O Globo
Na quarta-feira, Lula ensaiou uma guinada no
discurso sobre segurança pública. Em tom mais duro que o habitual, o presidente
prometeu “enfrentar o crime” e impedir que o país se transforme numa “república
do ladrão de celular”. “O Estado é mais forte que os bandidos. E lugar de
bandido não é na rua”, afirmou.
O petista costumava evitar esse tipo de
retórica, associado ao campo da direita. Convenceu-se a mudar após pesquisas
associarem a queda na popularidade do governo ao aumento da sensação de
insegurança.
O tema sempre foi indigesto para a esquerda brasileira. Políticos progressistas falam muito em prevenção, mas resistem a apresentar planos de repressão à criminalidade. A hesitação tem frustrado eleitores que esperam soluções rápidas. De acordo com estudo recente da Fundação Perseu Abramo, até simpatizantes do PT consideram que o partido tem poucas propostas para a área.
Até aqui, o terceiro mandato de Lula tem
contribuído com essa percepção. A promessa de recriar o Ministério da Segurança
Pública, martelada na campanha de 2022, foi deixada pelo caminho. A PEC da
Segurança repousa há nove meses numa gaveta da Casa Civil. Agora o Planalto
garante que vai enviá-la ao Congresso no mês que vem.
A proposta amplia o papel da União no combate
ao crime e incorpora o Sistema Único de Segurança Pública à Constituição. A
Polícia Federal ganha poderes para combater as milícias, e a Polícia Rodoviária
Federal passa a atuar também em ferrovias e hidrovias. O texto final ainda não
foi apresentado e já enfrenta resistência de governadores e das corporações
policiais. Alinhadas ao bolsonarismo, elas divulgaram um manifesto com ataques
ao ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski.
O medo da violência tem empurrado eleitores
para o colo da extrema direita, como mostra o crescimento das bancadas da bala
no Congresso e nas assembleias. Elas apostam no populismo penal e no incentivo
à violência fardada. Em 2022, esse discurso também ajudou a eleger os
governadores de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.
Lula inaugurava um hospital no Ceará quando
testou o novo discurso sobre segurança. A menção aos roubos de celular não foi
casual. Esse tipo de crime explodiu nos últimos anos, e a oposição resgatou
falas antigas do presidente para desgastá-lo. Num dos cortes que mais circulam
nas redes, o petista critica a violência policial e diz que os jovens roubam os
aparelhos para “ganhar um dinheirinho”. A fala foi editada para sugerir que ele
se solidarizou com os ladrões, não com as vítimas.
O governo tem motivos para reclamar, mas
também dá munição aos adversários. Em dezembro de 2023, o Ministério da Justiça
lançou a plataforma Celular Seguro, que bloqueia telefones em caso de roubo ou
furto. A iniciativa rendeu elogios até do senador Flávio Bolsonaro, mas
esbarrou em falhas primárias. O programa foi apresentado em meio a um processo
de transição no ministério. Anunciado às vésperas do Natal, passou despercebido
pela maioria dos eleitores. Agora a nova equipe de comunicação do Planalto prepara
uma campanha publicitária para divulgá-lo — com quase um ano e meio de atraso.
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