quarta-feira, 16 de julho de 2025

O gasto público no Brasil é eficiente? - Benito Salomão*

Correio Braziliense

Economistas defendem que o país precisa avançar na pauta fiscal, revendo gastos sociais (saúde e educação), congelando salários. Mas não há consenso na opinião pública quanto a essa agenda

Recentemente, o Instituto Datafolha publicou uma sondagem sobre a aplicação dos recursos públicos. A pesquisa traz alguns insights importantes acerca da atuação do governo. No tocante aos resultados, 47% dos entrevistados responderam que "os recursos públicos são suficientes, porém mal aplicados em serviços para a população". Outros 32% responderam que os "recursos são insuficientes e mal aplicados". Para 8%, os "recursos são suficientes e bem aplicados", e outros 9% consideram os "recursos insuficientes e bem aplicados".

Duas dimensões filosóficas podem ser extraídas dos dados dessa pesquisa.  A primeira delas diz respeito ao tamanho relativo do Estado na economia. Repare que 39% dos entrevistados indicam que os recursos são insuficientes e que há espaço para aumentar o tamanho do governo na economia. Já no que se refere à segunda dimensão, ela remete à eficiência do gasto público. Sobre isso, parece haver um pouco mais de consenso, já que 89% dos respondentes consideram os recursos públicos mal aplicados.

Esses resultados trazem elementos de economia política relevantes para o debate. Diariamente, lê-se na imprensa a opinião de economistas defendendo que o país precisa avançar na pauta fiscal, revendo desindexações de pisos constitucionais de gastos sociais (saúde e educação), congelando salários, revendo desonerações, entre outras pautas. Tais opiniões, embora bem-vindas, desconsideram que, em se tratando de regimes democráticos, o tamanho relativo do governo é fruto de pactos políticos formalizados em constituições e revisitados frequentemente via eleições ou via processo legislativo.

Pelos dados da supracitada pesquisa, não há consenso na opinião pública quanto a essa agenda defendida por uma parte dos economistas. Já que quase 40% dos entrevistados creem que os recursos são insuficientes, existe margem para que o governo aumente de tamanho. A outra dimensão filosófica parece reunir um pouco mais de consenso, visto que cerca de 90% dos entrevistados consideram os recursos públicos "mal aplicados". Mas afinal, como aferir eficiência na provisão de bens públicos? Sobre isso os economistas têm um pouco mais a contribuir.

Nas últimas décadas, uma conjunção de fatores, como construção de bases de dados sobre os mais variados tópicos, somados à evolução da capacidade computacional e ao desenvolvimento de métodos econométricos capazes de aferir nexos causais, permitiu a ampliação do escopo de atuação da pesquisa em economia. De lá para cá, o prestígio da chamada microeconomia aplicada, dentro da qual se encontra a agenda de avaliação de políticas públicas, ganhou notoriedade e prestígio na comunidade científica.

Não é de interesse deste artigo apontar a eficiência ou ineficiência de alguma política pública específica. O objetivo aqui é se ater a algumas questões teórico-filosóficas sobre elas. Nos capítulos 4 e 5 de Public finance in theory and practice, Richard e Peggy Musgrave constroem a teoria dos bens públicos, que são caracterizados pela não exclusibilidade e/ou não rivalidade no acesso pelos consumidores. Em outras palavras, diferentemente dos bens privados, cuja oferta é guiada pelo sistema de preços e o pagamento de um determinado produto por um consumidor exclui o acesso de outros consumidores no consumo desse mesmo, o que acarreta uma "concorrência" pela aquisição desses bens, no caso dos bens públicos, o acesso de um consumidor não exclui o acesso de outro ao mesmo bem.

Em termos práticos, pense no serviço de iluminação pública. Não é possível ao poste iluminar apenas a calçada do consumidor que pagou por isso, a iluminação é pública e deverá iluminar a calçada de todos que passam pela rua. Essa natureza não excludente dos bens públicos produz um incentivo adicional que é conhecido na literatura como o problema do "carona". Em resumo, se um consumidor pode ter acesso a um bem sem concorrer com outro consumidor, é possível que haja o incentivo para não contribuir, pelo menos diretamente, com o seu financiamento, esperando que o outro contribua.

Daí, surge um problema adicional: trata-se da propensão natural ao "congestionamento" da oferta de bens públicos. Isso é, se todos podem ter acesso simultâneo a um bem sem contribuir diretamente para a sua oferta, o acesso a esse bem público, ainda que não excludente (no sentido de que o próximo consumidor sempre terá também acesso), passa a ser rivalizado por um número relevante de consumidores, fazendo com que todos tenham sua utilidade reduzida no acesso.

Por fim, repare que o congestionamento de bens públicos universais, embora esteja associado à queda na utilidade do usuário relativo ao seu consumo, não é a mesma coisa que ineficiência. A eficiência pode ser avaliada por outras métricas, enquanto o congestionamento é uma consequência natural da provisão de bens que, em sua essência, são não excludentes e não rivais.

*Professor do Instituto de Economia e Relações Internacionais e do Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de Uberlândia

 

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