Correio Braziliense
Decisão do ministro Flávio Dino surge como um
alento que pode contribuir efetivamente para o ordenamento na utilização de
recursos hídricos e minerais
Num ano em que se discute como será o nosso
futuro, em como as mudanças climáticas já afetam a qualidade de vida no
planeta, uma decisão do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal
(STF), surge como um alento que pode contribuir efetivamente para o ordenamento
na utilização de recursos hídricos e minerais, e a efetiva e justa distribuição
de benefícios e pagamentos às populações indígenas pelo seu uso.
O ministro Flávio Dino determinou que as
comunidades indígenas afetadas pela construção da usina hidrelétrica de Belo
Monte, em Altamira (PA), devem receber 100% do valor repassado pela
concessionária à União como participação nos resultados do empreendimento.
Apesar de a decisão responder a uma ação específica, referente ao pagamento aos indígenas do Médio Xingu de participação nos resultados da UHE Belo Monte, a concessão de eficácia erga omnes à vista de possíveis casos similares extrapola o objeto da ação, podendo ser aplicado a outros aproveitamentos energéticos de recursos hídricos.
Mais ainda, a decisão, ao dar um prazo de 24
meses para que os artigos 176, § 1º e 231, §§ 3º e 6º da Constituição Federal
estejam regulamentados, aprovados e publicados, e não prever somente o seu
encaminhamento no âmbito do Congresso Nacional, acaba por suprir uma lacuna de
regulamentação de 37 anos!
A amplitude dessa decisão vai bem além de
reparar essa omissão, ao viabilizar a aplicação de instrumentos
importantíssimos para a proteção da natureza, assegurar os direitos indígenas e
contribuir no combate à ilegalidade e aos crimes praticados contra o meio
ambiente e os direitos das populações originárias.
A omissão legislativa verificada, quanto à
edição de leis reclamadas pelos artigos 176, § 1º, e 231, §§ 3º e 6º da
Constituição Federal (CF), impede que os povos indígenas recebam participação
nos resultados de empreendimentos hidrelétricos, como no caso de Belo Monte,
bem como de empreendimentos de lavra e pesquisa de recursos minerais, também
compreendidas nos artigos referenciados.
Essa regulamentação contribui para que a
Amazônia possa ser desenvolvida de forma justa e sustentável social, cultural e
ambientalmente, por proporcionar a devida retribuição a essas populações e
viabilizar a permanência em seus territórios, com as condições econômicas de se
fixarem, de produzirem e de progredirem.
Essa ocupação e uso do território e a
disponibilização de meios de manutenção e produção representam uma ferramenta
de prevenção à ocupação ilegal e irregular, e, portanto, de combate à grilagem,
ao desmatamento, ao garimpo ilegal, ao "narco garimpo" e à crescente
atuação de organizações criminosas.
Tais organizações criminosas operam o
financiamento, a logística e a lavagem de dinheiro em atividades irregulares,
como no garimpo ilegal, na grilagem de terras, na exploração madeireira ilegal
e no desmatamento, pressionando os territórios indígenas permanentemente. Com
as práticas atualmente verificadas, os povos indígenas ficam com pesados ônus,
sem benefícios, levando muitos a se associarem ao garimpo ilegal.
Configura, portanto, crime. Essencialmente,
quando se fala em desmatamento na Amazônia, estamos lidando com ilegalidade. A
exploração ilegal de ouro na Amazônia tem provocado a destruição da floresta e
de vidas, sobretudo de populações indígenas. Já as medidas adotadas para
reduzir o desmatamento, como demonstra a experiência, não prejudicaram a
produção agropecuária, a mineração ou outras atividades econômicas
regularizadas.
De acordo com o Instituto Igarapé, foi de
495% o crescimento da área ocupada pela mineração ilegal dentro de Terras
Indígenas na Amazônia entre 2010 e 2020; e 126 mil hectares de Floresta
Amazônica foram desmatados em 2021, um aumento de 65% na comparação com 2018,
segundo o MapBiomas.
A presente decisão, ainda a ser referendada
pelo Pleno, portanto, significa um marco em relação à indenização e
participação das populações indígenas nos resultados da exploração energética
de recursos hídricos e da lavra de recursos minerais, dando-lhes os meios para
a gestão dos seus territórios e para o seu desenvolvimento, com
sustentabilidade.
Em audiência com a ministra Marina Silva,
afirmamos que a regulamentação do artigo 231 da CF não é prioridade para a
mineração, mas para a floresta, a segurança da Amazônia, o Brasil e o
clima.
*Foi ministro da Defesa e da Segurança
Pública. Diretor-presidente do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram)
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