quarta-feira, 16 de julho de 2025

Bolsonaro acima de tudo - Wilson Gomes

Folha de S. Paulo

Toda a camuflagem ideológica em uso sempre escondeu de modo sofrível a única coisa que eles buscam, seus interesses

Se existe um talento dos Bolsonaros que não se pode negar, é a grande habilidade de usar pessoas e instituições em benefício exclusivo da família. E não importam os riscos ou consequências envolvidas, pois a responsabilidade e os efeitos sempre recaem sobre os ombros de terceiros, jamais sobre eles.

A lista dos que se prestaram a essa função —convencidos de que se tratava de defender princípios ou lutar por um propósito nobre— é enorme.

Usaram Sara Winter para ameaçar e intimidar o Supremo, assim como depois utilizaram, sem escrúpulos, Sérgio Reis, Zé Trovão e os caminhoneiros que aderiram ao movimento bolsonarista.

O objetivo? Fazer com que o Supremo deixasse de ser um obstáculo à vontade arbitrária de Jair Bolsonaro, que sempre teve certeza de que o fato de ter vencido uma eleição presidencial lhe dava o direito de moldar o país conforme seus interesses e apetites, sem ser incomodado por normas e freios constitucionais.

Recentemente, um relatório da Polícia Federal mostrou que recorreram à mesma estratégia com integrantes das Forças Armadas, envolvidos num esquema que, no fim das contas, buscava apenas manter Jair Bolsonaro no comando do país a qualquer custo. Nem que, para isso, fosse necessário intimidar e assediar o Supremo, ou mesmo assassinar juízes da Suprema Corte e autoridades eleitas, executar um golpe de Estado e provocar uma guerra civil —como está documentado.

Nem seria preciso mencionar o uso inescrupuloso da boa-fé dos mais fervorosos seguidores, convencidos pelo círculo íntimo de Bolsonaro de que o caminho para perpetuá-lo no poder passava por meter o pé na porta dos três Poderes e demonstrar que, ou se anulava o resultado das eleições, ou o povo arrebentaria tudo. O bem da família sempre esteve na equação; o bem do país nunca passou de álibi e disfarce.

É da natureza deles. Os Bolsonaros usam quem quer que se preste ao seu projeto de poder familiar ou, complementarmente, quem se disponha a remover os obstáculos naturais que uma República impõe ao arbítrio. Toda a camuflagem ideológica —de homens conservadores de direita, protetores da livre iniciativa, última linha de defesa contra a esquerda— sempre escondeu muito mal, exceto para os fanáticos da seita, a única coisa que buscaram: os interesses do clã.

Congresso, Constituição, instituições do Estado, eleições, Suprema Corte, jornalismo e até a lei: tudo o que atravessa o caminho da família precisa ser removido. O grande dom dos Bolsonaros consiste precisamente em sempre encontrar quem se disponha a servir a essa ambição.

Se isso tudo é fato, por que teriam escrúpulos de recorrer a um poder estrangeiro contra a própria pátria? Eduardo Bolsonaro, o embaixador do bolsonarismo no "Trumpistão", se vangloria do feito sem qualquer constrangimento. Afinal, que mal poderia haver em sacrificar a economia do estado brasileiro que o elegeu o deputado mais votado do país, se a anistia a Jair Bolsonaro é o prêmio pretendido? Dane-se mil vezes São Paulo, pouco importa a indústria e o agronegócio brasileiros, a liberdade de Bolsonaro vale muito mais que tudo.

O que dizer aos empresários, homens de negócios e cidadãos comuns que acreditaram na história do "Brasil acima de tudo, Deus acima de todos"? Ora, o mesmo que se pode dizer a todos os que serviram aos Bolsonaros e foram abandonados à própria sorte quando já não lhes eram úteis: vocês vão pagar o pato. O lema verdadeiro deles sempre foi "primeiro a nossa família". O resto é enganação para obter massa de manobra.

Se nem a possibilidade de uma segunda "bomba atômica" americana de retaliações sobre o país pode ser desconsiderada, caso resistamos à chantagem política que é premissa do tarifaço de Trump —como ameaçou o senador Flávio Bolsonaro—, que dirá desemprego e quebra de empresas. Lembremos que, no recente plano de golpe de Estado —apurado e descrito pela Polícia Federal—, as esperadas mortes de civis e a convulsão social foram marcadas como "dano colateral aceitável".

A economia era mais importante do que a vida das pessoas durante a pandemia, lembram? Só que, ante a liberdade e os interesses de Bolsonaro, até ela se torna secundária e irrelevante.

"Papai é a nossa pátria", diriam, se fossem honestos com os que ainda os seguem. Não há, portanto, projeto mais nobre do que manter papai no poder, nem propósito mais sublime para o país do que livrar papai da cadeia. Quanto isso custará às pessoas e ao país não importa: é dano colateral aceitável. Afinal, primeiro eles, depois eles. E depois deles? Eles de novo.

 

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