CartaCapital
Se o partido permitir o retorno da direita em
2026, a Era Lula terá uma despedida bastante melancólica
A vitória de Edinho Silva por ampla maioria para a presidência do PT e a ampliação do domínio da chapa moderada não são suficientes para debelar a crise interna do partido. O resultado foi até surpreendente ante o descontentamento e a prostração dos filiados, tanto com a legenda quanto com o governo. As divergências explicitadas na disputa entre as chapas são agudas e vão desde a problemática aliança com o chamado Centrão até o papel da militância e a importância das lutas socias em relação ao grande predomínio que o partido deu à luta institucional no século XXI.
Desde 2013, o PT foi perdendo a capacidade de
mobilização e de direção política. O distanciamento entre militância e comando
partidário também foi aumentando. Sob a gestão de Gleisi Hoffmann, a legenda
sofreu a maior desmobilização da sua história. Criou-se aquela situação
clássica: os dirigentes agem como generais sem exército, e a militância foi
reduzida à condição de exército sem generais.
Nesse período de 12 anos, o petismo sofreu
suas maiores derrotas: a perda das ruas e da capacidade convocatória, o impeachment
de Dilma Rousseff, a prisão de Lula, as reformas regressivas no governo Temer,
a vitória de Bolsonaro em 2018, o amadorismo e improvisação na posse de Lula no
início de 2023, resultando na tentativa de golpe, o fracasso nas eleições
municipais de 2024 e um terceiro governo Lula marcado como uma fábrica de
crises (ajuste fiscal, Pix, INSS, IOF).
As crises do PT e do
governo Lula se entrelaçam. O partido nunca soube definir seu papel
como algo diferente do governo. Não para criticá-lo ou deixar de apoiá-lo. O
petismo nunca conseguiu entender o jogo de ambivalências de ambiguidades de que
são constituídos a política e o poder. Se o governo precisa negociar e conceder
aqui e ali, o partido precisaria permanecer numa posição de combate, nunca se
permitir a defensiva política.
A incapacidade de discernir papéis, de ler as
conjunturas, fez com que o PT caísse na esparrela do discurso da despolarização
num país polarizado pela extrema-direita. O petismo e as esquerdas não foram
capazes de derrotar politicamente o bolsonarismo. Assim, não se ajudaram a si
mesmas e prejudicaram o governo.
Lula, não há dúvida, precisa fazer alianças
para governar. Ocorre que, ao invés de dirigir as forças políticas, tornou-se
dirigido por elas. Criou um ministério que é um mero arranjo somatório de
partidos e de interesses, sem direção e comando. O próprio governo funciona de
forma desorganizada, com iniciativas que mais promovem crises do que
governabilidade.
É certo também que parte da crise do governo
e do PT se conecta com a crise mais geral das esquerdas. Confusas
programaticamente, as esquerdas não entenderam as mudanças do nosso tempo e
suas consequências, estão despossuídas de narrativas persuasivas, perderam a
iniciativa política e a capacidade de disputar as subjetividades. Perderam as
redes e as ruas. São vistas como parte das crises das democracias ocidentais.
É certo que o governo Lula tem alguns bons
programas que vão da economia ao meio ambiente. Mas estão escondidos,
desarticulados, não representam um projeto para o Brasil. O que se tem é um
governo sem marcas e um partido sem bandeiras. Ao contrário do governo chinês,
que ergueu da crise ambiental a marca da “Civilização Ecológica”, Lula 3 parece
ostentar, aos olhos de muitos ativistas, um ecologismo de fachada.
A nova direção do PT e Edinho Silva têm
enormes desafios conjugados. O mais imediato é contribuir e exigir que o
governo saia da confusão e da prostração para que Lula recupere popularidade. É
o contrapeso necessário que pode redefinir as relações com o Congresso.
O segundo desafio consiste em construir,
desde já, uma estratégia para 2026, que contemple as eleições estaduais, as
disputas para a Câmara e o Senado e a corrida presidencial. Enquanto o
bolsonarismo está numa espécie de pré-campanha, Lula e os partidos de esquerda
estão paralisados.
O terceiro desafio está implicado na
necessidade de Lula organizar o governo, criando um comando político eficiente,
deixando de ouvir apenas a cozinha do Planalto. Esse comando, juntamente com
Lula, precisa dar uma direção e um sentido ao governo, fazendo com que ele se
torne o centro gravitacional da política do País. A situação está tão confusa
que Arthur Lira aparece como o “estadista” que articula uma saída para a crise
do IOF e do problema fiscal.
A nova direção do PT, juntamente com o
governo e os demais partidos de esquerda, tem o enorme desafio e a
irrenunciável responsabilidade de impedir que a direita volte ao comando do
País em 2026. Se fracassar nessa missão, será uma despedida melancólica da Era
Lula. E os longos anos de governos petistas serão marcados mais pelo fracasso
do que pelo êxito.
Publicado na edição n° 1370 de CartaCapital,
em 16 de julho de 2025.
Nenhum comentário:
Postar um comentário