se elevados e tendem a se propagar para outros preços no médio
prazo", diz a ata da reunião
do BC que elevou os juros a 14,25% anuais, divulgada
nesta terça-feira (25).
Será missão da política monetária sustar o
crédito e o consumo para reduzir a intensidade dessa propagação —e evitar que
ela desencadeie novas altas de preços em espiral. A tarefa é amarga, mas o BC e
um governo preocupado com o poder aquisitivo da população não podem ignorá-la.
São Paulo insegura
O Estado de S. Paulo
O medo dos paulistanos mora no hiato entre
estatísticas, percepção de violência e tipos de crime que se espalham
uniformemente pela cidade – o roubo à mão armada e o latrocínio
Há um aparente contrassenso na segurança
pública de São Paulo: enquanto a população paulistana coloca a insegurança e a
violência como um dos maiores, se não o maior, problemas da capital,
indicadores exibem melhora, o que, em tese, desabonaria essa percepção popular.
Só em tese. Tanto a capital quanto o Estado em geral parecem hoje mais seguros,
se observadas algumas tendências como as quedas nos números de homicídios e de
roubos e furtos. Os paulistanos, no entanto, precisam lidar com o crescimento
no número de latrocínios (roubos seguidos de morte), roubo à mão armada,
estupro e feminicídio – além do assustador aumento da letalidade policial. Em
entrevista a este jornal, a socióloga Samira Bueno, diretora do Fórum
Brasileiro de Segurança Pública, sintetizou esse aparente paradoxo, a ponto de
dizer que, apesar do hiato entre as estatísticas e o sentimento da população, a
percepção de insegurança não é desproporcional: “A população tem toda razão de
estar amedrontada”.
E como. Enquanto homicídios ocorrem em áreas
mais restritas, concentrando-se em regiões periféricas da cidade, crimes como
roubo à mão armada e latrocínio se espalham por toda a capital. Em outras
palavras, como explicou a socióloga, a redução de homicídios não
necessariamente gera sensação de segurança mais generalizada porque a maioria
da população não se sente exposta a esse tipo de violência. O mesmo não se pode
dizer do roubo e do latrocínio. Como disse ao vodcast Dois Pontos, do Estadão,
o coronel reformado José Vicente da Silva Filho, para cada homicídio – decerto
o crime mais grave – há entre 150 e 200 roubos registrados nas capitais. Sua
extensão e variedade, inclusive com uso de arma de fogo que transforma o roubo
em latrocínio, é o que explica em grande medida a sensação de medo na
população.
O resultado está nos números e no sentimento
popular: no ano passado, houve aumento de 23% dos latrocínios. É um tipo de
crime que, para se consumar, há violência extrema, como o caso do ciclista
Vitor Medrado, que em fevereiro foi assassinado no Itaim Bibi, ou do jovem
Vitor Rocha e Silva, morto em janeiro após assalto em Pinheiros. Arrastões e
casos de agressões e mortes provocadas por policiais integram o arsenal
motivador da insegurança. Em janeiro, pesquisa da organização Rede Nossa São
Paulo mostrou que 74% da população aponta a segurança como o maior problema da
cidade, à frente da saúde (36% das menções), transporte coletivo (15%) e
habitação e educação (12%). Um resultado que confirma outra sondagem, de
setembro, realizada pelo Datafolha, que apontou a violência como o problema
mais grave da cidade, voltando a encabeçar a lista após 11 anos de pesquisas
similares do instituto.
Especialistas são unânimes ao reconhecer que
modalidades criminosas vão e voltam como ondas, mas não há dúvida de que o
celular como alvo preferencial de ladrões veio para ficar. É pequeno, fácil de
portar e pode ser facilmente vendido para um mercado que compra produtos de
origem criminosa, além de oferecer a bandidos a possibilidade de acessar dados
pessoais, entrar em aplicativos de bancos e realizar compras com cartões
cadastrados – informações que ainda servem para aplicar golpes de estelionato
(que, não à toa, cresceram 260% no Brasil entre 2018 e 2023, segundo o Fórum
Brasileiro de Segurança Pública).
Estudos do governo americano já mostraram que
o medo da violência pode ser pior do que a própria violência, pois atinge uma
população muito maior do que as vítimas de crimes. Segundo a mesma lógica, a
exposição de casos violentos amplifica a percepção de insegurança. Um crime
cometido em um lugar cria medo em outro. A Secretaria da Segurança Pública de
São Paulo tem afirmado que o policiamento preventivo e ostensivo está sendo
reorientado, com base na análise dos indicadores criminais. É uma medida acertada,
mas convém lembrar que, na atual gestão, a população viu o enfraquecimento de
políticas que, em gestões anteriores, garantiram a profissionalização da
Polícia Militar e, simultaneamente, a notável melhora nos indicadores. Hoje,
como disse a especialista, a população tem toda razão de estar amedrontada – e
o medo, como se sabe, é péssimo conselheiro de políticas de segurança.
A ética da companheirada
O Estado de S. Paulo
Uma investigação sobre indicados do governo
em empresas nas quais o Estado tem participação expõe o ‘modus operandi’
petista: triturar a boa governança para fabricar sinecuras
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) abriu
processo administrativo para apurar possíveis irregularidades na nomeação de
três ministros de Lula da Silva para cargos em conselho de uma empresa privada.
Isso porque os titulares dos Ministérios da Previdência, Carlos Lupi, e da
Igualdade Racial, Anielle Franco, e da Controladoria-Geral da União, Vinicius
Marques de Carvalho, assumiram, por indicação do BNDES, postos no Conselho de
Administração da Tupy, uma metalúrgica multinacional, sem a prévia autorização
da Comissão de Ética Pública, como exige a Lei de Conflito de Interesses.
Lula e seus correligionários vendem a si
mesmos como campeões da ética e defensores do Estado, mas há muito a maioria
dos brasileiros não compra essa fantasia por seu valor de face e sabe o que se
esconde sob a retórica virtuosa do “desenvolvimentismo”: o desenvolvimento dos
interesses do PT.
A captura dos interesses públicos a serviço
de ambições privadas é bem evidente no aparelhamento da máquina pública. Muito
antes do PT, é verdade, ela já fora moldada pelas elites políticas para saciar
apetites patrimonialistas. Só no governo federal são quase 30 mil cargos e
funções preenchidos por nomeação. Mas o lulopetismo atingiu o estado da arte da
contaminação político-partidária da máquina estatal.
Por onde quer que passe, o PT manobra para
inchar e abastardar o Estado, preenchendo-o com companheiros e submetendo-o aos
seus desígnios. Não é nenhum paradoxo incompreensível, mas uma mera
consequência lógica desse modus operandi, que o PT, tão obcecado por regulações
estatais sobre o mercado, tenha horror justamente a regulamentos que impõem ao
próprio Estado parâmetros de boa governança, como a Lei das Estatais ou das
Agências Reguladoras.
Quando o PT aparelha empresas privadas nas
quais o Estado tem participação, imagina-se que o objetivo seja tentar submeter
essas empresas ao projeto político do lulopetismo. No entanto, considerando o
total despreparo técnico dos indicados, conclui-se que o propósito real é mais
trivial: recompensar a companheirada com cargos e salários generosos.
O BNDES, por exemplo, tem asseguradas cerca
de 30 indicações em conselhos administrativos de mais de 20 empresas nas quais
tem participação. Se o objetivo do governo fosse submeter a gestão dessas
empresas a fins políticos, nomearia ao menos gente que é do ramo. Não foi o
caso quando indicou, por exemplo, o então ministro de Direitos Humanos, Silvio
Almeida, para o conselho de uma empresa de gás e eletricidade ou a então
ministra da Saúde, Nísia Trindade, para o de uma empresa de transformação
digital.
No caso da Tupy, até agosto de 2023 o BNDES
era representado por dois conselheiros de seus próprios quadros com experiência
em energia e gestão empresarial, o que era condizente com a política de
indicações do banco, que visa a “estimular a adoção de melhores práticas de
gestão, governança e sustentabilidade pelas companhias investidas e, assim,
promover a geração de valor para tais empresas”. Mas o governo entendeu que
seria muito mais condizente substituí-los por Carlos Lupi e Anielle Franco.
A indicação de Lupi, licenciado da
presidência do PDT, violou a própria política interna do banco de não nomear
dirigentes partidários. Se entregar o comando de um ministério a Anielle – cuja
credencial mais vistosa até então era ser irmã de Marielle Franco – já era
questionável, que dirá sua nomeação ao conselho de uma multinacional de ferro
fundido?
Se os indicados do governo “geraram valor” ou
não para a Tupy, cabe aos acionistas dizer – na época das indicações, as ações
chegaram a cair 3% –, mas é certo que a Tupy gerou valor real para os
indicados: mais de R$ 40 mil por mês, em média, um polpudo complemento de renda
ao seu salário de R$ 44 mil.
Essa lógica se aplica a toda a máquina
petista de fabricar cabides e sinecuras. Para os seus apaniguados, ela gera
muitos dividendos. Do ponto de vista do País, a única coisa que gera é o
descrédito em suas instituições e a desconfiança dos investidores.
Para que não restem dúvidas
O Estado de S. Paulo
Ata do Copom frisa que ciclo de alta de juros
não acabou e tem visão distinta da do governo
O ciclo de alta de juros para conter a
inflação não se encerrou. Foi essa a mensagem central da ata da última reunião
do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC). Decerto para
dirimir quaisquer dúvidas que ainda pairassem sobre a decisão, que elevou em 1
ponto porcentual a Selic, para 14,25% ao ano, o comitê listou os três motivos
que justificam a manutenção do rigor da política monetária: a dinâmica da
inflação, que considera adversa; a defasagem dos efeitos dos juros altos; e a
elevada incerteza do cenário econômico, tanto externo quanto doméstico.
Com isso, a direção do BC ao mesmo tempo
invalida avaliações que apontavam para o fim próximo do ciclo de aumento de
juros e mostra ter visão distinta da do governo sobre o comportamento da
inflação. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, mesmo contemporizando sobre o
último aumento da Selic – usando a mesma imagem adotada pelo presidente Lula da
Silva de que é impossível “dar um cavalo de pau” nos juros –, tem insistido na
previsão de que a inflação vai surpreender e cair, dando margem à queda dos juros
ainda em 2025.
Não é essa a perspectiva do BC, que vê na
indefinição sobre a inflação um “fator de desconforto comum a todos os membros
do Copom”, mostrando que a unanimidade do colegiado não está restrita à
calibragem da alta dos juros, mas se estende aos fatores que levam à decisão.
Vale ressaltar que no cenário interno foi dado destaque ao esmorecimento do
esforço para reformas estruturais e em prol da disciplina fiscal, o aumento do
crédito direcionado e as incertezas sobre a estabilização da dívida pública.
Ou seja, está mais do que comprovado que
Planalto e Banco Central seguem caminhos distintos. Lula da Silva vê no crédito
a salvação da economia; o BC vê com preocupação o mercado de crédito “pujante
dos últimos trimestres”; Haddad vê possibilidade de recuo do câmbio, com
consequente melhora dos preços internos; o BC avalia que parte da deterioração
com as incertezas nos Estados Unidos começa a se materializar e que preços
industrializados seguem pressionados pelo câmbio, preços dos serviços continuam
acima do nível para o cumprimento da meta de inflação e, no setor de alimentos,
os preços elevados tendem a se propagar para outros preços a médio prazo.
Todos os sinais são de que a tal “necessidade
de políticas fiscal e monetária harmoniosas”, como preconiza o Copom, é um
objetivo bastante difícil. O governo comemora a enorme procura pela nova
modalidade de empréstimo consignado privado que criou. Já o BC observa como
positiva a inflexão do crédito bancário, diante do menor apetite ao risco pelos
bancos e o elevado comprometimento da renda das famílias com o pagamento de
dívidas.
Para a autoridade monetária, o arrefecimento da demanda é elemento essencial do processo de reequilíbrio entre oferta e demanda da economia e convergência da inflação à meta. O BC ainda vê como incipiente a moderação da atividade econômica. Já o ministro Haddad, com certo exagero, diz que não precisa de recessão para baixar a inflação. É uma Babel econômica.
Supremo acerta ao rejeitar o
"juridiquês"
Correio Braziliense
A escolha do STF por um vocabulário mais
próximo da realidade, sem os termos jurídicos pouco inteligíveis à sociedade,
vem em boa hora, sobretudo em um período de pouca confiabilidade nas
instituições
Quem dedicou essa terça-feira à transmissão
da TV Justiça, que teve suas imagens compartilhadas em diferentes sites, perfis
e canais por assinatura, da primeira fase do julgamento da denúncia contra o
ex-presidente Jair Bolsonaro e outras sete pessoas pode ter terminado o dia
ansioso pelos votos dos ministros, que só devem acontecer hoje em
Brasília.
Mais do que inquieto, o cidadão pode também
ter se cansado com as longas argumentações da Procuradoria-Geral da República
(PGR) e das defesas dos oito acusados. Na primeira fase da agenda, a PGR, por
meio do chefe do Ministério Público, Paulo Gonet, reapresentou com detalhes a
denúncia oferecida contra os possíveis réus pela articulação dos atos
antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023. Documentos que já foram amplamente
divulgados e debatidos na imprensa.
Na sequência, foi a vez dos advogados de cada
um dos acusados apresentarem os motivos pelos quais seus clientes não devem ser
processados. Faz parte do rito judiciário. Cada um tem um tempo pré-determinado
para apresentar seu ponto de vista sobre o fato em questão, e o uso como bem
pretender.
Na parte que coube aos ministros da Primeira
Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), destaque especial para a didática de
Alexandre de Moraes. Ao contrário do que se espera de um julgamento como esse,
o relator do caso adotou uma linguagem mais próxima do cidadão, usando
gráficos, dados sobre as condenações assinadas por ele no âmbito do 8 de
Janeiro e, até mesmo, expressões mais populares, longe do tão reclamado
"juridiquês".
"Há uma narrativa, assim como se a Terra
fosse plana, de que o Supremo estaria condenando 'velhinhas com a Bíblia na
mão' que estariam passeando num domingo ensolarado (...) Nada mais mentiroso do
que isso", disse Moraes ao introduzir sua argumentação em defesa do
trabalho feito pela Corte para punir os participantes dos atos de 8 de Janeiro.
A linguagem direta e simples é uma bola dentro do ministro, sobretudo em um
julgamento de ampla repercussão popular.
Postura semelhante adotou o ministro Flávio
Dino — esse já conhecido pela habilidade discursiva — ao dizer que a Corte não
terá seu trabalho comprometido por "milícias digitais, sejam as nacionais,
sejam strangeiras, porque o Brasil é um país soberano". O recado tem
destinatário claro: o bilionário Elon Musk, dono do X (antigo Twitter) e
integrante do governo de Donald Trump, que trava uma longa batalha discursiva e
judicial com o STF.
A escolha do Supremo por um vocabulário mais
próximo da realidade, sem os termos jurídicos pouco inteligíveis à sociedade,
vem em boa hora, sobretudo em se tratando de um processo polêmico — com
críticas, inclusive, à forma como tem sido conduzido — e de um período de pouca
confiabilidade nas instituições — incluindo as que fazem parte do Judiciário.
Cidadãos capturados pelas "milícias digitais" citadas por Dino e descrentes da seriedade esperada de agentes públicos tendem ao extremismo que tanto ataca a nossa democracia. Espera-se, portanto, que o abandono do "juridiquês" se expanda para além de casos de ampla repercussão. Comunicar é algo ainda mais fundamental em tempos de fake news e de ameaças às liberdades.
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