sábado, 5 de julho de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Toffoli tornou a conta da fraude no INSS ainda maior

O Globo

Além de contribuinte arcar com custo da roubalheira, exclusão dos gastos do arcabouço deteriora contas públicas

É justo que os aposentados e pensionistas lesados no escândalo do INSS sejam ressarcidos dos descontos indevidos. Mas foi um erro o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, ter autorizado que a despesa fique fora dos limites do arcabouço fiscal — como se não representasse mais gastos para um governo que se revela incapaz de controlar suas despesas. Na quinta-feira, ele homologou o acordo de ressarcimento proposto pelo governo federal. Embora a decisão tenha efeito imediato, ainda será analisada pelo plenário da Corte.

A estimativa do Planalto é que a devolução comece de forma escalonada em 24 de julho, para 1,5 milhão de beneficiários que sofreram descontos não autorizados entre março de 2020 e março de 2025, com valores corrigidos pela inflação. O INSS diz ter recebido 3,6 milhões de contestações de segurados. Em 2,16 milhões, os sindicatos e entidades associativas acusados das fraudes nem sequer responderam, por isso o ressarcimento será imediato. Em 828 mil casos, as entidades apresentaram documentos que dizem comprovar a autorização, mas há denúncias de que essa documentação também pode ter sido fraudada, por isso ela está sob análise.

Não se sabe o total da devolução. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, estima que fique em R$ 2 bilhões. Não está claro também de onde virão os recursos. A Advocacia-Geral da União (AGU) pediu à Justiça o bloqueio de bens de entidades e responsáveis acusados das fraudes. A operação da Polícia Federal que expôs a roubalheira apreendeu carros de luxo, joias, quadros e outros bens. Mas decerto não serão suficientes para cobrir o ressarcimento e, ainda que fossem, seu uso com esse fim dependeria de processos morosos, enquanto a devolução aos lesados tem de ser imediata.

Os aposentados são os únicos inocentes na história. Muitos nem tinham noção dos descontos ilegais. Segundo as investigações, as entidades associativas fraudaram documentos para justificar os descontos, e o INSS foi logrado. Isso aconteceu desde antes de 2019, mas ganhou vulto no governo Luiz Inácio Lula da Silva, quando sindicatos inescrupulosos se sentiram à vontade para aproveitar o esquema. Não dá para dizer que o governo tenha sido surpreendido. São inúmeros os relatos de que autoridades foram alertadas sobre o comportamento atípico dos descontos associativos, que cresciam havia anos sem explicação. A despeito dos avisos, o INSS não agiu para interromper o descalabro. O escândalo levou à queda do ministro da Previdência, Carlos Lupi, e do então presidente do INSS, Alessandro Stefanutto.

As demissões não resolvem o rombo no bolso dos aposentados, por isso é justo que o governo — responsável final pelo processamento e pagamento de pensões e aposentadorias — providencie a devolução. Mas o Planalto deveria tirar o dinheiro de outras despesas. Infelizmente, a resistência do governo a promover cortes ou adotar medidas estruturais que contenham os gastos públicos leva à tentativa de excluir todo tipo de despesa extraordinária das regras fiscais. Com sua decisão, Toffoli endossa a incúria. Como não dispõe de recursos — dentro ou fora do arcabouço —, o Tesouro terá de ir ao mercado tomar mais dinheiro emprestado, pressionando juros já nas alturas. Os contribuintes acabarão arcando com o custo da roubalheira duas vezes: no ressarcimento e na dívida mais alta.

Decisão de Moraes traz oportunidade para resolver conflito em torno do IOF

O Globo

Ao suspender decretos do Executivo e do Legislativo, ministro abre caminho para pacificação entre os dois Poderes

Foi sensata a decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), no impasse envolvendo Palácio do Planalto e Congresso Nacional em torno do aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). Em despacho publicado nesta sexta-feira, Moraes determinou a suspensão dos decretos do Executivo elevando alíquotas do imposto e do Legislativo revogando as medidas. O IOF permanece como antes do aumento.

O maior mérito da decisão é contribuir para apaziguar os ânimos no confronto entre os Poderes. A escalada institucional só prejudica o Brasil. Moraes designou uma audiência de conciliação para o próximo dia 15, com as presidências da República, do Senado, da Câmara, além de Procuradoria-Geral da República, Advocacia-Geral da União (AGU) e partes envolvidas. Somente depois dessa audiência ele analisará se mantém a liminar, que ainda será submetida ao plenário da Corte.

Moraes agiu corretamente ao adotar o melhor caminho para superar o impasse: a conciliação. O vaivém do IOF, disse ele, causou “indesejável embate entre as medidas do Executivo e do Legislativo”. O recado parece ter surtido efeito. O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), elogiou a decisão, dizendo que ela “evita o aumento do IOF em sintonia com o desejo da maioria do plenário da Câmara dos Deputados e da sociedade”. Afirmou ainda estar aberto ao diálogo. O advogado-geral da União, Jorge Messias, afirmou valorizar a proposta.

A relação entre Executivo e Legislativo se deteriorou depois que a Câmara derrubou o decreto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva aumentando o IOF. O governo pretendia arrecadar R$ 10 bilhões com a iniciativa e não esperava tal reação, com voto contrário de vários parlamentares da base aliada. A resposta foi pior: a AGU entrou com ação no Supremo pedindo que o decreto fosse declarado constitucional. O Legislativo viu a atitude como afronta.

Em meio ao clima beligerante, as redes sociais foram inundadas de vídeos com o objetivo de atacar o Congresso, em especial Motta. Diante da crise, a ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, o líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (PT-AP), e o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), tiveram de vir a público repudiar os ataques.

Não interessam ao Brasil esses confrontos, principalmente quando agravados pela guerra suja que antecipa o clima eleitoral. O país atravessa uma crise fiscal crítica. Qualquer saída pra a crise precisa ser pensada em conjunto. Planalto, Câmara e Senado deveriam articular medidas sensatas para tirar o país do buraco. Aumentar impostos não é uma delas. A sociedade já está sobrecarregada de tributos. Moraes apontou o caminho viável e, mais que isso, demonstrou que o Judiciário também sabe ser comedido quando necessário. Executivo e Legislativo já conseguiram feitos notáveis em conjunto, como a aprovação da reforma tributária, empacada havia décadas. Para haver convergência, só é preciso que os Poderes demonstrem disposição política e abertura ao diálogo.

Agruras da política externa de Lula

Folha de S. Paulo

Brasil evita diálogo com Milei e cúpula do Brics se esvazia; diplomacia expõe cacoete ideológico e ignora cenário global

A esquiva de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao diálogo com o argentino Javier Milei, como se viu na reunião de cúpula do Mercosul na quinta (3), não é de interesse do país.

Tal comportamento não é um ponto fora da curva da política externa brasileira, que agora tem pela frente um encontro do Brics esvaziado de lideranças neste final de semana no Rio de Janeiro.

Seria difícil imaginar diretriz coerente para a diplomacia do país após os dois mandatos problemáticos de Lula na seara internacional. A reedição da política "ativa e altiva" poderia ao menos levar em conta a conjuntura mundial diversa e munir-se de prudência. Não é o que acontece.

Lula deixou Buenos Aires sem ao menos uma conversa reservada com Milei, sabidamente resistente ao diálogo. Preferiu afrontar o anfitrião com uma visita a sua aliada de longa data, a ex-presidente Cristina Kirchner, ícone da oposição peronista que cumpre pena em prisão domiciliar após ser condenada por gestão fraudulenta em novembro.

A afonia bilateral só fomenta a discórdia entre as duas economias mais integradas da região. Na cúpula, o Brasil pode ter contentado a Casa Rosada ao acatar a ampliação da lista de exceções da união aduaneira. Mas faltou entendimento sobre a incerta preservação da Argentina no bloco.

Na condição de presidente do Mercosul neste semestre, Lula não facilita o cumprimento da promessa de efetivar o acordo comercial com a União Europeia. A fragilidade da união aduaneira e a ameaça de debandada de Buenos Aires podem municiar os europeus contrários ao tratado.

Menos promissora mesmo parece a reunião do Brics, fórum criado com ajuda do empenho do petista a partir de uma perspectiva ideológica obsoleta baseada em antiamericanismo. Não à toa, o grupo é visto como antagonista ao Ocidente.

O cenário convulsivo no Oriente Médio e descompassos nas agendas podem justificar o esvaziamento —além, é claro, da ordem internacional de prisão contra o russo Vladimir Putin. Não explicam, porém, a ausência de Xi Jinping. A China, maior economia do bloco, prioriza neste momento a contenção de atritos comerciais com os Estados Unidos.

Não passa despercebida a complacência do Brasil com Moscou —incoerente com sua condenação à invasão russa da Ucrânia— e com o Irã, teocracia que desafia a aversão brasileira à proliferação de armas nucleares.

Tampouco são ignoradas a crescente diluição do diálogo com os EUA e a resistência em recompor relações com Israel, canal indispensável até mesmo para atuar em favor dos palestinos.

Não deixa de ser sintomático que o Itamaraty tenha caído no ridículo, nesta semana, de contestar formalmente um texto da revista britânica The Economist sobre a distância entre as ambições da política externa de Lula e sua real importância no mundo. É exatamente o que está sendo demonstrado agora.

Sensatez de Barroso

Folha de S. Paulo

À Folha, presidente do STF aponta que excesso de proteção prejudica trabalhadores quando impede criação de vagas formais

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, dá mostra de sensatez ao apontar a necessidade de adaptar a legislação trabalhista às transformações tecnológicas e sociais, sem perder de vista a proteção aos trabalhadores.

Em entrevista ao C-Level, videocast da Folha, o magistrado argumentou que a figura do empregado celetista, com jornada de oito horas, carteira assinada e benefícios tradicionais não é a única realidade. Cumpre considerar outras modalidades, casos do empreendedorismo individual e de empregos temporários, que exigem contratos mais flexíveis.

reforma trabalhista de 2017, chancelada pelo STF, foi um marco nesse processo. Embora não se possa afirmar causalidade plena, é digno de nota que tem se mantido robusta a criação de empregos —graças também, é claro, ao bom ritmo de crescimento econômico após a pandemia. A taxa de desocupação, de 6,2%, está nos menores patamares da série iniciada em 2012.

Tal contexto sugere que a flexibilização de regras, como a permissão da terceirização em atividades-fim e a regulamentação do trabalho intermitente, contribuiu para a geração de empregos.

Barroso, com razão, defende que a terceirização regulamentada e fiscalizada é preferível a práticas informais que operam à margem da lei. E também reconhece que o excesso de proteção, por bem intencionada que seja, pode desproteger quando impede a criação de vagas formais.

Em vez de retroceder a normas arcaicas, o desafio é como oferecer seguridade a trabalhadores de plataformas digitais, como motoristas de aplicativos e entregadores, e outras atividades com relação contratual mais fluida.

Há sempre duas variáveis nessa equação —empresas que agem de má-fé e portanto devem ser penalizadas, de um lado, e do outro a indústria de processos que infelizmente ainda tem guarida excessiva na Justiça do Trabalho.

A alta litigiosidade nessa área, com 3,45 milhões de ações em 2024, mesmo depois da reforma, eleva custos para empregadores e desincentiva contratações formais. Medidas como a homologação judicial de acordos de rescisão celebrados pelas partes buscam reduzir controvérsias, protegendo bons empregadores e promovendo segurança jurídica.

O aperfeiçoamento da legislação precisa continuar, sem abrir mão de proteções fundamentais e em busca de solucionar questões como a contribuição à Previdência Social. Velhos tabus dos primórdios da octogenária CLT, felizmente, vão sendo superados.

Não há paz fora do império da lei

O Estado de S. Paulo

Tarcísio erra ao defender, em nome da ‘pacificação’, a anistia aos golpistas eventualmente condenados. A paz só existe quando os que atentam contra a democracia são devidamente punidos

O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), decidiu comparecer à mais recente manifestação convocada por Jair Bolsonaro sob o mote “Justiça já”. Não nos interessa aqui comentar a conveniência política do sr. governador, que decerto tem suas razões para, mais uma vez, deixar-se associar a um réu em ação penal que, se condenado pelos gravíssimos crimes dos quais é acusado pela Procuradoria-Geral da República (PGR), pode passar muito tempo atrás das grades. Bem mais importante é apontar para a falaciosa associação feita por Tarcísio de Freitas entre o ideal de paz e uma eventual anistia aos golpistas.

Do alto do carro de som na Av. Paulista, no dia 29 passado, o governador de São Paulo afirmou que estava ali para “pedir anistia e pacificação”. Sob aplausos de uma base bolsonarista escassa, porém radicalizada, Tarcísio de Freitas vocalizou a retórica da conciliação nacional. Na prática, contudo, o que defendeu foi a impunidade para todos os que, segundo a PGR, teriam tramado um golpe de Estado em 2022 que previa até o assassinato do então presidente eleito, Lula da Silva, entre outras autoridades. Se esse comportamento se alinha às pretensões eleitorais do governador, o tempo irá dizer. Para a biografia de quem pretende ser visto como um genuíno democrata, porém, o sinal emitido não poderia ser pior.

Desde o início da Ação Penal 2.668, no Supremo Tribunal Federal (STF), a defesa da anistia passou a ser instrumentalizada por aqueles que buscam apagar os fatos que precederam o infame 8 de Janeiro. Sob a aparência de um gesto nobre, magnânimo, esconde-se uma manobra perigosa para encobrir o real objetivo de seus defensores: a impunidade dos que tramaram contra o Estado Democrático de Direito no País e a consequente reabilitação jurídica e política de Bolsonaro. É disso que se trata, não de “paz”.

O instrumento constitucional da anistia serve para extinguir a punição por crimes de caráter político, e de fato seu espírito é promover a pacificação do País em momentos de profunda crise política e social. Definitivamente, no entanto, esse não é o caso do atual momento. Salvo na cabeça desmiolada dos bolsonaristas radicais, não há crise que justifique o apagamento dos malfeitos de Bolsonaro e sua trupe. A despeito dos percalços de sempre, vivemos em plena democracia – que só foi perturbada quando o bolsonarismo rosnou diante da vitória de Lula da Silva na disputa presidencial de 2022. Ou seja, não cabe falar em anistia nesse caso. Ao contrário. Se estivesse interessado realmente em pacificação, Tarcísio defenderia a punição exemplar dos golpistas.

No caso específico dos réus da Ação Penal 2.668, paz não é anistia, paz é justiça. Os únicos instrumentos de que o regime democrático dispõe para se proteger dos ataques de seus inimigos são a força e a efetividade das leis e a punição, após o transcurso do devido processo legal, de qualquer cidadão que delas se desvie. Vale dizer, anistiar os eventuais condenados pelo STF por tentativa de golpe de Estado, entre outros crimes, é sinalizar que o regime das leis eventualmente pode ser atacado por meios violentos. Em que lugar do mundo isso pode ser associado à mera ideia de paz?

Paz não é conceder aos que tentaram tomar à força aquilo que não conquistaram pelo voto. Paz não é esquecimento. Paz é a certeza de que nenhum projeto de poder está acima da Constituição e só poderá ser levado a cabo se legitimado pela supremacia da vontade popular. O fortalecimento da democracia brasileira depende fundamentalmente dessa compreensão.

Mais bem dito: tanto mais perto da paz social o País estará quanto mais capazes forem as instituições republicanas de responsabilizar cada um dos que a ameaçaram em nome de seus delírios de poder. É nisso que consiste a verdadeira pacificação. Não em esquecer, mas em lembrar para que jamais uma aventura liberticida desse jaez se repita. Não há estabilidade política, social e econômica sem justiça. E não haverá paz nem justiça sem respeito às leis e à Constituição.

Driblar o Orçamento é vocação petista

O Estado de S. Paulo

Governo Lula quer ampliar atendimento médico especializado, uma medida louvável, mas, de novo, ignora o Congresso e o arcabouço fiscal ao turbinar gastos fora das regras republicanas

O governo Lula da Silva anunciou recentemente que hospitais privados e filantrópicos que queiram aderir ao Programa Agora Tem Especialistas poderão abater até 50% das dívidas que possuem com a União. A ideia é recuperar parte dos R$ 34 bilhões devidos por essas instituições com a prestação de serviços ao Sistema Único de Saúde (SUS) até 2030. Serão gerados créditos de R$ 2 bilhões por ano para atendimento nas áreas de oncologia, ginecologia, cardiologia, ortopedia, oftalmologia, otorrinolaringologia e saúde da mulher.

O ministro da Saúde, Alexandre Padilha, revelou, em entrevista exclusiva ao Estadão, que os planos de saúde também poderão trocar suas dívidas com a União para atender à demanda do SUS, no montante de até R$ 2,5 bilhões. Essas dívidas, que surgem quando um cliente de uma operadora é atendido na rede pública, hoje somam R$ 9 bilhões. O governo está de olho nesse dinheiro para turbinar o programa que pode, na avaliação de aliados, ajudar a estancar a crise de popularidade.

O Agora Tem Especialistas é uma promessa de campanha e visa a ampliar a oferta de consultas, exames e cirurgias. Embora o governo não tenha divulgado dados sobre a demanda reprimida, algo necessário quando se discute, elabora e executa uma política pública, não restam dúvidas de que a população carece desse atendimento no SUS, uma vez que apenas 10% dos especialistas trabalham exclusivamente na rede pública. A iniciativa é meritória. O problema é que, para contornar esse cenário de filas, o governo lulopetista recorreu a uma estratégia bastante arriscada.

De acordo com Padilha, o programa vai mobilizar R$ 16 bilhões, já consideradas as verbas do Orçamento destinadas ao Ministério da Saúde e os valores abatidos das dívidas de hospitais e planos de saúde. Para isso, o presidente Lula da Silva assinou recentemente uma medida provisória (MP), subscrita também pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a fim de “legalizar” esse desenho do programa.

O governo cria um instrumento que amplia na prática os recursos para a pasta da Saúde sem submeter essa decisão ao processo orçamentário, que inclui a elaboração de uma proposta de lei bem mais complexa do que uma MP. Isso ocorre porque o atual governo, além de ser fraco politicamente, tem uma dificuldade imensa para cortar gastos. Optou-se pela “criatividade fiscal”, como escreveu o pesquisador associado do Insper Marcos Mendes, em recente coluna no jornal Folha de S.Paulo.

De acordo com Mendes, os hospitais serão pagos com um “vale” em troca da quitação das suas dívidas sem que consultas, exames e cirurgias entrem na conta de “serviços médicos” no Orçamento, em um evidente drible também ao arcabouço fiscal, que, em tese, deveria resultar em alguma racionalidade às contas públicas. O arcabouço, cujo objetivo final é frear a trajetória de alta da dívida pública, será maquiado.

Trata-se de uma manobra na âncora fiscal, o que infelizmente tem se mostrado recorrente no governo lulopetista. São inúmeras as iniciativas de criatividade fiscal adotadas, a exemplo do que já foi visto no passado com as pedaladas fiscais de Dilma Rousseff. A reincidência no erro é método, do contrário o atual governo não teria driblado o Orçamento, e por consequência o arcabouço fiscal, ao lançar o Pé-de-Meia, ao socorrer o Rio Grande Sul das enchentes nem ao usar dinheiro da Usina de Itaipu para bancar obras da COP-30 em Belém, a milhares de quilômetros de Foz do Iguaçu, no Paraná. Sem contar as manobras com o dinheiro de fundos públicos ou privados que nunca volta ao Tesouro.

Sem dinheiro para gastar, sem prioridade para governar na escassez, sem critério para cortar o que não dá resultado e sem competência para escolher o que é importante para o Brasil, a gestão lulopetista repete os erros pretéritos, aprofunda a deterioração das contas públicas e oferece serviços tardios e precários à população. Pode até dar voto, mas é péssimo para o País.

Licença para matar

O Estado de S. Paulo

Movida pelo populismo penal, comissão do Senado amplia hipóteses de legítima defesa

A Comissão de Segurança Pública, do Senado, aprovou recentemente dois projetos de lei que ampliam as hipóteses da legítima defesa. Um deles inclui um dispositivo no Código Penal que concede esse direito a policiais que agirem em um conflito armado ou na iminência de um confronto. O outro diz que os donos de imóveis poderão reagir com o uso de arma de fogo em casos de invasão de sua propriedade, estando autorizados, inclusive, a espalharem armadilhas, em uma espécie de ação preventiva, mas não menos letal.

A atual legislação, em vigor desde os anos 1940, prevê duas hipóteses pelas quais os agentes das forças de segurança ou os cidadãos podem invocar esse direito. Segundo o Código Penal, configura-se a legítima defesa quando uma pessoa usa moderadamente os meios necessários para afastar uma injusta agressão a um direito seu ou de uma outra pessoa, ou quando um policial age para repelir agressão ou risco de agressão a um refém.

São duas hipóteses bastante amplas, que, por óbvio, não se reduzem a duas situações. Na prática, elas são capazes de abarcar infinitas possibilidades de casos concretos que batem à porta da Justiça, desde um tiroteio entre policiais e bandidos que resulta na morte de um criminoso até a reação de um dono de uma casa ou um sítio a uma invasão em que o agressor acabe morto. Mas há senadores insatisfeitos, entre eles os autores das iniciativas, Wilder Morais (PL-GO) e Carlos Viana (Podemos-MG), e o relator dos dois projetos e presidente da comissão, Flávio Bolsonaro (PL-RJ).

É de questionar por que os senadores elaboram, discutem e aprovam projetos cujos regramentos já estão previstos na lei penal. Ao discursar, Flávio Bolsonaro esclareceu suas intenções. Segundo ele, quem tem o domicílio violado, “ao repelir com força letal a invasão”, protegerá seu patrimônio e a vida das pessoas que estão no local. O relator afirmou ainda que “não se pode deixar que o policial, cumprindo seu dever, atuando em nítida legítima defesa, venha a ser injustamente investigado, processado e até mesmo punido”.

Não há notícia de que a lei ou a Constituição tenham dado carta-branca para quem quer que seja matar. No Estado Democrático de Direito, ninguém está acima da lei de modo que possa se esquivar de responder por seus atos perante a Justiça. Todos os cidadãos e todos os agentes do Estado podem ter seus atos escrutinados, submetendo-se a investigações, processos e eventuais punições. Por óbvio, tudo isso deve ocorrer respeitando o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa, que são direitos e garantias fundamentais.

Projetos de lei como esses aprovados na Comissão de Segurança Pública servem apenas para disseminar o populismo penal, cuja sanha punitivista confunde justiça com sede de vingança. Seria melhor que ficassem esquecidos em algum escaninho do Congresso, mas é bem mais provável que prosperem, porque abundam parlamentares para os quais a solução para a segurança pública é dar aos policiais e aos cidadãos liberdade para matar.

Investigação sobre preço de combustíveis precisa ser levada a sério

Correio Braziliense

É fundamental que o pedido da Advocacia-Geral da União (AGU) para apuração da nova suspeita de práticas anticoncorrenciais no preço dos combustíveis não seja apenas um gesto simbólico.

A recente redução nos preços do petróleo e dos derivados anunciada pela Petrobras deveria ter proporcionado alívio imediato ao bolso do consumidor, mas não é o que acontece. Os valores praticados nas bombas de combustíveis seguem em patamar elevado em diversas regiões do país, em especial no Distrito Federal. E a discrepância entre os preços na refinaria e nas bombas levanta sérias dúvidas sobre a existência de práticas anticoncorrenciais no setor de distribuição e revenda de combustíveis.

Trata-se de uma prática recorrente. Em março de 2024, a Petrobras anunciou uma redução de R$ 0,30 no litro do diesel A, aquele derivado diretamente do processo de refino do petróleo, ainda sem adição de biodiesel. Na bomba, em várias capitais, a queda foi inferior a R$ 0,10 — e, em alguns postos, não houve redução alguma. Alegaram estoques antigos com preços mais altos. Em junho de 2023, a Petrobras havia reduzido a gasolina em R$ 0,14 por litro nas refinarias. Em Belo Horizonte e Brasília, por exemplo, postos mantiveram os preços inalterados por mais de 10 dias, apesar das notificações dos Procons.

O mesmo tipo de prática ocorreu quando houve redução do ICMS dos combustíveis a 17%, em junho de 2022, quando os preços deveriam ter sido reduzidos em R$ 1,00 por litro. Também nas safras recordes de etanol em 2023, o preço nas usinas de São Paulo caiu 20%, mas, nas bombas, a redução não passou de 8%.

Defasagens podem ter causas legítimas, como logística ou estoques antigos, mas sua repetição sistemática e o padrão de não repasse imediato sugerem mecanismos de retenção de margem, concentração de mercado ou práticas anticoncorrenciais, especialmente quando se observa uniformidade de preços entre concorrentes locais. Esses exemplos reforçam a urgência de ação coordenada dos órgãos públicos para proteger o consumidor e garantir que as quedas anunciadas cheguem, de fato, ao bolso da população.

É fundamental que o pedido da Advocacia-Geral da União (AGU) para apuração da nova suspeita de práticas anticoncorrenciais no preço dos combustíveis não seja apenas um gesto simbólico. A Polícia Federal (PF), o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), os Procons e demais órgãos competentes precisam agir com celeridade e rigor, especialmente em regiões em que há histórico de suspeitas de cartelização, como o Distrito Federal. Não é a primeira vez que se levanta a hipótese de conluio entre postos para manipular preços em prejuízo direto à população.

A transparência na formação dos preços de combustíveis é vital para a credibilidade do mercado e para a proteção dos consumidores. A omissão das autoridades apenas perpetua um ciclo de abusos que compromete a confiança pública e agrava os efeitos da inflação sentida nas famílias brasileiras. A atuação coordenada entre os órgãos de controle é não só desejável, mas urgente.

Também é papel do Congresso Nacional propor medidas que ampliem a concorrência e a fiscalização no setor, reforçando o marco regulatório e garantindo meios para evitar a concentração indevida do mercado. O consumidor, já pressionado por uma carga tributária elevada e pelos custos de vida crescentes, não pode ser feito refém de práticas lesivas.

Mais agilidade para julgar crimes contra as mulheres

O Povo (CE)

Uma fisioterapeuta de Várzea Alegre relatou, em uma rede social, as agressões que sofreu do ex-companheiro: "Foram horas de tortura, minha roupa rasgada, faca nas minhas partes íntimas, socos e enforcamentos"

A Semana Estadual do Júri, realizada pelo Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), em sua oitava edição, terminou com um saldo de mais 170 casos julgados e outros 70 marcados para datas próximas. A iniciativa busca conferir celeridade aos processos, tendo como prioridade os casos de agressões contra as mulheres e feminicídio. Quanto a esse tipo de crime, foram 15 julgamentos, mas o TJCE não deu informações sobre a quantidade de condenações.

A iniciativa dá continuidade às ações que o TJCE mantém para combater a violência contra a mulher, reforçadas a cada gestão. É uma atividade importante para imprimir rapidez aos julgamentos e pela divulgação alcançada, tornando-se exemplo de que a violência de gênero não resultará impune. Assim, seria importante que o tribunal fornecesse informações mais detalhadas sobre os resultados da campanha.

Na ocasião da posse dos novos dirigentes do Tribunal de Justiça, no início do ano, o desembargador Heráclito Vieira, que assumia a presidência, foi enfático ao dizer que sua administração daria atenção especial aos casos de violência de gênero.

De fato, esse é um tema de relevância, que precisa de ações rápidas para pôr fim à barbárie que atinge as mulheres, que não se sentem segurança nem em suas próprias casas. Para isso, a necessidade de investigações e julgamentos céleres.

Em nove estados monitorados pela Rede de Observatórios da Segurança verificou-se que, a cada 17 horas, uma mulher morreu em razão do gênero em 2024. Os estados verificados são: Amazonas, Bahia, Ceará, Maranhão, Pará, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro e São Paulo, nos quais foram registradas 531 vítimas de feminicídios no ano passado.

Em 75,3% dos casos, os crimes foram cometidos por pessoas próximas da vítima. Considerando-se somente parceiros e ex-parceiros, o índice é de 70%. Nessa lista de brutalidades, o Ceará ocupa a terceira posição, com 297 agressões e 45 feminicídios, tendo à frente Amazonas e Bahia.

Um caso, que veio à tona esta semana, demonstra a selvageria desse tipo de crime. Uma fisioterapeuta de Várzea Alegre relatou, em uma rede social, as agressões que sofreu do ex-companheiro: "Foram horas de tortura, minha roupa rasgada, faca nas minhas partes íntimas, socos e enforcamentos". Felizmente, ela conseguiu escapar com vida.

O agressor, vereador Maiko do Chapéu, voltou à Câmara depois de cumprir afastamento de 60 dias, determinado pela Comissão de Ética. Essa inaceitável tolerância corporativa, com um comportamento de tamanha gravidade, é um incentivo à violência. Submeter o vereador a um julgamento rápido, aplicando todo o rigor que a lei permite, ajudaria a reparar o erro parlamentar.

Esse fato destaca a importância do projeto do TJCE, em dar agilidade aos processos que envolvem violência contra a mulher.

 

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