Correio Braziliense
Eduardo, o filho 03 de Jair Bolsonaro, atua
com o propósito de construir uma crise diplomática entre a Casa Branca e o
presidente Luiz Inácio Lula da Silva
O diagnóstico das principais chancelarias do
mundo é unânime em relação ao presidente Donald Trump: é imprevisível. Assim
sendo, sua interferência nas eleições de 2026 aqui no Brasil é uma variável
imponderável para qualquer analista político. Por isso, a histriônica decisão
do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) de se licenciar do mandato na Câmara e se
autoexilar nos Estados Unidos não deve ser subestimada.
O filho 03 de Jair Bolsonaro atua com o
propósito de construir uma crise diplomática entre a Casa Branca e o presidente
Luiz Inácio Lula da Silva, a partir de duras acusações de autoritarismo contra
o Supremo Tribunal Federal (STF). Em particular, contra o ministro Alexandre de
Moraes, o principal responsável pelo processo que investiga a tentativa de
golpe de Estado de 8 de Janeiro de 2023, em qual o ex-presidente Jair Bolsonaro
foi denunciado como um dos envolvidos, pelo procurador-geral da República, Paulo
Gonet.
A forma como Trump age em relação ao México, ao Canadá, ao Panamá, à Groelândia (Dinamarca) e à Ucrânia mostra que as regras do jogo pós-Segunda Guerra Mundial não são consideradas pela Casa Branca. Voltamos aos tempos de Tucídides, há mais de dois milênios: "Os fortes fazem o que querem e os fracos sofrem o que devem", segundo Joseph Nye, em recente artigo publicado no Financial Times (Reino Unido), intitulado Trump e o fim do soft power americano.
Ex-diretor da Kennedy School da Universidade
de Havard, em 1990, Nye criou o termo que conceitua a estratégia de política
externa que visa influenciar outros países através da persuasão e da atração,
em vez de recorrer à violência. Esqueçam os recursos culturais, valores
ideológicos, estilo de vida, culinária, música e cinema como elementos do
"americanismo" que projetavam uma imagem positiva, atraia e inspirava
pessoas. A política externa de Trump é o oposto, o "hard power", ou
seja, o uso do poder econômico e poder militar direto, o que leva a muitos
conflitos e estresses diplomáticos.
"Os líderes podem achar o hard power
mais tentador. Mas, a longo prazo, o soft power geralmente prevalece. O império
romano não se baseou apenas em suas legiões, mas também na atração da cultura
romana. O Muro de Berlim caiu não sob uma barragem de artilharia, mas de
martelos e escavadeiras empunhados por pessoas que haviam perdido a fé no
comunismo e eram atraídas para os valores do Ocidente", pondera Nye.
A experiência empresarial no mercado
imobiliário de Nova York, segundo o analista, deu a Trump "uma visão
truncada do poder limitado à coerção e transações", o que explicaria seu
bullying contra a Dinamarca sobre a Groenlândia, suas ameaças ao Panamá, que
ultraja a América Latina, sua parceria com Vladimir Putin sobre a Ucrânia, que
enfraquece sete décadas da aliança da Otan, e o desmantelamento da Agência dos
EUA para o Desenvolvimento Internacional (Usaid) que John F. Kennedy criou.
Os clássicos da ciência política não fazem
muito sucesso diante da política de baixa qualidade. Entretanto, Nye tem razão
quando compara os britânicos Thomas Hobbes (que imaginou um estado de natureza
sem governo como uma guerra de todos contra todos) e John Locke, que idealizou
um estado de natureza envolvendo contratos sociais que permitiam a busca
bem-sucedida da vida, da liberdade e da propriedade.
Essas ideias sobre o contrato social são o
fundamento da democracia americana. Por essa razão, Nye aposta naquilo que as
pesquisas já estão apontando: o hard power leva ao enfraquecimento de Trump na
opinião pública norte-americana, devido à insegurança política, econômica e
jurídica que suas polêmicas decisões estão criando no mundo. Em dois meses, a
desaprovação de Trump saltou de 40,0% para 48,7%, enquanto a aprovação caiu de
51,8% para 47,7%.
A estratégia protecionista e nacionalista de
Trump, voltada para salvar a velha indústria americana e gerar empregos
diretos, é um modelo de substituição de importações ultrapassado, sem chance de
dar certo, num mundo cujas cadeias de valor estão cada vez mais integradas,
inclusive, as da China. O colunista do Washington Post Fared Zakharia, ontem,
em artigo reproduzido pelo O Estado de São Paulo, classificou a política
industrial de Trump como uma "miragem".
Entretanto, o tempo da política não é igual
para todos, nem o da economia. Em que condições Trump estará em meados de 2026,
para interferir nas eleições gerais no Brasil? É impossível prever. Apesar do
nosso complexo de vira-latas, o Brasil não é um país qualquer. Tudo indica,
teremos o projeto de reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT),
que desistiu do apoio eleitoral do Centrão e arma uma "frente de
esquerda". Já opera seu governo para garantir a própria presença no
segundo turno.
Contra a reeleição de Lula, até agora, certo
mesmo é o projeto bolsonarista sem Jair Bolsonaro, que estará inelegível, mas
está na rua e pode levar um candidato de extrema-direita ao segundo turno, seja
o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), o 01, ou Eduardo, seu
"embaixador" nos Estados Unidos. Entretanto, bolsonarista-raiz, o
governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (PR), é o nome mais capaz de unir
toda a direita contra Lula.
Quem quiser que se iluda, Trump não será indiferente à disputa eleitoral no Brasil. A grande a incógnita é sobre o real poder de interferência que terá nas eleições brasileira daqui a um ano.
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