Valor Econômico
Sem alternativas, resta ao ex-presidente repetir a manobra de Lula em 2018
O julgamento da Primeira Turma do Supremo
Tribunal Federal (STF) sobre a aceitação da denúncia da Procuradoria-Geral da
República (PGR) contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e outras 24 pessoas por
golpismo, que se iniciou na terça-feira (25), é um dos maiores jogos jogados da
história recente do país, com efeitos já amplamente precificados há meses. Suas
vítimas não conseguiram desviar-se do destino aparentemente inexorável.
A denúncia deverá ser aceita e a ação penal,
uma vez aberta, deverá levar à condenação de Bolsonaro ainda neste ano. Sua
prisão é um evento previsto para o último trimestre do ano. O próprio
ex-presidente previu em entrevista ao “Financial Times” ser condenado a 28
anos. Fontes jurídicas que acompanham o julgamento, distantes de Bolsonaro,
acham que o ex-presidente está certo.
Há uma certa dúvida sobre o placar e a conclusão do exame da questão esta semana, em função da presença do ministro Luiz Fux no colegiado. No exame das questões preliminares levantadas pelas defesas do primeiro núcleo dos acusados, Fux sinalizou ver com muita reserva a delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, que contou com mais de uma versão. Cristiano Zanin, Flávio Dino e Cármen Lúcia devem acompanhar o voto do relator, Alexandre de Moraes. A eventual falta de unanimidade, contudo, não muda o prognóstico.
Bolsonaro já está inelegível para 2026 por
duas sentenças da Justiça Eleitoral, e com uma sentença criminal nas costas
terá dificuldade quase intransponível de manter o campo da direita unido na
próxima eleição presidencial. Este é o primeiro efeito imediato da iminente
situação judicial de Bolsonaro, que começou a gerar fatos em janeiro. A
aceitação da denúncia é tão certa que mesmo desde antes de sua apresentação ela
já começou a influenciar o cenário.
Essa é a razão para o governador de Minas
Gerais, Romeu Zema (Novo), gravar um vídeo questionando o Judiciário, alguns
dias depois de comer uma banana com casca e tudo nas redes sociais. Quem come
uma banana com casca não está para brincadeira, Zema está na luta para chamar a
atenção e credenciar-se como presidenciável e eventual herdeiro do inelegível.
Não por outro motivo o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas
(Republicanos), bate continência para Bolsonaro em seus vídeos, ao mesmo tempo
que nacionaliza seu discurso. Tarcísio, de todos os presidenciáveis de direita,
é o que mais depende do apoio de Bolsonaro.
Chama a atenção o deputado Eduardo Bolsonaro
(PL-SP) ter anunciado a sua migração para os Estados Unidos dois dias depois do
esvaziado comício pró-anistia de Bolsonaro em Copacabana, e dedicar-se agora
“full time” a fazer lobby por uma interferência da Casa Branca na política
brasileira. Eduardo também tenta se viabilizar e parece acreditar que a
sucessão brasileira será decidida em Washington, não na Avenida Paulista ou na
Faria Lima.
Resultado previsto contra ex-presidente já
move cenário desde o início do ano
Os governadores de Goiás, Ronaldo Caiado
(União Brasil), e do Paraná, Ratinho Júnior (PSD), também se apresentam, mas o
engajamento de seus vacilantes partidos em suas candidaturas depende de outro
fator, o enfraquecimento do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Bolsonaro tenta paralisar o processo de
disputa pelos seus despojos articulando a favor do projeto de anistia aos
envolvidos nos atos de 8 de janeiro que redundaram na depredação da sede dos
três Poderes em Brasília.
Ele se escuda atrás de punições draconianas
impostas pela Justiça a personagens secundários, como a sentença de 14 anos de
prisão proposta para uma cabeleireira que escreveu com batom a frase “Perdeu,
Mané” na escultura em frente ao STF. Há um consenso generalizado de que houve
um exagero neste caso. O azar da cabeleireira Débora Santos, contudo, é que o
projeto que a beneficia pode beneficiar também Bolsonaro. A interligação neste
caso é fatal para a parte mais fraca. “Em vez de a cabeleireira favorecer por
tabela Bolsonaro, é Bolsonaro que por tabela prejudica a cabeleireira”, opina o
advogado Marco Aurélio Carvalho, do grupo Prerrogativas.
O PL faz avaliações otimistas sobre a adesão
do plenário da Câmara à tese, mas a gravidade da acusação contra Bolsonaro e o
bom diálogo de Lula com os presidentes da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB),
e do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), despertam ceticismo de
observadores políticos sobre essa saída. “A anistia não tem voto no Congresso,
no momento, e não tem apoio político para ser pautada no Legislativo”,
sentencia por exemplo o cientista político Murillo Aragão, da consultoria Arko
Advice.
Sem alternativas para a sua elegibilidade,
resta a Bolsonaro tentar repetir a manobra de Lula em 2018: o PL registra sua
candidatura, mesmo inelegível, tendo na chapa um vice de absoluta confiança do
titular. No momento em que a candidatura for indeferida, e ela será, o vice
assume a incumbência de tocar a campanha. O principal problema para manter a
direita unida em torno dessa estratégia é que em 2018 a manobra de Lula serviu
para manter o PT protagonista na cena política, mas Fernando Haddad, o candidato
escolhido, perdeu a disputa; para Bolsonaro, aliás.
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