quarta-feira, 16 de julho de 2025

PGR mostra confiança nas provas sobre trama golpista e inflexão em relação ao lavajatismo- Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Nas alegações finais contra Bolsonaro, Paulo Gonet quis mostrar que MPF não dependeu da delação

O capítulo mais surpreendente da manifestação de Paulo Gonet nas alegações finais da trama golpista é aquele em que o procurador-geral da República aponta as inconsistências da delação do ex-ajudante de ordens da Presidência da República, coronel Mauro Cid, e pede a redução dos benefícios dela decorrentes.

Gonet reitera a confiança no próprio taco. Expõe as inconsistências da delação porque acredita que a denúncia da Procuradoria-Geral da República se sustenta quase integralmente nas provas produzidas ao longo da reconstituição dos fatos no inquérito — mensagens de celular, registros de reuniões, documentos, “lives” e depoimentos de testemunhas.

Além disso, a manifestação do PGR também marca a inflexão do Ministério Público Federal em relação ao que aconteceu na Lava-Jato, processo muito impactado por delações que, mais tarde, não se mostraram completamente íntegras.

No documento, Gonet diz que Cid teve “um comportamento contraditório, marcado por omissões e resistência ao cumprimento integral das obrigações pactuadas”. Defende ainda que os benefícios do delator levem em conta não apenas sua contribuição para o esclarecimento dos fatos, mas também “o grau de lealdade demonstrado ao longo do procedimento”.

A colaboração premiada de Mauro Cid foi fechada pela Polícia Federal e homologada pelo ministro Alexandre de Moraes em setembro de 2023. O PGR defende que a redução da pena seja fixada no patamar mínimo definido em lei. Ou seja, a um terço, e não a dois terços como previa o acordo de delação. Afasta ainda a concessão de perdão judicial e a conversão automática da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos originalmente previstos.

Ainda que reconheça a importância da delação para a reconstituição da estrutura hierárquica e a divisão de tarefas da organização criminosa, além do esclarecimento dos fatos sob investigação, vê “indícios de condutas possivelmente incompatíveis com o dever de boa-fé objetiva, consistentes, em grande parte, nas omissões do réu quanto a fatos relevantes”.

A primeira conduta indevida apontada é aquela trazida pelos áudios publicados pela “Veja” em março de 2024 em que Mauro Cid ataca Moraes e a PF e repassa informações sigilosas de sua delação a terceiros numa provável obstrução de justiça.

Além disso, Gonet demonstra como Mauro Cid teve um papel mais ativo do que aquele inicialmente reconhecido em reuniões ocorridas entre 12 e 28 de novembro de 2022, inclusive na preparação da operação “Punhal Verde Amarelo”, que tramou a eliminação do atual presidente da República e de seu vice, além de Moraes. Cid acabaria por fazer uma retificação de seu depoimento.

O documento traz ainda a resistência de Cid em reconhecer a participação nos eventos sob investigação a despeito das provas colhidas nesse sentido. O comportamento, diz Gonet, caracteriza o “caráter ambíguo da conduta do colaborador, que, por vias paralelas, buscava auferir benefícios premiais e restabelecer canais de interlocução com os demais corréus”.

Com os benefícios mitigados advogados por Gonet, Mauro Cid pode acabar voltando à prisão uma vez que os crimes que lhe são imputados somariam penas de 43 anos. A extrema-direita provará o sabor do seu punitivismo. Foi no governo Bolsonaro, por iniciativa do então ministro da Justiça, Sergio Moro, hoje senador pelo União Brasil do Paraná, que o pacote anticrime elevou de 30 para 40 anos o limite de pena de prisão a ser cumprida no Brasil.

 

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