CartaCapital
O governo derrota o Congresso nas ruas e nas
redes no caso do IOF. Agora, tenta vencer a batalha no Supremo
Na quinta-feira 10, houve uma manifestação popular em São Paulo em defesa da taxação dos super-ricos. Tinha sido convocada pela Frente Povo Sem Medo, cujo rosto mais conhecido é o deputado Guilherme Boulos, do PSOL. Na manhã daquele dia, a Frente Parlamentar de Combate às Desigualdades, criada por iniciativa de Boulos em 2023, reunira-se no Congresso. Um documento apresentado ali pela Oxfam Brasil, entidade integrante de uma rede mundial de justiça fiscal, trazia uma arqueologia da injustiça tributária brasileira e destacava uma vergonha. Enquanto os 10% mais pobres gastam 32% da renda com impostos, o 0,1% mais rico desembolsa 10%. Claro, o peso da taxação do consumo é maior do que na renda e no patrimônio, ao contrário do que se vê no mundo rico. Eis uma das razões da pornográfica concentração de renda no País.
O presidente Lula e o ministro da Fazenda,
Fernando Haddad, abraçaram a causa
da justiça tributária, promessa eleitoral em 2022 que, convertida em
bandeira de governo, levou o PT a virar o jogo contra a oposição nas redes
sociais. O pivô da virada foi a queda de braço com o Congresso quanto à alta do
Imposto sobre Operações Financeiras. A batalha
do IOF segue inconclusa, porém, graças a uma liminar de 4 de julho do
ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal. No dia 15, governo e
Congresso sentarão frente a frente, por ordem do juiz, para tentar um acordo.
O espírito de Lula e da equipe econômica não
é de conciliar com o Legislativo, e sim de convencer o STF de que o decreto do
IOF, derrubado pelos parlamentares, tem de ser ressuscitado. “Não estou
participando de nenhuma mesa de negociação”, declarou o presidente na
segunda-feira 7, no Rio de Janeiro. “O Congresso resolveu fazer uma coisa, na
minha opinião, totalmente anticonstitucional.”
Moraes concorda. A alegação dos legisladores
para derrubar o decreto lulista era de que a norma é inconstitucional, embora
os motivos reais a movê-los tenham sido a defesa de endinheirados, a bronca com
a situação das emendas parlamentares – na mira da Polícia Federal e do próprio
STF – e a antecipação da eleição de 2026. O togado destacou o óbvio, ao anular
a decisão congressual. Cabe ao Supremo, e não a deputados e senadores,
resolver controvérsias constitucionais. Após a liminar, oito partidos ingressaram
na Corte com uma ação tal qual a sugerida pelo juiz. Entre eles, três estão no
alto escalão governamental. Detalhe: o PL de Jair Bolsonaro havia recorrido ao
STF em junho, embora tivesse proposto a derrubada parlamentar do decreto
presidencial.
Moraes estava em Lisboa ao dar a liminar
contra a derrubada. Participava do convescote anual de políticos, empresários e
magistrados organizado por um colega de Corte, Gilmar Mendes. Quem compareceu
ao evento diz que Moraes teve vários momentos com congressistas. Estava por lá
a orquestra da derrota imposta ao decreto lulista, como o presidente da Câmara,
Hugo Motta, o antecessor dele, Arthur Lira, e o senador Ciro Nogueira, chefe
do PP. Não surpreende que Moraes tenha, na mesma decisão de 4 de julho, barrado
a alta do IOF. Ao zerar o jogo, deu uma vitória ao Legislativo, ainda que
momentânea. A alta do tributo, por ora, deixou de existir. “Havendo fundada
dúvida sobre a finalidade da edição do decreto presidencial”, escreveu o
magistrado, “é importante analisar se houve ou não desvio de finalidade, com a
intenção arrecadatória.”
A disputa judicial opõe, de um lado, quem diz
que o governo tem poder legal para calibrar o IOF só com propósitos
regulatórios e, de outro, quem sustenta que o objetivo arrecadatório também
admite a norma. Haddad quer convencer Moraes de que a subida da arrecadação
será consequência de uma nova regulação. O decreto presidencial tinha alterado
o IOF em operações de previdência privada do tipo VGBL, na compra de dólares e
em antecipação de receitas empresariais. Nas três situações haveria distorções
de mercado atacadas com a nova regulação, segundo o governo.
Na noite da terça-feira 8, Haddad e a
ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, reuniram-se com Hugo
Motta e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre. Segundo relatos de quem
soube do que se passou na residência oficial do deputado, o ministro da Fazenda
insistiu que o decreto é adequado. Mais: lembrou que a controvérsia só existe
porque, no fim de 2023, o Congresso impediu a retomada, a partir de 2024, da
cobrança de contribuição patronal sobre a folha salarial. Depois de uma querela
que também chegou ao STF, a cobrança voltou em 2025, de forma gradual. Nada do
que Haddad falou foi música para os ouvidos de Motta e Alcolumbre.
Lula e a equipe econômica não estão dispostos
a conciliar com o Legislativo
“Existe essa prerrogativa (do presidente de
calibrar o IOF por decreto) e nas conversas com o Congresso nós estamos dizendo
isso”, afirmou o ministro em 10 de julho, em entrevista coletiva online da qual
CartaCapital participou.
O líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias,
acredita que o Congresso não aguentará o embate com o governo. Por dois
motivos: a Casa tem alta impopularidade de modo geral e leva adiante uma pauta
idem. Segundo pesquisa recente do instituto AtlasIntel, 90% dos brasileiros
confiam pouco ou nada no Legislativo. Em relação ao governo, são 48%. O
levantamento, registre-se, foi feito entre 27 e 30 de junho, antes de a ideia
“Congresso inimigo do povo” inundar as redes sociais no embalo do caso IOF.
A pauta de deputados e senadores tende a
reforçar a má vontade das ruas e das redes. Ao derrubar o veto de Lula numa
certa lei em junho, os parlamentares vão encarecer a conta de luz, e em um
momento em que o governo tenta barateá-la com uma Medida Provisória de isenção
total ou desconto parcial para 115 milhões de pessoas. Por iniciativa da cúpula
da Câmara, em junho nasceu um projeto que permite a congressistas acumularem
salário do mandato atual com aposentadoria por mandatos passados. Em 2018, uma
entidade internacional, a União Interparlamentar, havia constatado que só nos
EUA um legislador custava mais que no Brasil.
A despesa total com o Congresso ficará maior,
se virar lei um projeto aprovado pelos parlamentares e à espera de decisão de
Lula: a do aumento do número de deputados de 513 para 531. A proposta surgiu em
2023, por obra da deputada Dani Cunha, do União Brasil do Rio. Ela é filha do
famigerado Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara e mentor de Motta.
Lula, diz um colaborador, cogita vetar o
projeto ou não fazer nada. Nessa última hipótese, caberia ao Parlamento
promulgar o texto, após vencido o prazo para a decisão presidencial. Em junho,
a Casa promulgou uma lei sobre a qual Lula tinha decidido não decidir. Foi a
que instituiu o Dia da Amizade (12 de abril) entre Brasil e Israel. Alcolumbre,
que é judeu, promulgou-a, na condição de comandante do Congresso. Disse nos
últimos dias que repetirá a dose no caso do aumento do número de deputados.
Publicado na edição n° 1370 de CartaCapital,
em 16 de julho de 2025.
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