Folha de S. Paulo
Quem ganha muito bem vai ter que se
sacrificar um pouco para ajudar a professora e o PM
Levou 40 anos, mas a democracia brasileira
finalmente produziu uma proposta para tornar o Imposto de
Renda mais justo.
Na semana passada, o governo Lula divulgou
sua proposta
de reforma de Imposto de Renda. É um passo moderadíssimo,
cautelosíssimo, mas na direção certa.
A reforma deu isenção completa de Imposto de
Renda para quem ganha menos que R$ 5.000 por mês. Entre R$ 5.000 e R$ 7.000 por
mês, o cidadão também vai ter desconto, maior se estiver perto do cinco, menor
se estiver perto do sete.
A isenção atinge a classe social mais debatida pelos analistas políticos nos últimos anos: quem já escapou da vulnerabilidade extrema, mas ainda está longe do padrão de consumo da classe média "tradicional". É muita gente: o governo estima que a reforma beneficiará cerca de 10 milhões de pessoas.
Como tudo tem um preço, o governo calcula que
vai deixar de arrecadar R$ 25,84 bilhões por ano com a mudança. Para compensar
esse rombo, o governo vai aumentar
o Imposto de Renda dos ricos.
Para isentar
os 10 milhões, vai aumentar o imposto de cerca de 140 mil brasileiros, duas
vezes o público da final do Campeonato Carioca que deu o título de 2025 ao
Mengão. Essa turma paga, hoje em dia, uma alíquota média de Imposto de Renda de
2,5%.
Quando Haddad anunciou a reforma no ano
passado, naquele pronunciamento que tanto furdunço gerou, o plano era mais
ambicioso: fazer com que quem ganhasse mais que R$ 50 mil por mês fosse
obrigado a pagar ao menos 10% de Imposto de Renda.
Isto é, Haddad queria que os ricos pagassem
pelo menos a mesma porcentagem que um policial militar paga hoje em dia (nas
contas do governo, 9,8%).
A proposta foi responsável por parte do
aumento do dólar na época. Afinal, o motivo dos ricos pagarem tão pouco Imposto
de Renda é que muitos
investimentos disponíveis no mercado financeiro são isentos (LCA, LCI,
dividendos etc.). Se houver uma alíquota mínima para os ricos, ao menos parte
dessa renda será tributada, o que tornaria esses investimentos menos atrativos.
Na dúvida, o pessoal correu para o dólar (e lá encontraram o Trump, mas
isso é outra história).
Na nova proposta, vários desses investimentos
continuarão isentos. E o governo agora só vai exigir que o sujeito pague a
mesma alíquota do PM se ele ganhar mais que R$ 100 mil por mês. Entre R$ 50 mil
e R$ 100 mil haverá uma alíquota mínima, mas ela começará bem pequena e
crescerá conforme a renda chegue perto dos R$ 100 mil.
Todo mundo sabe que isso é certo. A proposta
de tornar os impostos brasileiros mais progressivos estava até no programa da
Arena, o partido que apoiava a ditadura
militar. Mas ninguém tinha feito até agora.
Segundo Guilherme Klein, do Núcleo de
Pesquisa sobre Macroeconomia das Desigualdades (Made) da USP, atualmente, os
impostos brasileiros são progressivos –isto é, quem ganha mais paga uma
alíquota maior– até o 1% mais rico, quem ganha mais que R$ 30 mil por mês. Daí
em diante, tornam-se regressivos: quanto mais rico o rico for, menor a
alíquota.
A reforma não elimina essa regressividade no
topo, mas deve reduzi-la consideravelmente.
Enfim, um pessoal que ganha muito bem vai ter
que se sacrificar um pouco para ajudar a professora e o PM. Eu acho bom.
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