Folha de S. Paulo
Livro apresenta a vida e as ideias do
filósofo grego e propõe a criação de um novo sistema ético com base em seu
método
"Open Socrates" (Sócrates aberto),
de Agnes Callard, é vários livros num só. A obra funciona como uma apresentação
da vida do filósofo grego, traz para o presente algumas das discussões que ele
propôs e ainda pretende fundar um novo sistema ético de inspiração
neossocrática. A autora se sai muito bem nas duas primeiras tarefas.
Callard é uma filósofa de primeira. É pena que tenha se tornado mais conhecida pelas idiossincrasias de seu arranjo matrimonial do que por seus textos. Ela ganhou fama instantânea depois que a revista New Yorker publicou um perfil seu em que conta como ela, o atual marido e o ex vivem juntos.
A autora apresenta o pensamento socrático de
forma ao mesmo tempo didática e profunda. Não foge das ambiguidades nem das
dificuldades, como a de separar o que é Sócrates do que é Platão nos diálogos.
Ela se sai ainda melhor ao atualizar as
grandes discussões socráticas. Os capítulos sobre política, amor e morte são
memoráveis. Callard chega perto da autoajuda (mas em grande estilo) ao opor o
socratismo ao desespero niilista experimentado por Tolstói em sua crise de
meia-idade.
Creio que ela estica demais a corda ao
sugerir que as éticas consequencialista (Stuart Mill), deontológica (Kant) e da
virtude (Aristóteles) sejam substituídas por uma ética neossocrática. Essa
ética que ela propõe é proibitivamente intelectualista e depende
necessariamente de uma relação dialógica para efetivar-se.
A minha impressão é que ela não conta com o
atrativo do consequencialismo e da deontologia, que é oferecer princípios que
nos guiem na tomada de decisões éticas, e agrava o problema das éticas da
virtude, que é exigir que nos debrucemos sobre cada caso particular de forma
quase tautológica (é ético aquilo que nos faz agir bem). O que me vem à mente é
a anedota de Michelangelo. Perguntaram ao escultor como ele conseguira produzir
uma estátua tão perfeita como o seu "David". Ele disse: "É fácil.
Basta tirar do bloco de mármore tudo o que não se parece com David".
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