domingo, 23 de março de 2025

Novo discurso, velho problema - Bernardo Mello Franco


O Globo

Na quarta-feira, Lula ensaiou uma guinada no discurso sobre segurança pública. Em tom mais duro que o habitual, o presidente prometeu “enfrentar o crime” e impedir que o país se transforme numa “república do ladrão de celular”. “O Estado é mais forte que os bandidos. E lugar de bandido não é na rua”, afirmou.

O petista costumava evitar esse tipo de retórica, associado ao campo da direita. Convenceu-se a mudar após pesquisas associarem a queda na popularidade do governo ao aumento da sensação de insegurança.

O tema sempre foi indigesto para a esquerda brasileira. Políticos progressistas falam muito em prevenção, mas resistem a apresentar planos de repressão à criminalidade. A hesitação tem frustrado eleitores que esperam soluções rápidas. De acordo com estudo recente da Fundação Perseu Abramo, até simpatizantes do PT consideram que o partido tem poucas propostas para a área.

Até aqui, o terceiro mandato de Lula tem contribuído com essa percepção. A promessa de recriar o Ministério da Segurança Pública, martelada na campanha de 2022, foi deixada pelo caminho. A PEC da Segurança repousa há nove meses numa gaveta da Casa Civil. Agora o Planalto garante que vai enviá-la ao Congresso no mês que vem.

A proposta amplia o papel da União no combate ao crime e incorpora o Sistema Único de Segurança Pública à Constituição. A Polícia Federal ganha poderes para combater as milícias, e a Polícia Rodoviária Federal passa a atuar também em ferrovias e hidrovias. O texto final ainda não foi apresentado e já enfrenta resistência de governadores e das corporações policiais. Alinhadas ao bolsonarismo, elas divulgaram um manifesto com ataques ao ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski.

O medo da violência tem empurrado eleitores para o colo da extrema direita, como mostra o crescimento das bancadas da bala no Congresso e nas assembleias. Elas apostam no populismo penal e no incentivo à violência fardada. Em 2022, esse discurso também ajudou a eleger os governadores de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.

Lula inaugurava um hospital no Ceará quando testou o novo discurso sobre segurança. A menção aos roubos de celular não foi casual. Esse tipo de crime explodiu nos últimos anos, e a oposição resgatou falas antigas do presidente para desgastá-lo. Num dos cortes que mais circulam nas redes, o petista critica a violência policial e diz que os jovens roubam os aparelhos para “ganhar um dinheirinho”. A fala foi editada para sugerir que ele se solidarizou com os ladrões, não com as vítimas.

O governo tem motivos para reclamar, mas também dá munição aos adversários. Em dezembro de 2023, o Ministério da Justiça lançou a plataforma Celular Seguro, que bloqueia telefones em caso de roubo ou furto. A iniciativa rendeu elogios até do senador Flávio Bolsonaro, mas esbarrou em falhas primárias. O programa foi apresentado em meio a um processo de transição no ministério. Anunciado às vésperas do Natal, passou despercebido pela maioria dos eleitores. Agora a nova equipe de comunicação do Planalto prepara uma campanha publicitária para divulgá-lo — com quase um ano e meio de atraso.

 

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