domingo, 23 de março de 2025

Sócrates aberto - Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Livro apresenta a vida e as ideias do filósofo grego e propõe a criação de um novo sistema ético com base em seu método

"Open Socrates" (Sócrates aberto), de Agnes Callard, é vários livros num só. A obra funciona como uma apresentação da vida do filósofo grego, traz para o presente algumas das discussões que ele propôs e ainda pretende fundar um novo sistema ético de inspiração neossocrática. A autora se sai muito bem nas duas primeiras tarefas.

Callard é uma filósofa de primeira. É pena que tenha se tornado mais conhecida pelas idiossincrasias de seu arranjo matrimonial do que por seus textos. Ela ganhou fama instantânea depois que a revista New Yorker publicou um perfil seu em que conta como ela, o atual marido e o ex vivem juntos.

A autora apresenta o pensamento socrático de forma ao mesmo tempo didática e profunda. Não foge das ambiguidades nem das dificuldades, como a de separar o que é Sócrates do que é Platão nos diálogos.

Ela se sai ainda melhor ao atualizar as grandes discussões socráticas. Os capítulos sobre política, amor e morte são memoráveis. Callard chega perto da autoajuda (mas em grande estilo) ao opor o socratismo ao desespero niilista experimentado por Tolstói em sua crise de meia-idade.

Creio que ela estica demais a corda ao sugerir que as éticas consequencialista (Stuart Mill), deontológica (Kant) e da virtude (Aristóteles) sejam substituídas por uma ética neossocrática. Essa ética que ela propõe é proibitivamente intelectualista e depende necessariamente de uma relação dialógica para efetivar-se.

A minha impressão é que ela não conta com o atrativo do consequencialismo e da deontologia, que é oferecer princípios que nos guiem na tomada de decisões éticas, e agrava o problema das éticas da virtude, que é exigir que nos debrucemos sobre cada caso particular de forma quase tautológica (é ético aquilo que nos faz agir bem). O que me vem à mente é a anedota de Michelangelo. Perguntaram ao escultor como ele conseguira produzir uma estátua tão perfeita como o seu "David". Ele disse: "É fácil. Basta tirar do bloco de mármore tudo o que não se parece com David".

 

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