sábado, 12 de julho de 2025

Os desafios do PT - Aldo Fornazieri

CartaCapital

Se o partido permitir o retorno da direita em 2026, a Era Lula terá uma despedida bastante melancólica

vitória de Edinho Silva por ampla maioria para a presidência do PT e a ampliação do domínio da chapa moderada não são suficientes para debelar a crise interna do partido. O resultado foi até surpreendente ante o descontentamento e a prostração dos filiados, tanto com a legenda quanto com o governo. As divergências explicitadas na disputa entre as chapas são agudas e vão desde a problemática aliança com o chamado Centrão até o papel da militância e a importância das lutas socias em relação ao grande predomínio que o partido deu à luta institucional no século XXI.

Desde 2013, o PT foi perdendo a capacidade de mobilização e de direção política. O distanciamento entre militância e comando partidário também foi aumentando. Sob a gestão de Gleisi Hoffmann, a legenda sofreu a maior desmobilização da sua história. Criou-se aquela situação clássica: os dirigentes agem como generais sem exército, e a militância foi reduzida à condição de exército sem generais.

Nesse período de 12 anos, o petismo sofreu suas maiores derrotas: a perda das ruas e da capacidade convocatória, o ­impeachment de Dilma Rousseff, a prisão de Lula, as reformas regressivas no governo Temer, a vitória de Bolsonaro em 2018, o amadorismo e improvisação na posse de Lula no início de 2023, resultando na tentativa de golpe, o fracasso nas eleições municipais de 2024 e um terceiro governo Lula marcado como uma fábrica de crises (ajuste fiscal, Pix, INSS, IOF).

As crises do PT e do governo Lula se entrelaçam. O partido nunca soube definir seu papel como algo diferente do governo. Não para criticá-lo ou deixar de apoiá-lo. O petismo nunca conseguiu entender o jogo de ambivalências de ambiguidades de que são constituídos a política e o poder. Se o governo precisa negociar e conceder aqui e ali, o partido precisaria permanecer numa posição de combate, nunca se permitir a defensiva política.

A incapacidade de discernir papéis, de ler as conjunturas, fez com que o PT caísse na esparrela do discurso da despolarização num país polarizado pela extrema-direita. O petismo e as esquerdas não foram capazes de derrotar politicamente o bolsonarismo. Assim, não se ajudaram a si mesmas e prejudicaram o governo.

Lula, não há dúvida, precisa fazer alianças para governar. Ocorre que, ao invés de dirigir as forças políticas, tornou-se dirigido por elas. Criou um ministério que é um mero arranjo somatório de partidos e de interesses, sem direção e comando. O próprio governo funciona de forma desorganizada, com iniciativas que mais promovem crises do que governabilidade.

É certo também que parte da crise do governo e do PT se conecta com a crise mais geral das esquerdas. Confusas programaticamente, as esquerdas não entenderam as mudanças do nosso tempo e suas­ consequências, estão despossuídas de narrativas persuasivas, perderam a iniciativa política e a capacidade de disputar as subjetividades. Perderam as redes e as ruas. São vistas como parte das crises das democracias ocidentais.

É certo que o governo Lula tem alguns bons programas que vão da economia ao meio ambiente. Mas estão escondidos, desarticulados, não representam um projeto para o Brasil. O que se tem é um governo sem marcas e um partido sem bandeiras. Ao contrário do governo chinês, que ergueu da crise ambiental a marca da “Civilização Ecológica”, Lula 3 parece ostentar, aos olhos de muitos ativistas, um ecologismo de fachada.

A nova direção do PT e Edinho Silva têm enormes desafios conjugados. O mais imediato é contribuir e exigir que o governo saia da confusão e da prostração para que Lula recupere popularidade. É o contrapeso necessário que pode redefinir as relações com o Congresso.

O segundo desafio consiste em construir, desde já, uma estratégia para 2026, que contemple as eleições estaduais, as disputas para a Câmara e o Senado e a corrida presidencial. Enquanto o bolsonarismo está numa espécie de pré-campanha, Lula e os partidos de esquerda estão paralisados.

O terceiro desafio está implicado na necessidade de Lula organizar o governo, criando um comando político eficiente, deixando de ouvir apenas a cozinha do Planalto. Esse comando, juntamente com Lula, precisa dar uma direção e um sentido ao governo, fazendo com que ele se torne o centro gravitacional da política do País. A situação está tão confusa que Arthur Lira aparece como o “estadista” que articula uma saída para a crise do IOF e do problema fiscal.

A nova direção do PT, juntamente com o governo e os demais partidos de esquerda, tem o enorme desafio e a irrenunciável responsabilidade de impedir que a direita volte ao comando do País em 2026. Se fracassar nessa missão, será uma despedida melancólica da Era Lula. E os longos anos de governos petistas serão marcados mais pelo fracasso do que pelo êxito.

Publicado na edição n° 1370 de CartaCapital, em 16 de julho de 2025.


Nenhum comentário: